O diagnóstico tardio é um dos grandes problemas da atenção oncológica no Brasil. Dados do Tribunal de Contas da União (TCU) mostram que mais de 65% dos casos de câncer são diagnosticados em estágios avançados e não há dúvida de que é preciso transformar esse panorama para construir um futuro mais promissor.
Dimensionar a fila de espera é um exercício superlativo. Imagine um estádio de futebol lotado, como o Mané Garrincha, o Maracanã ou o Itaquerão. Multiplique por 10, quem sabe 11, e vai se aproximar da quantidade de pessoas que hoje esperam na fila no município de São Paulo por um exame ou consulta para o diagnóstico do câncer. No caso do rastreio do câncer colorretal, algumas pessoas esperam mais de 300 dias na fila do SUS para realizar o exame de colonoscopia. É tempo. Muito tempo.
| “Trazer transparência para as filas é uma necessidade real e podemos enfrentar esse desafio” |
Levantamento realizado em 2006 também apontava 72 dias de espera até que uma suspeita mamográfica chegasse finalmente à biópsia. É um desafio gigantesco o compromisso com o diagnóstico precoce, com impacto direto nos resultados de sobrevida do paciente de câncer.
Transparência
Conhecer o modelo de referências e contra-referências pode ajudar bastante a navegação do paciente na rede e simplificar o controle social. A proposta do Oncoguia, apresentada no 5º Fórum Nacional de Políticas de Saúde em Oncologia promovido pelo Instituto, é um apelo para melhorar o fluxo do paciente entre os diferentes níveis de assistência.
O paciente do Sistema Único de Saúde tem uma porta de entrada na atenção primária e se precisar de um atendimento especializado acaba ingressando em um fluxo de referências e contra-referências. Essa assistência é organizada de forma regionalizada e hierarquizada, desde o âmbito da atenção primária até a esfera secundária e de alta complexidade.
“Regular os fluxos evitaria os favorecimentos, que ainda acontecem. O meu SUS não é igual ao seu SUS”, aponta Tiago Farina Matos, diretor jurídico do Oncoguia. “Em São Paulo, quando uma pessoa recebe o diagnóstico de câncer, normalmente quer ir para o ICESP ou para Barretos, porque sabe que são ilhas de excelência”, prossegue ele, numa lógica que reflete sobre a necessidade de criar caminhos alternativos e assegurar a agilidade do sistema. “A ideia é que a regulação seja uma espécie de waze do paciente e ajude a recalcular as rotas em tempo real”, propõe.
Afinal, o que pode garantir mais eficiência e transparência ao processo de regulação e como a sociedade civil pode ajudar com soluções contributivas?
Uma das grandes dúvidas do cidadão parece ser como identificar onde estão os serviços disponíveis, assim como é difícil para o controle social saber como são distribuídos e pactuados os serviços e os repasses entre os diferentes níveis da Saúde.
A proposta do Oncoguia é saber como aprimorar a regulação e contribuir com soluções sustentáveis para uma agenda positiva, disposta a qualificar e melhorar o acesso da pessoa com câncer aos serviços de saúde.
“A regulação permite maior controle, maior transparência, menos favorecimentos. A regulação permite compreender melhor a relação dos serviços com os prestadores e traz para a luz processos sistematizados”, esclarece Patrícia Sampaio, do Ministério da Saúde. “Estamos em um fórum e a ideia é sair daqui com propostas para pensar o papel de cada um na melhoria de processos, desde o executivo, o legislativo, o judiciário, até a própria sociedade civil. Levantar experiências bem sucedidas na regulação e multiplicar esses cases de sucesso com proposições específicas para a oncologia é sem dúvida um caminho. Trazer transparência para as filas é uma necessidade real e podemos enfrentar esse desafio. Ajuda o gestor, ajuda o controle social e principalmente ajuda o paciente”, destaca ela.
Vontade política
A ausência de representantes do CONAS e do CONASEMS foi sentida na mesa de regulação, uma vez que a proposta era promover o diálogo para uma negociação mais refinada entre União, estados e municípios.
O Contrato Organizativo de Ação Pública (COAP), fixado em 2011, também foi lembrado como um instrumento importante no contexto da regulação. O COAP estabelece todo o sistema de referência e contra-referência entre os três níveis de assistência, mas até hoje não foi pactuado entre as partes. “Apenas dois estados assinaram o documento. É um instrumento importante e precisa avançar”, diz Patrícia.
A Lei dos 60 dias é um exemplo do papel da regulação. Muito embora ela não tenha, como num passe de mágica, resolvido o problema de infraestrutura da atenção oncológica, acabou colocando o câncer na agenda política e acelerou iniciativas importantes, como a criação do SISCAN. “Além do mais, sabemos que a Lei enfoca apenas uma pequena parte do problema e garantir apenas o atendimento inicial e o primeiro tratamento não é solução para a complexidade dos problemas do paciente de câncer”, observa Tiago Matos, do Oncoguia. Fica claro que não é só um problema do executivo, nem do judiciário, mas um compromisso assumido também pelo Legislativo, que pode atuar não só na proposição de projetos de lei, mas também na fiscalização”, propõe.