Levantamento realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) revela uma realidade pouco visível, mas urgente: entre 2000 e 2018, a incidência de câncer entre indígenas brasileiros aumentou 378,6%. O estudo utilizou dados do Registro Hospitalar de Câncer (RHC) do SUS e mostrou não apenas o crescimento expressivo dos casos, mas também profundas desigualdades no acesso ao diagnóstico precoce e ao tratamento oncológico. Luís Carlos Lopes-Júnior (foto), docente e líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Oncologia (GEPONC/CNPq) da UFES, é o primeiro autor do trabalho selecionado para apresentação em pôster no ESMO 2025.
“O câncer é fortemente influenciado por determinantes sociais e a disponibilidade limitada de dados populacionais de alta qualidade sobre câncer em indígenas brasileiros prejudica o planejamento estratégico em saúde pública”, esclarecem os autores.
O estudo de coorte retrospectivo examinou as tendências longitudinais na incidência de câncer entre indígenas adultos no Brasil de 2000 a 2018, utilizando dados do Registro Hospitalar de Câncer (HbCR) e comparou essas tendências com estimativas populacionais do Censo Demográfico Brasileiro.
Foram analisados 3.701 indígenas adultos (≥18 anos) com diagnóstico confirmado de neoplasias malignas (CID-10), tratados na rede pública de saúde. As tendências anuais na incidência de câncer foram analisadas pelo teste de Mann-Kendall, e análises bivariadas avaliaram as associações entre variáveis demográficas e clínicas. As taxas de incidência cumulativas (CIRs) foram calculadas utilizando dados populacionais dos censos nacionais de 2000 e 2010.
Entre 2000 e 2018, o número anual de casos de câncer em indígenas aumentou 378,6%, com a CIR passando de 169,6 por 100.000 (2000-2009) para 188,1 por 100.000 (2010-2018). Observou-se um aumento significativo nos diagnósticos em estádios localizados e regionais (I-III) (p < 0,001), com diferenças notáveis por sexo e idade (p < 0,001).
Os cânceres mais frequentes foram: colo do útero (19%), mama (11,5%), pele não melanoma (10,8%), próstata (8,5%) e estômago (5,4%). A mediana de idade ao diagnóstico foi de 58 anos, e a maioria dos casos ocorreu em mulheres (58,6%).
As disparidades sociodemográficas foram evidentes: 30,9% já apresentavam metástase na apresentação, 51,4% possuíam apenas o ensino fundamental e 32,1% e 19,7% residiam nas regiões Nordeste e Norte, respectivamente. Cerca de 1 em cada 4 pacientes indígenas com câncer não recebeu tratamento, principalmente devido à limitações clínicas, como performance status inadequado.
Em síntese, o estudo mostra que a incidência de câncer entre indígenas brasileiros está aumentando, mas o diagnóstico e o tratamento oportunos permanecem inadequados. "Esses dados revelam uma epidemia silenciosa de câncer entre indígenas, agravada por desigualdades sociais, barreiras geográficas e falta de políticas de saúde adaptadas culturalmente", apontam os autores, destacando a necessidade urgente de intervenções políticas para implementar a detecção precoce do câncer na comunidade, melhorar o atendimento e a vigilância culturalmente sensível para as populações indígenas.
Além de Lopes-Júnior, que assina como primeiro autor, o trabalho conta com a participação dos pesquisadores Vitor F. Vasconcellos, Wesley Rocha Grippa, Gabriel Colombo Pereira, Camila Carlini e Ana Carolina Avancini Guimarães.
O estudo é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES).
Referência:
2361P - Uncovering an invisible epidemic: Trends in cancer incidence and access to care among indigenous Brazilians (2000–2018)
Speakers: Luis Carlos Lopes-Júnior (Vitoria, Brazil)
Authors: Luis Carlos Lopes-Júnior (Vitoria, Brazil), Vitor F. Vasconcellos (Sao Paulo, Brazil), Wesley Rocha Grippa (Vitoria, Brazil), Gabriel Colombo Pereira (Vitoria, Brazil), Camila Carlini (Vitoria, Brazil), Ana Carolina Avancini Guimarães (Vitoria, Brazil)