A acupuntura, tanto real quanto simulada, foi mais eficaz do que o cuidado habitual para reduzir dificuldades cognitivas percebidas por sobreviventes de câncer de mama, enquanto a acupuntura real demonstrou benefício adicional sobre a função cognitiva objetiva. Os resultados são do estudo randomizado de fase II ENHANCE, apresentado no SABCS 2025 por Jun J. Mao, chefe do serviço de medicina integrativa e bem-estar do Memorial Sloan Kettering Cancer Center.
“Mais de 40% das sobreviventes de câncer de mama apresentam dificuldades cognitivas relacionadas ao câncer, às vezes chamadas de “névoa mental” ou “quimiocerebro”, o que pode dificultar a realização de tarefas diárias e reduzir a qualidade de vida em geral. Infelizmente, existem poucos tratamentos com eficácia comprovada para esse problema”, observou Mao.
Anteriormente, Mao e colegas demonstraram que a insônia estava associada a dificuldades cognitivas em mais de mil sobreviventes de câncer de mama e que, em um estudo anterior, a acupuntura melhorou a insônia e a função cognitiva em comparação com a terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC-I). Para testar ainda mais a eficácia da acupuntura na melhora da função cognitiva em pacientes com câncer de mama, os pesquisadores elaboraram um estudo com três braços, comparando a acupuntura real com a acupuntura simulada e o tratamento padrão, administrado a critério do médico.
A acupuntura simulada foi projetada para reproduzir a experiência da acupuntura real, com uma experiência relaxante geral semelhante, mas existem algumas diferenças importantes: a acupuntura simulada utiliza pontos do corpo que não são considerados pontos clássicos de acupuntura e as agulhas não penetram a pele.
“A acupuntura deve ser vista como uma intervenção complexa que envolve tanto a inserção das agulhas quanto o cuidado prestado”, explicou Mao. “A simples crença de que você está recebendo um tratamento benéfico e o relaxamento proporcionado pela posição deitada por 20 a 30 minutos podem trazer benefícios terapêuticos, mesmo que as agulhas não sejam inseridas ou não sejam colocadas em pontos terapêuticos específicos”.
O ensaio clínico randomizado incluiu 260 mulheres com histórico de câncer de mama estádio 0 a III, que haviam concluído o tratamento, estavam livres de doença ativa e relataram dificuldades cognitivas moderadas ou graves, além de insônia.
As participantes tinham idade média foi de 56,6 anos; 21,2% não eram brancas; 53,5% haviam recebido quimioterapia; 62,7% estavam em terapia hormonal no momento da inclusão (25,4% com tamoxifeno e 37,3% com inibidores da aromatase); A pontuação média (DP) basal do FACT-Cog PCI e a pontuação T total do HVLT foram de 36,0 (14,0) e 44,3 (11,7), respectivamente. Destas, 237 (91,2%) completaram o desfecho primário.
As participantes foram randomizadas na proporção de 2:1:1 para acupuntura real (AR, n=129), acupuntura simulada (AS, n=70) ou tratamento usual (TU, n=61). As intervenções foram realizadas uma vez por semana, durante 10 semanas. As avaliações ocorreram no início do estudo, ao final do tratamento (10 semanas) e na semana 26.
A função cognitiva percebida foi medida usando a Avaliação Funcional da Terapia do Câncer - Função Cognitiva (FACT-Cog PCI; melhora clinicamente significativa ≥7,4 pontos), instrumento validado de avaliação de resultados relatados pelo paciente, que solicita aos participantes que preencham um questionário sobre como eles sentem que sua memória, atenção e capacidade de realizar tarefas diárias foram afetadas. A função cognitiva objetiva foi medida de forma cega pelo escore T do Teste de Aprendizagem Verbal de Hopkins Revisado (HVLT), que avalia o desempenho da memória, aprendizagem ou atenção usando tarefas padronizadas.
“Essas duas medidas capturam diferentes aspectos da cognição e muitas vezes não coincidem”, disse Mao. “Em nosso estudo, entre as participantes que relataram dificuldades cognitivas moderadas a graves e que atendiam aos critérios de elegibilidade para inclusão, apenas 30% preencheram os critérios para comprometimento cognitivo objetivo, conforme medido pelo HVLT. Essa discrepância destaca a importância de usar ambas as ferramentas em conjunto, pois elas fornecem um panorama mais completo”, afirmou.
Após 10 semanas, tanto a acupuntura real quanto a simulada promoveram melhora clinicamente significativa na cognição percebida, com ganhos de 10,3 e 10,5 pontos no FACT-Cog PCI (AR: 10,3, IC 95%: 7,8-12,7; AS: 10,5, IC 95%: 7,1-13,9) versus 4,8 pontos no grupo de cuidado habitual (IC 95%: 2,25-7,37). A acupuntura real foi significativamente superior ao cuidado habitual na redução do comprometimento cognitivo percebido na semana 10 (5,46; IC 95%, 1,95-8,56; p = 0,0025), efeito que se manteve até a semana 26 (5,53; IC 95%, 2,02-9,05; p = 0,0022). Não houve diferença estatística entre acupuntura real e simulada nesse desfecho. No entanto, a acupuntura real melhorou a função cognitiva objetiva medida pelo HVLT em relação à acupuntura simulada na Semana 10 (4,10; IC 95%: 0,32-7,87; p = 0,034).
“O fato de a acupuntura real e a simulada terem produzido efeitos semelhantes na melhora da função cognitiva percebida pode ser explicado pelo fato de que a acupuntura simulada, embora não estimule o corpo da mesma forma, ainda oferece benefícios como atenção personalizada, relaxamento e a sensação de ser cuidado, o que pode melhorar o bem-estar das pessoas”, explicou Mao.
Embora a acupuntura real tenha melhorado as pontuações do HVLT, a acupuntura simulada não apresentou diferença na função cognitiva objetiva. Na décima semana, a acupuntura real foi significativamente melhor do que a acupuntura simulada, com uma diferença de 4 pontos nas pontuações do HVLT.
No geral, a acupuntura real e o tratamento usual apresentaram resultados semelhantes na melhora da função cognitiva objetiva. No entanto, no subgrupo de pacientes que apresentavam comprometimento da função cognitiva objetiva no início do estudo, a acupuntura real foi associada a uma tendência promissora de melhora da memória em comparação com o tratamento usual e a acupuntura simulada.
“Pesquisas anteriores, utilizando exames de imagem cerebral em pessoas com problemas de memória ou dor, sugerem que a acupuntura real pode estimular de forma mais eficaz áreas específicas do cérebro envolvidas na memória, atenção e aprendizado”, explicou Mao. “Embora nosso estudo também mostre que a acupuntura pode ter um benefício potencial para melhorar a função cognitiva objetiva em pessoas com algum comprometimento, estudos futuros são necessários para verificar isso especificamente.”
Os eventos adversos foram, em sua maioria, leves e limitados ao braço onde foi realizada a acupuntura real, sendo os hematomas os mais comuns (3,1% dos participantes). Além da acupuntura, o estudo também constatou que a insônia estava significativamente associada ao desempenho cognitivo objetivo e que a fragmentação do sono — o número de despertares e o tempo de vigília — estava significativamente associada a um pior desempenho em testes cognitivos objetivos.
“Embora este estudo tenha demonstrado que a capacidade da acupuntura de melhorar a percepção da dificuldade cognitiva da paciente provavelmente se deve ao processo de receber o tratamento em si, e não a técnicas específicas de inserção de agulhas, ainda é razoável que mulheres com câncer de mama experimentem um ciclo de acupuntura para verificar se isso pode ajudar a melhorar sua percepção de dificuldade cognitiva. Também pode beneficiar a função cognitiva objetiva, mas esperamos que futuros estudos com amostras maiores de pacientes com comprometimento cognitivo objetivo forneçam evidências mais conclusivas”, destacou Mao.
Entre as limitações estão o número reduzido de participantes com comprometimento cognitivo objetivo basal, a condução do estudo em um único centro acadêmico e a inclusão exclusiva de mulheres, o que pode limitar a generalização dos resultados. Além disso, o ensaio ocorreu durante a pandemia de COVID-19, o que pode ter introduzido outras variáveis relacionadas ao estresse e aos cuidados dos pacientes.
O estudo foi financiado por bolsas do Instituto Nacional do Câncer e do Programa de Apoio a Centros de Câncer dos Institutos Nacionais de Saúde.
Referência:
GS3-04 - Effects of Acupuncture vs Sham Acupuncture and Usual Care on Cancer-Related Cognitive Difficulties Among Breast Cancer Survivors: The ENHANCE Randomized Clinical Trial - J. Mao, X. Li, Y. Li, K. Liou, K. Lampson, J. Root, T. Ahles.