Onconews - Consórcio do NCI avança na compreensão da tolerabilidade ao tratamento oncológico

Liderado pelo National Cancer Institute (NCI) dos Estados Unidos, o Cancer Treatment Tolerability Consortium reuniu especialistas de instituições como Cedars-Sinai, Mayo Clinic, ECOG-ACRIN e Universidade de Rochester, com o objetivo de aprimorar métodos de mensuração e análise da tolerabilidade, um conceito que vai além da segurança e incorpora a experiência e a aceitação do paciente frente aos efeitos adversos da terapia. Os resultados foram publicados na Cancer, periódico da American Cancer Society (ACS), e representam um marco importante na pesquisa sobre tolerabilidade ao tratamento oncológico.

Historicamente, a tolerabilidade é avaliada de forma indireta, pela ausência de eventos adversos (EAs) graves. No entanto, esse modelo não captura a realidade de toxicidades crônicas e de baixo grau, que frequentemente comprometem a adesão terapêutica. O entendimento da tolerabilidade é essencial para equilibrar riscos e benefícios, otimizar doses e esquemas de tratamento e fortalecer a comunicação médico-paciente. “A segurança e a tolerabilidade são conceitos interligados, mas distintos. Um tratamento pode ser considerado seguro, mas ainda assim intolerável para alguns pacientes, levando à interrupção precoce”, destaca o artigo.

Para enfrentar essa lacuna, o NCI desenvolveu o Common Terminology Criteria for Adverse Events (CTCAE) e sua versão Patient-Reported Outcomes (PRO-CTCAE), que incorpora a perspectiva do paciente em relação a sintomas e impacto na vida diária.

Essas ferramentas foram centrais para o trabalho do consórcio, que promoveu análises secundárias de grandes ensaios clínicos, integrando dados clínicos e relatos de pacientes. As equipes desenvolveram modelos estatísticos, índices de toxicidade e ferramentas gráficas inovadoras — como diagramas Sankey — para visualizar a evolução dos sintomas e prever risco de descontinuação do tratamento.

Os grupos de pesquisa identificaram novos indicadores e abordagens para mensurar a tolerabilidade de maneira mais abrangente e preditiva, entre eles o Índice de toxicidade (Toxicity Index), que permite sumarizar os dados do CTCAE e PRO-CTCAE ao longo do tempo, captando diferenças sutis entre regimes terapêuticos; o GP5 – “I am bothered by side effects”, com uma única questão do questionário FACT-G que mostrou forte correlação com a descontinuação precoce do tratamento, validando-se como marcador sintético de tolerabilidade; a Análise geriátrica e polifarmácia, que evidencia que avaliações geriátricas e manejo de interações medicamentosas reduzem toxicidades relatadas por pacientes idosos; e o Impacto psicossocial, que destaca a associação entre carga alostática (estresse fisiológico cumulativo) e maior incidência de sintomas, reforçando a dimensão biopsicossocial da tolerabilidade.

Os achados reforçam o papel central do relato do paciente (PRO) como componente essencial da avaliação de eficácia e segurança em oncologia. O trabalho também dialoga com iniciativas do U.S. Food and Drug Administration (FDA) voltadas para o desenvolvimento de diretrizes de avaliação centradas no paciente, visando incorporar dados de tolerabilidade aos rótulos de medicamentos e à tomada de decisão regulatória.

O consórcio também amplia a discussão para populações tradicionalmente sub-representadas em ensaios clínicos, como idosos, pessoas com comorbidades e pacientes pediátricos — estes últimos incluídos por meio da colaboração com o Children’s Oncology Group, que vem adaptando o PRO-CTCAE para o contexto infantil e para relatos de pais e cuidadores.

Os autores reconhecem que os estudos foram conduzidos com dados retrospectivos e que a generalização dos resultados requer validação em ensaios prospectivos, especialmente em contextos contemporâneos de imunoterapia e tratamentos combinados. Ainda assim, o consórcio do NCI inaugura uma nova era na avaliação da experiência do paciente oncológico.

“O campo começa a se mover de uma visão centrada apenas na toxicidade grave para uma compreensão multidimensional da tolerabilidade. Essa mudança tem potencial para aprimorar o desenho de estudos, a personalização terapêutica e, sobretudo, a qualidade de vida das pessoas com câncer”, concluem os pesquisadores.

Referência:

Altshuler RD, Mitchell SA, St. Germain DC, et al. National Cancer Institute Cancer Treatment Tolerability Consortium: Current status and future directions.National Cancer Institute Cancer Treatment Tolerability Consortium: Current status and future directions. Cancer. 2025; https://doi.org/10.1002/cncr.35946