Onconews - Comissão Lancet Oncology analisa a crise humana no tratamento do câncer

Em meio a avanços científicos sem precedentes na oncologia, crescente conjunto de evidências revela uma crise paralela e profunda na experiência humana do tratamento do câncer, tema que é foco de uma nova Comissão da Lancet Oncology. “Esta Comissão identifica um desequilíbrio crescente entre a inovação tecnológica e as dimensões humanas do tratamento do câncer. À medida que a área priorizou cada vez mais o desenvolvimento biofarmacêutico, a precisão genômica e a eficiência orientada pelo mercado, muitas vezes negligenciou práticas essenciais que preservam a dignidade, aliviam o sofrimento e constroem confiança”.

Em artigo que marca o início das atividades da Comissão (The human crisis in cancer: a Lancet Oncology Commission), Gary Rodin e colegas analisam que, apesar da melhora na sobrevida global, os sistemas criados para prestar assistência têm se mostrado cada vez mais insuficientes para abordar as dimensões emocionais, relacionais e existenciais do câncer.

“Embora exemplos de cuidado compassivo e atencioso possam ser encontrados em todos os contextos, pacientes e familiares em todo o mundo continuam relatando serem ignorados, desamparados e, por vezes, prejudicados por estruturas de assistência que priorizam a precisão técnica em detrimento da presença humana”, sustentam os autores. Rodin et al. argumentam que a crise humana do câncer não se define pela patologia, mortalidade ou causa, mas pela erosão do significado, da conexão e da compaixão na experiência do câncer.

“Essa crise é moldada pelo que está presente e pelo que está ausente: a presença de sistemas fragmentados, dispendiosos e impessoais e a ausência de conexão humana, segurança psicológica e cuidado relacional. É uma crise que abrange a prestação de serviços, a saúde mental, os cuidados paliativos, a pesquisa e a educação — uma crise que não é periférica ao progresso da oncologia, mas central para seus fracassos”, sublinham.

Ao se debruçar sobre um desafio que é definidor da saúde moderna – o crescente desequilíbrio entre as dimensões biológica e humana da medicina – a Comissão convida a refletir sobre a própria concepção do modelo atual de prestação de cuidados, que prioriza o controle da doença em detrimento do bem-estar humano, a precisão técnica em detrimento da conexão interpessoal e o valor econômico em detrimento da experiência vivida.

“Enfrentar esta crise exigirá mais do que boas intenções; exigirá confrontar os incentivos estruturais e as ideologias que desvalorizaram os fundamentos relacionais do tratamento do câncer”, afirma a Comissão.

Referência:

The human crisis in cancer: a Lancet Oncology Commission. Rodin, Gary et al. The Lancet Oncology. DOI: 10.1016/S1470-2045(25)00530-3