Onconews - Estudos brasileiros avaliam o papel da heterogeneidade genética intratumoral e da resposta imune no tratamento do câncer retal localmente avançado

Dois estudos brasileiros selecionados para apresentação em pôster no AACR 2025 avaliaram a associação entre potenciais biomarcadores moleculares e a resposta à quimiorradioterapia neoadjuvante (QRTn) em pacientes com câncer retal localmente avançado usando conjuntos de dados genômicos locais e públicos. O primeiro estudo avaliou a hetetogeneidade genética intratumoral (ITH) em pacientes respondedores versus não respondedores à neoadjuvância. O segundo trabalho se concentrou na análise de elementos da resposta imune adaptativa como biomarcadores de resposta à QRTn. O bioinformata Vandeclécio Lira da Silva (na foto, à direita) e o doutorando Ramon Torreglosa do Carmo são os primeiros autores dos trabalhos, que têm o cirurgião Rodrigo Oliva Perez como autor sênior.

O câncer retal localmente avançado (do inglês, LARC - locally advanced rectal cancer) é tipicamente tratado com quimiorradioterapia neoadjuvante, com o objetivo de reduzir o tamanho do tumor para facilitar a ressecção cirúrgica. Pacientes que alcançam resposta clínica completa podem ser elegíveis para estratégias de preservação de órgão, como o protocolo Watch-and-Wait. No entanto, as avaliações clínicas e radiológicas carecem de precisão na previsão da resposta ao tratamento, com recrescimento tumoral ocorrendo em 30% dos casos em dois anos.

“Demonstramos anteriormente que tumores retais apresentam alta ITH e que essa heterogeneidade aumenta após a quimiorradioterapia neoadjuvante em pacientes que não alcançam uma resposta clínica ou patológica completa. Portanto, a ITH surgiu como um biomarcador potencial para avaliar a resposta à QRTn”, esclarecem os pesquisadores.

Nestes estudos, os pesquisadores analisaram uma coorte local de 71 pacientes com LARC submetidos a QRTn de longa duração com quimioterapia à base de 5FU ou capecitabina (coorte SP). Biópsias tumorais pré-tratamento foram submetidas a sequenciamento completo do exoma (WES), a ITH estimada com o escore MATH e os pacientes foram classificados em respondedores (QRTn-R, N=16) e não-respondedores (QRTn-NR, N=55). Exomas e dados clínicos públicos de 81 pacientes de Chatila et al. (2022, coorte MSKCC) também foram utilizados para estimar a ITH. Transcriptomas da coorte MSKCC foram avaliados e a ITH estimada com um escore baseado na variação da expressão gênica (DEPTH2).

Valores baixos de ITH correlacionaram-se com a resposta à QRTn na coorte SP (MATH mediano de 28,89 versus 50,97 em QRTn-R e NR, respectivamente; p ≤ 0,05, teste de Wilcoxon). Pela análise da curva ROC foi possível estimar o melhor limiar de MATH para estratificar os pacientes respondedores (26,34, sensibilidade = 90%, especificidade = 50%, AUC = 0,67). A análise multivariada com as características clínico-radiológicas mostrou uma associação marginal entre escores MATH baixos com resposta à QRTn (OR: 16,05; p = 0,003).

Já para a coorte MSKSS, observaram-se tendências opostas: indivíduos respondedores à QRTn possuíam escores MATH mais altos (mediana de 38,65 para QRTn-R versus 33,51 para QRTn-NR), mas a diferença não foi significativa (p = 0,2536, teste de Wilcoxon), apesar do tamanho amostral ser bastante semelhante à coorte SP.

A mesma tendência foi observada para ITH medida a partir da expressão gênica; porém, igualmente não significativa (ITH mediana de 0,667 para QRTn-NR versus 0,652 para QRTn-R; p = 0,503, teste de Wilcoxon). “Os dados conflitantes observados podem simplesmente refletir o poder estatístico limitado das análises. Acreditamos ser necessário aumentar o tamanho da amostra e estratificar os grupos de resposta com base nos regimes de tratamento. Portanto, consideramos importante divulgar esses achados para incentivar a colaboração e facilitar a expansão de nossa série de casos”, concluem os autores.

O segundo estudo (Abs 3326), conduzido pelo aluno de doutorado Ramon Torreglosa do Carmo, orientado por Cibele Masotti com coorientação do cirurgião Rodrigo Perez, se concentrou na análise de elementos da resposta imune adaptativa como biomarcadores de resposta à QRTn. Para tanto, com base nos dados de WES, estimou-se a carga de neoantígenos tumorais e a variação genética polimórfica e somática de genes HLA (moléculas apresentadoras de epítopos tumorais). Um subgrupo das 71 amotras tumorais pré-tratamento (n=59) também foi submetido ao sequenciamento genético dos receptores de linfócitos T (T-cell receptor, TCRseq) infiltrantes do microambiente tumoral, constituindo o primeiro estudo do repertório de TCRs de LARC.

O achado mais relevante emergiu da modelagem computacional das interações HLA-neoantígeno-TCR ocorrendo nos tumores. O algoritmo de aprendizado de máquina ERGOII estimou a probabilidade de reconhecimento antigênico, revelando frequência significativamente maior dessas interações nos pacientes QRTn-R (p < 0,001, teste de Wilcoxon).

Trata-se da primeira evidência de que dados imunogenéticos combinados — incluindo mutações somáticas, alelos HLA e TCRs — podem predizer resposta à nCRT em LARC. “Neste estudo, chamamos a atenção para o valor funcional do repertório imune basal dos pacientes fora do contexto de imunoterapia, e isso deve ser explorado nos estudos futuros, além da integração com os dados de ITH”, destacam os autores.

Além de Vandeclécio Silva, pós-doutorando vinculado à Beneficência Portuguesa de São Paulo Ramon Torreglosa e Rodrigo Perez, coordenador de cirurgião colorretal no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, os trabalhos têm participação dos pesquisadores Ezequias Santos Torres, Franciele Hinterholz Knebel, Fabiana Bettoni, Anamaria Camargo e Cibele Masotti, do Hospital Sírio Libanês; e Guilherme Pagin São-Julião, Bruna Vailati, Leonardo Corbi, Natalia Mariana Felicio e Angelita Habr Gama, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

Referências:

1261 / 22 - Assessing intratumoral genetic heterogeneity in locally advanced rectal cancer

Vandeclecio Lira da Silva, Ezequias Santos Torres, Ramon Torreglosa Do Carmo, Franciele Hinterholz Knebel, Fabiana Bettoni, Guilherme Pagin São-Julião, Bruna Vailati, Bruna Vailati, Leonardo Corbi, Natalia Mariana Felicio, Angelita Habr Gama, Anamaria Camargo, Cibele Masotti, Rodrigo Oliva Perez. Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, Sao Paulo, Brazil, Hospital Sírio Libanês, Sao Paulo, Brazil, Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC-SP), Sao Paulo, Brazil, Instituto Angelita e Joaquim Gama, Sao Paulo, Brazil

3326 / 29 - Putative value of HLA-neoantigen-TCR interactions as a response biomarker to neoadjuvant chemoradiotherapy in locally advanced rectal cancer

Ramon Torreglosa Do Carmo, Vandeclecio Lira da Silva, Franciele Hinterholz Knebel, Fabiana Bettoni, Guilherme Pagin São-Julião, Bruna Vailati, Bruna Vailati, Leonardo Corbi, Natalia Mariana Felicio, Angelita Habr Gama, Anamaria Camargo, Cibele Masotti, Rodrigo Oliva Perez. Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, Sao Paulo, Brazil, Hospital Sírio Libanês, Sao Paulo, Brazil, Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC-SP), Sao Paulo, Brazil, Instituto Angelita e Joaquim Gama, Sao Paulo, Brazil