Onconews - Entendendo o papel da citrulinação de proteínas no câncer

Em mais um tópico da coluna ‘Drops de Genômica’, o oncologista Andre Murad (foto) discute o papel da citrulinação de proteínas no câncer. “A citrulinação regula a função das células imunes e a imunidade tumoral. Portanto, pesquisas estão sendo realizadas para se explorar o potencial da citrulinação como uma estratégia terapêutica contra o câncer”, esclarece. Confira.

Por André Marcio Murad*

As peptidil arginina desiminases (PADs) catalisam a conversão de resíduos de arginina em peptidil citrulina, uma modificação pós-traducional conhecida como citrulinação de proteínas (ou deiminação de arginina). Esse processo altera a carga das proteínas de positiva para neutra, afetando seu enovelamento, estabilidade, conformação e função. PAD2 e PAD4 podem translocar-se para o núcleo e citrulinar proteínas citoplasmáticas e nucleares. 

As consequências funcionais da citrulinação mediada por PAD são determinadas por seus substratos alvo. PAD2 e PAD4 têm como alvo diversas proteínas citoplasmáticas e nucleares, incluindo fatores de transcrição e correguladores. Sua expressão em progenitores hematopoiéticos e células imunes e sua capacidade de penetrar no núcleo sugerem papéis importantes na modulação da diferenciação, fenótipo e função das células imunes.  Portanto, a citrulinação é mediada por PAD2 e PAD4 em subconjuntos de células imunes dentro do microambiente tumoral.  

O papel das PADs no câncer: 

  • Progressão e metástase:Estudos mostram que a citrulinação excessiva de proteínas da matriz extracelular, como o colágeno tipo I, pela enzima PAD4, contribui para o crescimento de metástases, como as de câncer colorretal no fígado. A inibição da citrulinação pode reduzir a carga metastática.
  • Instabilidade genética:A citrulinação de histonas (proteínas que organizam o DNA) pode causar danos ao DNA, contribuindo para a instabilidade genética, uma característica comum das células cancerosas.
  • Resistência a terapias:A citrulinação pode afetar a resposta das células cancerosas a certos tratamentos. Por exemplo, a enzima PAD3 demonstrou modular a resposta ao medicamento neratinibe em casos de câncer de mama HER2-positivo.
  • Modulação da resposta imunológica:A citrulinação afeta a forma como o sistema imunológico responde ao tumor, podendo tanto favorecer o tumor quanto ser explorada em imunoterapias. 

Citrulinação em células T

A citrulinação é relativamente pouco estudada em células T. Um estudo seminal mostrou que o PAD2 pode citrulinar os fatores de transcrição proteína de ligação a GATA 3 (GATA-3) e o receptor órfão γ relacionado ao ácido retinoico, isoforma específica do timo (RORγt), modulando assim a polarização das células Th. Especificamente, a citrulinação de GATA-3 mediada por PAD2 reduziu a atividade do promotor de IL-13.

Como visto, a citrulinação regula a função das células imunes e a imunidade tumoral. Portanto, pesquisas estão sendo realizadas para se explorar o potencial da citrulinação como uma estratégia terapêutica contra o câncer.

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*André Murad é diretor científico do Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão (GBOP), diretor clínico da Personal - Oncologia de Precisão e Personalizada, professor adjunto coordenador da Disciplina de Oncologia da Faculdade de Medicina da UFMG, e oncologista e oncogeneticista da Clínica OncoLavras