Onconews - Radioterapia adjuvante de baixa dose reduz toxicidade em pacientes com câncer de orofaringe HPV-associado

Estudo clínico randomizado de fase 3 (MC1675) demonstrou que uma estratégia de desintensificação da radioterapia adjuvante pode reduzir significativamente a toxicidade crônica em pacientes com carcinoma espinocelular de orofaringe associado ao HPV, mantendo eficácia oncológica. Os resultados foram publicados no The Lancet e trazem novas evidências em favor de estratégias terapêuticas menos agressivas para um subgrupo de pacientes com bom prognóstico.

A quimiorradioterapia adjuvante padrão (60-66 Gy) após cirurgia para carcinoma espinocelular de orofaringe associado ao HPV apresenta excelente controle oncológico, mas alta morbidade do tratamento. Nesse estudo, os pesquisadores buscaram comparar a toxicidade de um regime de 30-36 Gy de radioterapia adjuvante desescalonada com o tratamento padrão.

O estudo randomizado, aberto e controlado (MC1675 – NCT02908477) incluiu 194 pacientes com estágio patológico III-IV (AJCC 7ª edição), todos com mais de 70% de positividade para p16 e ao menos um fator de risco patológico intermediário. Todos os pacientes apresentavam PS ECOG igual ou inferior a 1 e pelo menos um fator de risco patológico intermediário. Os pacientes foram estratificados pela presença de extensão extranodal e tabagismo (<10 maços por ano vs. ≥10 maços por ano).

Os pacientes foram randomizados na proporção 2:1 para receber o regime DART (30–36 Gy em frações de 1,5–1,8 Gy duas vezes ao dia por duas semanas, com docetaxel intravenoso 15 mg/m² nos dias 1 e 8 de tratamento) ou o tratamento padrão (60 Gy em frações de 2 Gy uma vez ao dia durante 6 semanas, mais cisplatina intravenosa 40 mg/m² uma vez por semana).

O endpoint primário foi a taxa cumulativa de toxicidade crônica de grau 3 ou superior, de 3 a 24 meses após a radioterapia. A análise primária foi realizada em pacientes que receberam tratamento e não apresentavam dados ausentes.

Entre 11 de outubro de 2016 e 20 de agosto de 2020, 254 pacientes com carcinoma espinocelular de orofaringe recém-diagnosticado foram avaliados para inclusão. Nove não preencheram os critérios de inclusão e 17 se recusaram a participar. Foram incluídos 228 pacientes, dos quais 194 prosseguiram para o tratamento e análise do protocolo (130 no grupo de radioterapia adjuvante desescalonada e 64 no grupo de tratamento padrão).

A mediana de idade dos pacientes foi de 59,4 anos (variação de 37,9 a 81,6); 173 (89%) dos 194 pacientes eram do sexo masculino e 21 (11%) do sexo feminino. 183 (95%) dos 194 pacientes eram brancos, quatro (2%) eram hispânicos, três (2%) eram asiáticos e um (1%) era nativo americano.

A mediana de acompanhamento foi de 37,3 meses (IQR 27,6–49,2). Sete pacientes foram excluídos da análise do desfecho primário de toxicidade tardia (cinco pacientes no grupo de radioterapia adjuvante desescalonada e dois pacientes no grupo de tratamento padrão).

A taxa cumulativa de toxicidade crônica de grau 3 ou superior em 3 a 24 meses foi de 3% (quatro de 125 pacientes) no grupo de radioterapia adjuvante desescalonada e de 11% (sete de 62 pacientes) no grupo de tratamento padrão (p = 0,042), com uma taxa cumulativa de sonda gástrica endoscópica percutânea (PEG) crônica de 2% (dois de 125 pacientes) no grupo de radioterapia adjuvante desescalonada e de 8% (cinco de 62 pacientes) no grupo de tratamento padrão (p = 0,039).

As toxicidades de grau 3 ou superior mais comuns no grupo de radioterapia adjuvante desescalonada foram disfagia (dois [2%] de 125 pacientes), esofagite (um paciente [1%]) e deficiência auditiva (um paciente [1%]). Toxicidades grau 3 ou superior mais comuns no grupo de tratamento padrão foram disfagia (cinco [8%] de 61 pacientes), esofagite (um paciente [2%]), fadiga (um paciente [2%]), dor (um paciente [2%]) e osteonecrose da mandíbula (um paciente [2%]).

Em síntese, o desescalonamento da radioterapia adjuvante foi mais tolerável em termos de toxicidades crônicas, demonstrando menor toxicidade cumulativa de grau 3 ou superior em comparação com o tratamento padrão. Embora o endpoint primário tenha sido toxicidade, os resultados também revelam a manutenção do controle oncológico, com acompanhamento mediano de 37,3 meses.

“A estratégia de desintensificação pode ser considerada segura e mais tolerável em pacientes com câncer de orofaringe HPV-associado e fatores de risco intermediário, abrindo caminho para novos estudos que avaliem sua aplicabilidade em diferentes contextos clínicos”, concluem os autores.

O estudo está registrado no ClinicalTrials.gov, NCT02908477.

Referência: 

De-escalated apilomav radiotherapy versus standard apilomav treatment for human apilomavírus-associated oropharyngeal squamous cell carcinoma (MC1675): a phase 3, open-label, randomised controlled trial - Ma, Daniel et al. The Lancet Oncology, Volume 26, Issue 9, 1227 - 1239