Estudo de Jun J. Mao e colegas, do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, é o primeiro ensaio randomizado a demonstrar que um pacote digital de intervenções mente-corpo e exercícios melhorou significativamente a fadiga e os sintomas comórbidos, como ansiedade e depressão. “A adoção de plataformas digitais para terapias complementares não apenas amplia o acesso dos pacientes a tratamentos baseados em evidências, mas também pode representar uma solução sustentável para otimizar recursos hospitalares e reduzir a sobrecarga dos sistemas de saúde”, avalia Germana Hunes (foto), médica especialista em cuidados paliativos.
Neste ensaio clínico randomizado, os pesquisadores avaliaram o impacto de um programa digital de medicina integrativa com duração de 12 semanas, o Integrative Medicine at Home (IM@Home>), versus cuidados usuais aprimorados na gravidade da fadiga (endpoint primário), sintomas comórbidos e utilização aguda de cuidados de saúde (endpoints secundários), em 200 pacientes com tumores sólidos que apresentaram fadiga durante o tratamento oncológico.
Os resultados foram relatados na NPJ Digital Medicine (Nature) e mostram que a gravidade da fadiga diminuiu mais no IM@Home do que no grupo controle (1,99 vs. 1,51 pontos; p = 0,04). Os participantes do IM@Home também tiveram redução do sofrimento dos sintomas (p = 0,003), ansiedade (p = 0,03) e depressão (p = 0,02). Os autores descrevem que a utilização aguda de cuidados de saúde foi menor com IM@Home>, com menos visitas ao departamento de emergência (razão de 0,49; p = 0,04), hospitalizações (4% vs. 12,9%; p = 0,03) e estadias hospitalares mais curtas (4,25 vs. 10 dias; p < 0,001). Esses achados promissores devem ser confirmados em ensaios clínicos de fase III, sinalizam os autores.
O trabalho de Mao et al. contribui para ampliar a limitada base de evidências demonstrando que as intervenções de medicina digital podem melhorar a fadiga e os sintomas comórbidos. “Nosso estudo inova ao avaliar um pacote de várias intervenções baseadas em evidências, incluindo exercícios, ioga, tai chi e meditação, em vez de estudar intervenções individuais. Nosso objetivo era traduzir descobertas de pesquisas anteriores em um método de entrega de cuidados digitais e facilitar a entrega de tratamento concordante com as diretrizes, de forma conveniente e escalonável”, esclarecem os pesquisadores.
E as vantagens vão além, com claras implicações nos custos da assistência oncológica. “Demonstramos que envolver pacientes no tratamento ativo do câncer usando intervenções não farmacológicas fornecidas digitalmente e baseadas em evidências tem potencial para reduzir visitas ao pronto-socorro, hospitalização e duração das internações hospitalares. Se esses dados preliminares forem confirmados, isso pode levar a economias substanciais de custos para os sistemas de saúde e a sociedade”, analisam.
Este estudo está registrado na plataforma clinicaltrials.gov: NCT05053230. A íntegra da publicação está disponível em acesso aberto.
O estudo em contexto
Por Germana Hunes, médica especialista em cuidados paliativos, gerente médica na Clínica São Vicente – Rede D’Or São Luiz
Nos últimos anos, testemunhamos avanços significativos no tratamento do câncer, com novas terapias-alvo, imunoterápicos revolucionários e uma abordagem cada vez mais personalizada. No entanto, a experiência do paciente oncológico vai muito além da resposta tumoral. Fadiga, ansiedade, dor, depressão e outros sintomas que geram sofrimento continuam sendo desafios persistentes, impactando não apenas a qualidade de vida, mas também a adesão ao tratamento e os desfechos clínicos. Diante desse cenário, a busca por estratégias eficazes e acessíveis para o manejo desses sintomas nunca foi tão urgente.
O estudo publicado recentemente no NPJ Digital Medicine por Mao et al. traz uma contribuição valiosa ao explorar o potencial de uma intervenção digital integrativa no tratamento da fadiga e dos sintomas associados em pacientes com câncer sob terapia ativa. Trata-se de um ensaio clínico randomizado que avaliou o programa Integrative Medicine at Home (IM@Home), um modelo inovador que combina terapias mente-corpo, como yoga, tai chi e meditação, com exercícios físicos estruturados, oferecidos de forma síncrona por meio de uma plataforma digital. Os resultados foram promissores: os pacientes que participaram do programa apresentaram uma redução significativa da fadiga em comparação ao grupo controle, além de melhora na ansiedade, depressão e sofrimento sintomático global. Além disso, o impacto na utilização de serviços de saúde foi notável, com menos visitas ao pronto-socorro, menos hospitalizações e menor tempo de internação.
Esses achados reforçam um princípio que a medicina integrativa já defende há anos: intervenções não farmacológicas bem estruturadas podem desempenhar um papel fundamental no controle de sintomas e na melhora da qualidade de vida dos pacientes oncológicos. Mas o que torna este estudo particularmente relevante é a plataforma digital síncrona, que permite aos pacientes acessarem essas terapias no conforto de suas casas, eliminando barreiras logísticas como deslocamento, tempo e custo. A alta adesão ao programa — com 88,9% dos pacientes participando regularmente das aulas — demonstra que essa abordagem não apenas é viável, mas também desejada pelos próprios pacientes.
No entanto, algumas limitações merecem ser consideradas. O estudo foi conduzido em um único centro oncológico de excelência, o que pode restringir a generalização dos achados para realidades mais diversas. Além disso, a população estudada foi majoritariamente feminina e branca, com alta proporção de pacientes com câncer de mama e ginecológico, o que levanta questões sobre a aplicabilidade do modelo para outras neoplasias e grupos sociodemográficos. Outro ponto a ser investigado em estudos futuros é a duração do benefício. A intervenção foi avaliada ao longo de 12 semanas, mas ainda não sabemos se os efeitos positivos se mantêm no longo prazo ou se há necessidade de estratégias para reforçar a adesão contínua.
Apesar desses desafios, o estudo abre um caminho promissor para o futuro da oncologia integrativa. A adoção de plataformas digitais para terapias complementares não apenas amplia o acesso dos pacientes a tratamentos baseados em evidências, mas também pode representar uma solução sustentável para otimizar recursos hospitalares e reduzir a sobrecarga dos sistemas de saúde. Além disso, à medida que a medicina caminha para uma abordagem cada vez mais centrada no paciente, oferecer opções terapêuticas que respeitem suas preferências e estilo de vida se torna uma necessidade — e não apenas um diferencial.
Como sabemos, o câncer é uma doença que transcende o biológico, afetando a vida do paciente em todas as suas dimensões. Por isso, é essencial que a oncologia contemporânea vá além da luta contra o tumor e passe a enxergar o indivíduo como um todo, em toda sua complexidade. O digital não substituirá o contato humano, mas pode ser um poderoso aliado para levar a humanização do cuidado a um novo patamar. O futuro da oncologia integrativa é digital — e os pacientes já estão prontos para ele.
Referência:
Mao, J.J., Bryl, K., Gillespie, E.F. et al. Randomized clinical trial of a digital integrative medicine intervention among patients undergoing active cancer treatment. npj Digit. Med. 8, 29 (2025). https://doi.org/10.1038/s41746-024-01387-z