Estimativas indicam que o número de pacientes afetados pelo câncer aumentará drasticamente até meados do século em todas as regiões do mundo. Mais de 35 milhões de novos casos de câncer são previstos em 2050, um aumento de 77% em relação aos 20 milhões de casos estimados em 2022. No esteio da crescente carga global, o ambiente de pesquisa e desenvolvimento impulsiona promessas, incluindo terapias gênicas e celulares, agentes conjugados, terapias com radioligantes e imuno-oncológicos que movimentam o ecossistema de inovação. Onconews acompanhou a análise das principais consultorias globais e mostra o que esperar da pesquisa em câncer.
Dados da IQVIA revelam que mais de 2 mil novos ensaios clínicos foram iniciados em 2023 com foco no tratamento do câncer, em uma dinâmica que projeta a China como o maior player global da atualidade. O levantamento revela que a asiática acelerou de apenas 24 novos princípios ativos entre 2014 e 2018 para 83 nos últimos cinco anos, ultrapassando os EUA como o país com o maior número de lançamentos de medicamentos oncológicos.
A crescente atividade de pesquisa e desenvolvimento (P&D) intensificou a competição e encurtou o intervalo entre os lançamentos. Análise da consultoria McKinsey mostra que o tempo de lançamento de novos agentes para os três principais alvos oncológicos (HER2, CD20 e BCR-ABL) encolheu de 6,3 anos entre o primeiro e o segundo lançamentos para 2,4 anos entre o segundo e o terceiro, caindo para apenas 1,4 ano até o quinto lançamento.
Os chamados ADCs parecem concentrar a atenção das principais biofarmacêuticas. As iniciais são referência aos antibody drug conjugates (conjugados anticorpo-medicamentos), que até 2028 esperam gerar US$ 17 bilhões em receita global. Depois do sucesso de trastuzumabe deruxtecana (Enhertu®), que contabilizou 11 indicações nos primeiros cinco anos do ensaio clínico first in humans (FIH, 2015), os ADCs devem continuar a atrair investimentos de P&D, combinando a especificidade dos anticorpos monoclonais com a potência dos agentes citotóxicos. O objetivo é melhorar a eficácia e reduzir a toxicidade sistêmica.
Para abraçar oportunidades emergentes, 8 entre as 10 principais empresas farmacêuticas concluíram pelo menos um acordo de aquisição ou licenciamento relacionado a ADCs nos últimos dois anos, diz o relatório da McKinsey.
Avanços importantes também são esperados em outras tantas frentes da pesquisa em câncer, agora amparada pela convergência de tecnologias, com o auxílio valioso da inteligência artificial (IA) e suas ferramentas de machine learning. Análise da Mordon Intelligence mostra que aplicações de IA na oncologia devem saltar dos atuais US$ 1,98 bilhão para atingir US$ 9,04 bilhões até 2030, com taxa de crescimento anual (CAGR) de 35,51% no período.
Para suportar os desafios das novas tendências, o ambiente de P&D dedica novo olhar aos surrogates, cada vez mais presentes no desenho de estudos clínicos.
A tendência deve se manter. Levantamento da Mckinsey que buscou endpoints secundários em ensaios de Fase III para as100 maiores companhias biofarmacêuticas mostrou que ensaios iniciados entre 2015 e 2024 tiveram em média 12,1 endpoints secundários (por exemplo, medidas de qualidade de vida), 25% a mais do que os ensaios iniciados de 2005 a 2014, em uma expansão essencialmente impulsionada pela pesquisa em câncer.
As tecnologias multi-ômicas renovam as apostas na oncologia personalizada como caminho para levar a uma taxa de cura significativamente maior para muitos tipos de câncer. Diante desse novo paradigma, grandes players de P&D já impulsionam mudanças profundas em seus processos. É que o foco em tratamentos cada vez mais personalizados e indicados para subgrupos de pacientes altamente específicos tem gerado volumes de vendas bem menores. “Para manter a posição de mercado, as empresas de oncologia podem ser obrigadas a ampliar sua oferta ao longo do caminho do cuidado, abordando as necessidades do paciente por meio de uma lente mais holística, ou a concentrar seus portfólios em malignidades prioritárias em vez de mirar o mercado como um todo”, analisa a KPMG.
Os custos de tanta inovação continuam a preocupar pacientes e sistemas de saúde. Até 2028, os gastos globais com medicamentos contra o câncer devem representar US$ 409 bilhões. Estudo de Chen S et al. no JAMA Oncology estimou que o custo do câncer de 2020 a 2050 será de US$ 25,2 trilhões.
Na tentativa de conciliar a pesquisa em câncer com caminhos mais sustentáveis, novas estratégias de preço baseadas em valor devem ter lugar crescente, assim como ensaios do tipo basket ou umbrella, que podem reduzir o custo da pesquisa clínica.
“Os estudos estão ficando mais complexos”, explica a oncologista Daniella Ramone, diretora médica da ICON. “Para tentar reduzir o tempo e o custo da pesquisa clínica, temos aumentado os endpoints, muitas vezes com mais braços a serem investigados, temos associado mais estruturas para Patient-reported outcomes, e perseguido a dose ideal. O objetivo final é a eficácia máxima e com menor toxicidade, a custos mais reduzidos e com um período mais curto de desenvolvimento”, diz.
Para amparar seus processos e reduzir custos, a ICON aposta alto na inteligência artificial. A companhia é uma das gigantes entre as CROs (Contract Research Organization), hoje com presença em 55 países e expertise no desenvolvimento clínico em diferentes áreas terapêuticas. “A IA ajuda no desenho dos critérios de inclusão e exclusão, refinando a seleção da população ideal, ajuda a selecionar o centro ideal, o país ideal. Tudo isso tem sido empregado no ambiente de P&D e contribui para diminuir os custos”, prossegue Daniella.
Em busca de caminhos mais sustentáveis, a Food and Drug Administration também anunciou este ano a proposta de reduzir e, potencialmente, eliminar testes em animais em estudos pré-clínicos, para incorporar métodos alternativos, incluindo modelos computacionais. A agência norte-americana também concentra esforços no projeto Optimus, recente iniciativa do FDA que propõe reformar o paradigma de otimização e seleção de dose em oncologia, tentando o equilíbrio entre a dose máxima tolerada e a menor dose eficaz.
Referências:
IARC/WHO – International Agency for Research on Cancer, World Health Organization, Cancer Tomorrow (Global Cancer Observatory)
Global Oncology Trends 2024: Outlook to 2028, IQVIA Institute Report
Charting the path to patients: Optimizing drug pipelines, McKinsey’s Life Sciences Practice.
Antibody Drug Conjugate Market Overview, Rahul Gotadki, Market Research Future, March 2025
AI in Oncology Market Size & Share Analysis - Growth Trends & Forecasts (2025 - 2030), Mordon Intelligence
The future of Oncology, KPMG
Chen S, Cao Z, Prettner K, et al. Estimates and Projections of the Global Economic Cost of 29 Cancers in 204 Countries and Territories From 2020 to 2050. JAMA Oncol. 2023;9(4):465–472. doi:10.1001/jamaoncol.2022.7826
Roadmap to Reducing Animal Testing in Preclinical Safety Studies, FDA, abril de 2025