Onconews - Estudo identifica padrões de uso de antibióticos de amplo espectro no fim da vida de pacientes com câncer avançado

Uma coorte nacional sul-coreana envolvendo mais de 515 mil pacientes com câncer avançado revelou padrões não aleatórios no uso de antibióticos de amplo espectro nos meses que antecedem a morte, com picos distintos de prescrição e consumo, principalmente entre pacientes com neoplasias hematológicas. O estudo retrospectivo foi publicado no JAMA Network Open.

“Pacientes com câncer avançado frequentemente recebem antibióticos de amplo espectro, mas as mudanças nos padrões de uso ao longo da trajetória de fim de vida ainda são pouco compreendidas”, contextualizam os autores.

Nessa análise, o objetivo foi descrever os padrões de uso de antibióticos de amplo espectro em intervalos definidos de fim de vida em pacientes com câncer avançado. O estudo de coorte retrospectivo, de base populacional e abrangência nacional utilizou dados do banco de dados do Serviço Nacional de Seguro de Saúde da Coreia do Sul para examinar o uso de antibióticos de amplo espectro entre pacientes com câncer avançado que faleceram entre 1º de julho de 2002 e 31 de dezembro de 2021. A extração e a análise de dados foram realizadas entre setembro de 2023 e agosto de 2024.

A população avaliada incluiu pacientes com tumores sólidos — câncer de pulmão, câncer de fígado, câncer de estômago, câncer colorretal, câncer de pâncreas, câncer de próstata, câncer de vesícula biliar e trato biliar, e câncer de mama; e malignidades hematológicas como linfoma não Hodgkin, leucemia e mieloma múltiplo.

O uso de antibióticos de amplo espectro (β-lactâmicos antipseudomonas, carbapenêmicos ou glicopeptídeos) foi avaliado usando duas métricas de acordo com a trajetória de fim de vida: (1) proporção de prescrição (porcentagem de pacientes recebendo antibióticos) e (2) quantidade de consumo (dias de terapia por 1.000 pacientes-dia).

A trajetória de fim de vida foi dividida em 5 intervalos: T1 (6 meses a 3 meses antes do óbito), T2 (3 meses a 1 mês antes do óbito), T3 (1 mês a 2 semanas antes do óbito), T4 (2 semanas a 1 semana antes do óbito) e T5 (última semana antes do óbito). A regressão logística foi realizada para calcular razões de chance e intervalos de confiança (ICs) de 95% para a proporção de prescrição de antibióticos sem ajuste para comparações múltiplas, e a regressão de Poisson foi usada para calcular os riscos relativos ajustados.

Entre os 515.366 falecidos incluídos, a idade média (DP) foi de 68,8 (11,7) anos, e 347.327 (67,4%) eram do sexo masculino. Um total de 483.405 pacientes (93,8%) apresentavam tumores sólidos, sendo o câncer de pulmão (122.142 pacientes [23,7%]) o tipo mais comum.

No total, 288.151 pacientes (55,9%) receberam antibióticos de amplo espectro durante os últimos 6 meses de vida. A proporção de pacientes que receberam antibióticos de amplo espectro atingiu o pico durante o T2, com 144.920 (28,1%) recebendo pelo menos uma dose, e diminuiu para 68.564 (13,3%) durante o T5.

Em contraste, o consumo total atingiu o pico durante o T3, atingindo 190,0 dias de terapia por 1.000 pacientes-dia. Esses padrões foram consistentes entre as classes de antibióticos e os tipos de câncer.

Os pacientes com cânceres hematológicos — especialmente leucemia — apresentaram consistentemente maior exposição aos antibióticos em todos os intervalos analisados. Na última semana de vida, a chance de prescrição foi 50% maior em pacientes com leucemia em comparação com aqueles com câncer de pulmão (OR: 1,50; IC 95%: 1,43-1,58). A análise ajustada também mostrou maior consumo total (RR: 1,21; IC 95%: 1,19-1,23) nessa população.

Os autores destacam que o uso de antibióticos de amplo espectro no fim da vida não é distribuído aleatoriamente, mas sim concentrado em janelas temporais específicas, o que representa uma oportunidade para intervenções direcionadas. “A identificação de períodos críticos — especialmente entre três meses e duas semanas antes da morte — pode auxiliar equipes oncológicas e paliativistas a reavaliar a indicação de antimicrobianos, evitando intervenções potencialmente fúteis e desproporcionais”, avaliam.

“O estudo reforça a importância de alinhar as decisões terapêuticas com os objetivos de cuidado definidos pelo paciente, sobretudo na fase final da vida, onde o foco tende a migrar do tratamento curativo para o conforto e qualidade de vida”, concluem os pesquisadores.

Referência:

Kim J, Yu J, Yoo SH, Sim J, Keam B, Heo DS. Broad-Spectrum Antibiotic Use at the End of Life in Patients With Advanced Cancer. JAMA Netw Open. 2025;8(9):e2530980. doi:10.1001/jamanetworkopen.2025.30980