Onconews - Metanálise mostra interação entre toxicidade aguda e tardia na RT do câncer de próstata

Metanálise de dados individuais de participantes de seis ensaios clínicos randomizados buscou caracterizar a relação entre toxicidade geniturinária e gastrointestinal aguda e tardia em pacientes tratados com radioterapia (RT) de próstata fracionada ou moderadamente hipofracionada. Artigo de Nikitas et al. publicado no Lancet mostra que a toxicidade aguda após a RT foi significativamente associada à toxicidade tardia. Robson Ferrigno (foto), médico especialista em Radioterapia, comenta os resultados.

Foram considerados pacientes com dados individuais de toxicidade aguda e tardia disponíveis até 1º de dezembro de 2023, a partir do Meta-Analysis of Randomized tests in Cancer of the Prostate Consortium (MARCAP).  Foram avaliadas associações entre toxicidades geniturinárias e gastrointestinais agudas (≤3 meses após radioterapia) e tardias (>3 meses após radioterapia) de grau 2 ou superior usando modelos mistos lineares generalizados ajustados (ajustados para idade, status de terapia de privação de andrógeno, tipo de radioterapia, dose de radiação e cronograma de radiação). No subgrupo de ensaios que coletaram avaliações de qualidade de vida (QV) do Expanded Prostate Cancer Index Composite, a associação entre toxicidade geniturinária e gastrointestinal aguda que diminui pelo menos duas vezes a diferença clinicamente importante mínima (MCID) para QV urinária e intestinal também foram avaliadas.

Seis dos 26 ensaios disponíveis atenderam a todos os critérios de elegibilidade. A base de análise considerou 6593 pacientes incluídos (fracionados convencionalmente: n=4248; moderadamente hipofracionados: n=2345). O acompanhamento mediano foi de 72 meses (IQR 61–94). A toxicidade geniturinária aguda de grau 2 ou maior foi associada à toxicidade geniturinária tardia de grau 2 ou maior (odds ratio 2,20 [IC 95% 1,88–2,57], p<0,0001) e diminuiu pelo menos duas vezes o MCID na qualidade de vida urinária (1,41 [1,17–1,68], p=0,0002). A toxicidade gastrointestinal aguda de grau 2 ou maior foi associada à toxicidade gastrointestinal tardia de grau 2 ou maior (2,53 [2,07–3,08], p<0,0001) e diminuiu pelo menos duas vezes o MCID na qualidade de vida intestinal (1,52 [1,26–1,83], p<0,0001).

“A toxicidade aguda após radioterapia de próstata foi significativamente associada à toxicidade tardia e ao decréscimo nas métricas de qualidade de vida relatadas pelo paciente”, concluem os autores. “Esses dados dão suporte aos esforços para avaliar se as intervenções que reduzem a toxicidade aguda podem, em última análise, reduzir o risco de toxicidade tardia. Compreender a toxicidade tardia após qualquer forma de tratamento, incluindo radioterapia, continua sendo primordial na tomada de decisão compartilhada”, analisam.

O estudo em contexto

Por Robson Ferrigno, médico especialista em Radioterapia

A metanálise publicada no periódico Lancet traz uma informação que há muito tempo observávamos, mas agora foi mensurada. A relação entre toxicidade aguda e tardia, tanto do trato geniturinário como do intestinal, nos pacientes com câncer de próstata tratados com radioterapia.

Quando um paciente tolera mal o curso das aplicações de radioterapia, apresentando sintomas urinários ou intestinais, esses evoluem com mais frequência para complicações tardias na bexiga ou no reto. No entanto, as estratégias para diminuir a toxicidade aguda da radioterapia são as mesmas para evitar a toxicidade tardia. Dentre as tardias, as mais impactantes na qualidade de vida dos pacientes incluem a cistite actínica, que cursa com hematúria, e a retite actínica que se apresenta com sangue vivo nas fezes. Ambas são passíveis de tratamento; no entanto, geram impacto negativo na qualidade de vida dos pacientes, mesmo que temporárias.

Nos últimos anos, felizmente, houve uma diminuição substancial tanto das toxicidades agudas como das tardias, graças aos avanços tecnológicos da radioterapia, entre eles o advento da radioterapia com modulação da intensidade do feixe de radiação (IMRT) como o desenvolvimento de exames de imagem acoplados aos aparelhos de radioterapia, que permitem visualizar as variações anatômicas da bexiga e do reto no momento da aplicação do tratamento. Esse controle é conhecido como radioterapia guiada por imagem (IGRT). A IMRT permite uma concentração da dose de radioterapia no volume alvo (próstata e vesículas seminais, com ou sem a drenagem linfática pélvica) e diminui de forma drástica a dose em órgãos adjacentes, como reto, bexiga e intestino delgado. A IGRT dá mais segurança para reprodutibilidade da liberação da dose de radioterapia. Atualmente, com a associação dessas duas modalidades, a taxa de complicações da radioterapia, tanto agudas como tardias, ficaram abaixo de 5%.

Existem outras estratégias, como colocação de um expansor entre o reto e a próstata para evitar dose de radiação na parede anterior do reto. Outra, não menos importante, é a orientação adequada aos pacientes para que esses realizem as aplicações de radioterapia com a bexiga cheia e o reto o mais vazio possível. Para isso, os pacientes devem receber uma cartilha para tomar bastante água antes de entrar no aparelho e uma dieta antifermentativa (gases no reto empurram a parede anterior do mesmo para a área de tratamento e a bexiga cheia afasta as paredes vesicais da área de tratamento).

A metanálise publicada traz a informação da relação entre as toxicidades agudas e tardias da radioterapia e, por consequência, a importância de adotarmos as estratégias para evitar que essas complicações ocorram. Como a radioterapia é um tratamento curativo e bastante efetivo no controle do câncer de próstata, é de fundamental importância que o tratamento não traga impacto negativo na qualidade de vida desses pacientes.

Referência:

The interplay between acute and late toxicity among patients receiving prostate radiotherapy: an individual patient data meta-analysis of six randomised trials. Nikitas, John et al.