Estudo de Tankel et al., que analisou 15 anos de resultados de uma rede regional de câncer gastrointestinal superior, mostra que os regimes FLOT (fluorouracil, leucovorina, oxaliplatina e docetaxel) e DCF (docetaxel, cisplatina e 5-fluorouracil) proporcionaram resultados significativos no adenocarcinoma esofágico quando combinados com a ressecção transtorácica em bloco, com sobrevida global em 5 anos de 50,0% e 59,7%, respectivamente. A íntegra do artigo está no Annals of Surgical Oncology. O cirurgião oncológico Daniel Fernandes (foto) analisa os resultados.
Tratamento ideal para o adenocarcinoma esofágico continua controverso
Por Daniel Fernandes, Cirurgião Oncológico – INCA; TCBC, TSBCO, ESSO, ISDE, SOBRACIL; Mestre em Oncologia – INCA; Prof. Cirurgia & Oncologia - UNIGRANRIO
O câncer de esôfago figura entre os cânceres mais incidentes no mundo. Em 2022, foram diagnosticados cerca de 511.054 casos novos, fazendo com que o mesmo seja o 110 em incidência e o 70 em mortalidade (GLOBOCAN, 2022). Nos países ocidentais, como EUA, Austrália, Reino Unido e França, as taxas de incidência do adenocarcinoma de esôfago tem aumentado consideravelmente nas últimas décadas. Este fato, muito provavelmente, devido ao aumento da ocorrência de fatores de risco como: obesidade, doença do refluxo gastro-esofageano, e ao esôfago de Barret (KLINGELHÖFER, 2019). Desta forma, o adenocarcinoma de esôfago tem atraído a atenção dos profissionais que o tratam, cirurgiões oncológicos e oncologistas clínicos, sobre as diversas possibilidades terapêuticas, com intuito de melhorar a sobrevida e o prognóstico destes pacientes.
No estudo de Tankel et al., foi realizada uma análise de coorte retrospectiva, na qual os pesquisadores utilizaram dados de uma rede regional de câncer gastrointestinal superior mantidos prospectivamente em Quebec, Canadá. Foram identificados todos os pacientes com adenocarcinoma de esôfago/Siewert I/II localmente avançado (cT3 e/ou N1) tratados com DCFx3 neoadjuvante (Docetaxel/Cisplatina/5FU) ou FLOTx4 (5FU/Leucovorina/Oxaliplatina/Docetaxel) e esofagectomia transtorácica em bloco, tratado no período de janeiro de 2007 a dezembro de 2021. Os resultados pós-operatórios, patológicos e de sobrevida foram comparados entre os 02 grupos.
No geral, 236 dos 420 pacientes preencheram os critérios de inclusão. Os resultados de Tankel et al. mostram que a localização do tumor foi esofágica/Siewert I/Siewert II (118/33/85), a maioria era cT3-4 (93,6%) e cN+ (61,0%). DCF e FLOT foram utilizados em 127 de 236 (53,8%) e em109 de 236 (46,2%) pacientes. Todos os ciclos neoadjuvantes foram concluídos em 87,3%, sem diferença entre os regimes.
Os autores descrevem que os procedimentos operatórios incluíram Ivor Lewis (81,8%), esofagectomia toraco-abdominal esquerda (10,6%) e McKeown (7,6%) com ressecção R0 em 95,3% e resposta patológica completa em 9,7% (DCF 12,6% / FLOT 6,4%, p = 0,111). O número médio dos linfonodos foi de 32 (variação de 4 a 79) e 60,6% eram ypN+. O seguimento mediano foi mais longo para o grupo DCF (74,8 meses, intervalo de confiança [IC] de 95% 4–173 vs. 37,8 meses, IC 95% 2–119, p <0,001). A sobrevida global, em 5 anos, foi semelhante entre os grupos FLOT e DCF, sendo 59,7% e 50,0% respectivamente (FLOT mediana 97,3 meses, 78,6–115,8 vs. DCF 92,9, 9,2–106,5, p = 0,420).
Essa experiência de mundo real destaca que esses resultados de sobrevida foram obtidos mesmo em uma população de pacientes com alta carga de doença, tanto no diagnóstico (cT3-4 = 95%, cN+ = 63%), quanto na ressecção (ypN+ = 60,6%). “Além disso, parece não haver diferenças nos resultados de sobrevida quando comparados os regimes descritos, apesar das coortes serem relativamente bem combinadas e apesar da diferença nos intervalos de seguimento, o que é provavelmente explicado pela preferência histórica em utilizar DCF, mudando para FLOT como tratamento sistêmico de escolha”, apontam os autores.
“DCF neoadjuvante e FLOT seguidos de ressecção transtorácica em bloco são regimes altamente eficazes para adenocarcinoma esofágico localmente avançado com resultados de sobrevida equivalentes, apesar da alta carga de doença e com 87,3% dos pacientes completando o número pretendido de ciclos pré-operatórios”, concluem os autores.
Apesar se ser um estudo retrospectivo, os dados foram coletados de forma prospectiva sistematicamente, podendo minimizar os possíveis vieses. Porém, um dado que não ficou explicito no artigo, foram quantos pacientes conseguiram completar todos os ciclos de QT perioperatória. Apenas foi citado que 87% dos pacientes completaram os ciclos de neoadjuvância, e é de conhecimento comum que <50% dos pacientes, submetidos aos esquemas de QT perioperatória (MAGIC ou FLOT) conseguem completar todos os ciclos da adjuvância (CUNNINGHAM, 2006; AL-BATRAN, 2019). Entretanto, mesmo sem a informação citada anteriormente, a sobrevida obtida no estudo foi superior a sobrevida dos estudos originais: MAGIC (50% x 36%) e o próprio FLOT (59,7% x 45%). De qualquer maneira, o tratamento ideal para o adenocarcinoma esofágico continua controverso, mas em breve teremos uma resposta para uma das maiores dúvidas de qual o melhor regime, com o ESOPEC Trial (estudo randomizado, fase 3, comparando os esquemas CROSS x FLOT) que deverá ter seus resultados publicados ainda este ano (NCT02509286; VAN HAGEN, 2012). Aguardaremos as cenas dos próximos capítulos.
Kaplan–Meir plot of overall survival startified by regimen type with corresponding numbers at risk
Referência: Tankel, J., Ahmed, N., Mueller, C. et al. Docetaxel-Based Neoadjuvant Chemotherapy Followed by En Bloc Resection for Esophageal Adenocarcinoma: A 15-Year Retrospective Analysis from a Regional Upper Gastrointestinal Cancer Network. Ann Surg Oncol 31, 2461–2469 (2024). https://doi.org/10.1245/s10434-023-14779-4
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