O hematologista brasileiro Guilherme Perini (foto) é primeiro autor de estudo multicêntrico internacional que avaliou o diagnóstico, estadiamento clínico e padrões de tratamento do linfoma primário do sistema nervoso central na América Latina. Iniciativa do Grupo De Estudio Latinoamericano De Linfoproliferativos (GELL), o trabalho envolveu 80 centros de câncer na região. Os resultados foram selecionados para apresentação no ASH 2023.
O linfoma primário do sistema nervoso central (LPSNC) é um subtipo raro e agressivo de linfoma, representando 4-6% dos linfomas extranodais. Seu manejo envolve uma abordagem multidisciplinar que inclui neurocirurgia, oftalmologia, radioterapia, transplante autólogo de células-tronco (ASCT) e o uso de novos agentes, como inibidores de BTK, agentes imunomoduladores e terapia com células T receptoras de antígeno quimérico (células CAR-T). Estas estratégias podem ser dispendiosas e não estar prontamente disponíveis nos países em desenvolvimento.
Nesse estudo, os pesquisadores realizaram um survey online com por 22 perguntas sobre padrões de diagnóstico e tratamento de LPSNC na América Latina. Todos os centros convidados concordaram em participar e contribuíram para o desenvolvimento da pesquisa. Nenhuma informação identificável do paciente foi extraída em nenhum momento durante a pesquisa.
As questões foram estruturadas com base em 3 pilares: (1) abordagem diagnóstica, incluindo procedimentos de biópsia disponíveis, marcadores imunohistoquímicos, avaliação oftalmológica, citometria de fluxo e testes moleculares; (2) terapia de primeira linha, incluindo regimes preferenciais usados para pacientes elegíveis e inelegíveis para transplante, e disponibilidade de novos agentes, e (3) terapias de consolidação, incluindo ASCT e radioterapia de cérebro total (WBRT).
Resultados
Um total de 90 pesquisas foram concluídas em 80 centros de câncer na América Latina. A distribuição geográfica dos centros de câncer participantes foi a seguinte: Argentina (n=11), Bolívia (n=2), Brasil (n=9), Chile (n=5), Colômbia (n=17), Cuba (n= 1), Equador (n=5), México (n=10), Panamá (n=1), Paraguai (n=4), Peru (n=5), República Dominicana (n=1), Uruguai (n= 5) e Venezuela (n=4).
A maioria dos centros relatou tratar até 5 novos casos de LPSNC /ano (84%), com apenas 3 centros tratando mais de 15 casos/ano. A biopsia estereotática foi o procedimento diagnóstico preferido em 78%, e a ressecção completa foi realizada em uma minoria de centros (3%). Estudos do líquido cefalorraquidiano foram realizados em 82% e a citometria de fluxo estava disponível em 87% dos centros.
Apenas 65% dos centros tiveram acesso ao PET-CT no momento do diagnóstico. Curiosamente, 80% dos médicos realizaram biópsia de medula óssea no momento do diagnóstico e a avaliação oftalmológica não estava disponível em 20% dos centros.
Em relação aos marcadores imunohistoquímicos, EBV-LEMP estava disponível em 55% e o PDL-1 em apenas 38% dos centros. O FISH para Myc/Bcl2 foi realizado em 32% e testes moleculares em apenas 23% dos centros.
A mediana de tempo para o início do tratamento foi de 0-10 dias em 36%, 10-20 dias em 37% e >30 dias em 26% dos centros. Em relação à terapia de primeira linha, o MATRIX foi o regime preferido para pacientes elegíveis para transplante em 53% dos participantes. No entanto, a tiotepa não estava prontamente disponível para 45% dos participantes da pesquisa.
O metotrexato (MTX) com citarabina foi o regime preferido para 36% dos participantes. Curiosamente, a monitorização sérica do MTX não estava disponível em 27% dos centros.
O ASCT foi o regime de consolidação preferido para pacientes elegíveis para transplante (78%), e o regime de condicionamento mais utilizado foi o BEAM (49%), sugerindo impacto da não disponibilidade de tiotepa nesses centros. Para pacientes inelegíveis para transplante, MTR (27%), MATRIX (22%) e R-MVP (19%) foram os regimes preferidos, e 32% dos participantes da pesquisa consideraram WBRT como a consolidação preferida para esses pacientes.
Em relação ao LPSNC recidivante/refratário (R/R), a terapia de resgate baseada em MTX foi o regime preferido em 38%, seguida por citarabina em 23% e inibidor de BTK em 20% dos participantes. A terapia com células CAR-T estava disponível em apenas 3 centros.
Em síntese, o manejo do linfoma primário do sistema nervoso central é altamente variável na América Latina, e o acesso a agentes direcionados e novas terapias, como a terapia com células CAR-T, é limitado. “A maioria dos centros carece de abordagens diagnósticas básicas, como monitoramento do nível sérico de MTX e avaliação oftalmológica. A falta de acesso à tiotepa foi um problema comum encontrado pela maioria dos centros de câncer na América Latina”, destacaram os autores, observando que o uso de regimes contendo tiotepa demonstrou melhora na sobrevida tanto na consolidação quanto no cenário R/R.
“A ausência do agente tem um impacto profundo nos resultados do LPSNC na região. Uma avaliação retrospectiva dos resultados do linfoma primário do sistema nervosa central está planejada pelo grupo GELL para investigar melhor os resultados”, concluíram.
Referência: 2422 Primary CNS Lymphoma in Latin America: A Grupo De Estudio Latinoamericano De Linfoproliferativos (GELL) Survey in 80 Cancer Centers in Latin America