Resultados do estudo OPRA (Organ Preservation in Patients With Rectal Adenocarcinoma Treated With Total Neoadjuvant Therapy) publicados por Garcia-Aguilar e colegas no Journal of Clinical Oncology (JCO) demonstraram que a preservação do órgão é factível em metade dos pacientes com câncer de reto tratados com terapia neoadjuvante total, sem comprometer os resultados de sobrevida em comparação com controles históricos tratados com quimiorradioterapia, excisão total do mesorreto e quimioterapia pós-operatória. Quem analisa os resultados é o cirurgião colorretal Rodrigo Oliva Perez (foto), médico do Instituto Angelita e Joaquim Gama.
Neste estudo prospectivo e randomizado de fase II, os pesquisadores avaliaram os resultados de 324 pacientes com adenocarcinoma retal estágio II ou III tratados com quimioterapia de indução seguida de quimiorradioterapia (INCT-CRT) ou quimiorradioterapia seguida de quimioterapia de consolidação (CRT-CNCT) e excisão total do mesorreto (TME) ou watch-and-wait com base na resposta do tumor.
Os pacientes de ambos os grupos receberam 4 meses de infusão de fluorouracil-leucovorina-oxaliplatina ou capecitabina-oxaliplatina e 5.000 a 5.600 cGy de radiação combinada com infusão contínua de fluorouracil ou capecitabina durante a radioterapia. O estudo foi concebido como dois estudos independentes com sobrevida livre de doença (DFS) como o desfecho primário para ambos os grupos, com comparação com uma hipótese nula com base em dados históricos. O desfecho secundário foi a sobrevida livre de excisão total do mesorreto.
Resultados
A mediana de seguimento foi de 3 anos. A DFS de três anos foi de 76% (95% CI, 69 a 84) para o grupo INCT-CRT e 76% (95% CI, 69 a 83) para o grupo CRT-CNCT, de acordo com a taxa de DFS em 3 anos (75%) observada historicamente. A sobrevida livre de TME em três anos foi de 41% (95% CI, 33 a 50) no grupo INCT-CRT e 53% (95% CI, 45 a 62) no grupo CRT-CNCT. Não foram encontradas diferenças entre os grupos na sobrevida livre de recorrência local, sobrevida livre de metástases à distância ou sobrevida global. Pacientes submetidos a excisão total do mesorreto após reestadiamento e pacientes submetidos a TME após a recidiva apresentaram taxas semelhantes de sobrevida livre de doença.
“Os resultados oncológicos de pacientes tratados com terapia neoadjuvante total e watch and wait seletiva ou excisão total do mesorreto (com base na resposta do tumor) são comparáveis aos resultados de pacientes tratados com terapia neoadjuvante e excisão total do mesorreto. A ordem de quimiorradiação e quimioterapia sistêmica não afeta a sobrevida livre de doença, mas a quimiorradiação seguida de quimioterapia de consolidação parece estar associada a uma maior taxa de preservação de órgãos”, destacam os autores.
“A abordagem de tratamento potencialmente preservadora do reto para câncer retal localmente avançado parece ser segura em pacientes com resposta completa ou quase completa à terapia neoadjuvante total que estão dispostos a se submeter a um protocolo de vigilância rigoroso. Essa abordagem de tratamento pode ajudar os pacientes a manter uma maior qualidade de vida em comparação com o tratamento padrão baseado em ressecção”, concluem.
Os resultados preliminares do trabalho foram apresentados no ASCO 2020.
O fim da era da resposta patológica completa no câncer de reto como desfecho clinico relevante
Por Rodrigo Oliva Perez
Finalmente sai publicado o primeiro estudo prospectivo randomizado em câncer de reto utilizando como desfecho clinico a preservação de órgão. O OPRA trial recentemente publicado utilizou com desfecho clinico primário sobrevida livre de doença e como desfecho clinico secundário a possibilidade de preservação de órgão sem excisão total do mesorreto (TME – total mesorectal excision). Fica absolutamente claro pelos resultados do estudo que se a preservação de órgão for um dos objetivos da terapia neoadjuvante total (TNT), a consolidação é superior à indução.
Curiosamente, o papel da indução neste contexto fica ainda mais questionável já que não houve nenhuma diferença no desfecho clinico primário – sobrevida livre de doença. Assim sendo, a ideia de que oferecer quimioterapia de indução antes da quimiorradioterapia (QRT) não diminui o risco de doença metastática.
Muito embora o estudo alemão publicado recentemente já houvesse demonstrado estes mesmos resultados em termos de sobrevida livre de doença e também de resposta ao tratamento, vale lembrar que o estudo alemão utilizou a resposta patológica completa como desfecho. Neste caso, defensores da estratégia de indução diziam que as diferenças observadas nas taxas de resposta patológica completa poderiam estar associadas as diferenças de intervalo de tempo entre a o término da QRT (maior na consolidação e menor da indução) e a cirurgia. O estudo OPRA soluciona este problema, já que o desfecho clínico utilizado de resposta clínica completa observado depois de 3 anos praticamente elimina este viés.
Os resultados do estudo OPRA demonstram benefício inequívoco do esquema de consolidação em termos de resposta clínica completa em 3 anos comparado com a estratégia de indução.
Muito embora já proposto no passado, o estudo parece marcar o fim de uma era onde a resposta patológica completa era considerada um desfecho clínico relevante para pacientes com câncer de reto. Acredita-se que os futuros estudos em câncer de reto deverão incluir de forma progressiva o desfecho clínico de resposta clinica completa.
Referência: Garcia-Aguilar J, Patil S, Gollub MJ, Kim JK, Yuval JB, Thompson HM, Verheij FS, Omer DM, Lee M, Dunne RF, Marcet J, Cataldo P, Polite B, Herzig DO, Liska D, Oommen S, Friel CM, Ternent C, Coveler AL, Hunt S, Gregory A, Varma MG, Bello BL, Carmichael JC, Krauss J, Gleisner A, Paty PB, Weiser MR, Nash GM, Pappou E, Guillem JG, Temple L, Wei IH, Widmar M, Lin S, Segal NH, Cercek A, Yaeger R, Smith JJ, Goodman KA, Wu AJ, Saltz LB. Organ Preservation in Patients With Rectal Adenocarcinoma Treated With Total Neoadjuvant Therapy. J Clin Oncol. 2022 Apr 28:JCO2200032. doi: 10.1200/JCO.22.00032. Epub ahead of print. PMID: 35483010.