Estudo ecológico que analisou o tempo para o início do tratamento do câncer de cavidade oral e orofaringe em 3.218 municípios brasileiros mostra que quase metade dos registros (46,97%) ocorre em estágios avançados da doença e que até 50% dos municípios não possuem dentistas especialistas. Os resultados revelam a necessidade de ampliar a disponibilidade de serviços de oncologia e a oferta de recursos humanos especializados.

Neste estudo, Montagnoli et al. consideraram variáveis agrupadas em cinco dimensões relacionadas às características dos pacientes, acesso aos serviços de saúde, apoio ao diagnóstico de câncer, recursos humanos e características socioeconômicas de 3.218 municípios brasileiros que registraram pelo menos um caso de câncer de boca e orofaringe em 2019. A técnica de Árvores de classificação e Regressão (ACR) foi utilizada para identificar as variáveis com maior poder para explicar o tempo para o início do tratamento (TIT) em até 30 dias após o diagnóstico.

Os resultados mostram maior percentual de registros na faixa etária de 60 anos ou mais. O percentual de registros com doença estágio III e IV foi de 46,97%, enquanto de registros com quimioterapia, radioterapia ou ambos como primeiro tratamento foi de 50%. A proporção de pessoas com planos privados de saúde e odontológicos foi baixa. Até 75% dos pacientes não possuíam serviços de apoio ao diagnóstico de câncer e até 50% dos municípios não possuíam dentistas especialistas.

A maioria dos municípios (49,4%) iniciou o tratamento mais de 30 dias depois do diagnóstico inicial. Na análise da ACR, o tratamento com quimioterapia, radioterapia ou ambos explicou o maior tempo para o início do tratamento em todos os municípios e foi o mais relevante para prever o TIT. O modelo final também incluiu sítios anatômicos na cavidade oral e orofaringe e o número de serviços de tomografia computadorizada por 100 mil.

A análise mostra que a maioria dos casos de COO no Brasil ainda é diagnosticada nos estágios III e IV, cenário que requer terapias mais complexas ou multimodais, envolvendo quimioterapia e radioterapia.

Entre os entraves associados ao atraso no início do tratamento nos municípios brasileiros estão fatores como oferta de quimioterapia ou radioterapia, o número de serviços de tomografia computadorizada por 100 mil habitantes e a localização anatômica do câncer classificado como cavidade oral (partes não especificadas de língua e boca, assoalho de boca e gengivas) e orofaringe (base de língua, palato, amígdalas e orofaringe).

Na literatura, os COO localizados no assoalho da boca e na língua são os tipos mais frequentes de câncer de cavidade oral relatados na população brasileira, embora este estudo ecológico tenha indicado que o câncer de orofaringe foi o que apresentou aumento da incidência mais significativo no Brasil. “O COO nesses locais, aliado ao crescimento lento e indolente, dificulta a identificação da lesão, o que faz com que os pacientes não procurem ajuda profissional nos estágios iniciais da doença e leva ao atrasa no tratamento”, analisam os autores.

Além disso, Montagnoli et al. destacam que alguns tipos de COO, especialmente sem HPV, tendem a metastatizar precocemente para os gânglios linfáticos cervicais, sem lesões primárias perceptíveis, sintomas ou alterações nas membranas mucosas. “Portanto, alguns profissionais podem subestimar a avaliação de malignidade e incorrer em atraso no encaminhamento ao serviço especializado”, esclarecem.

A íntegra do estudo está disponível na PlosOne em acesso aberto.

Referências: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0302370