Projetos desenvolvidos por pesquisadores brasileiros exploram as fronteiras da nanotecnologia para o tratamento do câncer
Em 1998, quando a nanotecnologia ainda era uma expectativa de futuro, a professora Zulmira Lacava, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UNB), já trabalhava na área. “A gente teve que aprender tudo e começar a formar pessoas”, diz.
Hoje, os tempos são outros. A nanotecnologia entrou na agenda do governo e é considerada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), um dos setores estratégicos para o desenvolvimento do país. Iniciativas como o Sistema Nacional de Laboratórios em Nanotecnologias (SisNANO) e a Iniciativa Brasileira de Nanotecnologia (IBN) são exemplos do esforço do setor público em incentivar o desenvolvimento do setor. “A nanotecnologia cresceu muito no país. É latente o interesse, o investimento em nanotecnologia de forma geral”, afirma Zulmira.
Reconhecer a importância da nanotecnologia como área estratégica é um primeiro passo muito importante. Mas apenas isso não transforma a nanotecnologia em uma realidade imediata. Apesar de maiores interesse e investimento, a implementação de um processo como esse depende de uma política continuada de médio e longo prazo, com avaliação constante dos resultados e correção de curso quando necessário. “Precisamos ter ciclos virtuosos de estímulo e avaliação continuada para a efetiva implementação da nanotecnologia e outras áreas prioritárias, sem as quais vamos aumentar muito nossa dependência tecnológica em relação ao exterior”, diz Roger Chammas, Coordenador do Centro de Investigação Translacional em Oncologia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo - ICESP.
Apesar disso, o pesquisador acredita que a nanotecnologia é uma realidade que veio para ficar, e de certa forma já faz parte de uma série de atividades. O ICESP, por exemplo, não possui projetos específicos de nanotecnologia, em sua definição clássica. Mas o sequenciamento de última geração só pôde ser desenvolvido porque nanocoisas foram desenvolvidas. A revolução tecnológica dos últimos dez, quinze anos, está permitindo estruturar as coisas em uma escala nanométrica. “Estudos de expressão genica são feitos com ferramentas de nanotecnologia. A gente avalia a escala da molécula usando muito instrumental que a nanotecnologia tem nos permitido fazer, como por exemplo chips para diagnóstico, que permitem estudar a expressão simultânea de todos os genes do genoma humano”, explica.
O fato é que, mais cedo ou mais tarde, isso deve se reverter para o paciente, seja na forma de aumento da precisão de diagnóstico, no delineamento de abordagens terapêuticas, permitindo que os medicamentos se distribuam de maneira mais eficiente no organismo. “Vai agregar valor ao tratamento, ou seja, o tratamento vai ser cada vez mais inteligente. Isso é nanotecnologia”, diz.
Terapia fotodinâmica
Outro pioneiro na pesquisa da nanotecnologia do país e nome de grande expressão na área, Antonio Cláudio Tedesco, da USP, desenvolve três diferente linhas de trabalho em nano: câncer, engenharia de tecidos e doenças neuro-degenerativas como mal de parkinson e alzheimer. No câncer de pele, sua terapia fotodinâmica já está em uso clínico desde 2000. A terapia utiliza um fármaco transformado em uma substância sensível a luz que é aplicada na pele, e quando irradiada por uma luz de comprimento de onda específico, trata o câncer da pele ou lesões pré-cancerígenas. São mais de 700 pacientes tratados em ambulatórios em São Paulo, Ribeirão Preto, Brasília e em breve no Acre. Exceto para o melanoma, todos os tipos de câncer de pele podem ser tratados. “Os fotoativos são veiculados com nanotecnologia que aumenta sua absorção pelas células-alvo”. Ele acrescenta que cânceres de traquéia e esôfago ainda estão em fase pré-clinica, e bexiga e próstata estão na fila e devem começar estudos de fase I ainda este ano. “O limite dela é o limite que a luz penetra na pessoa, ou seja, não dá para tratar tumores profundos, somente os tumores que se pode afetar com essa luz”, explica Zulmira, que trabalha em parceria com Tedesco nessa terapia.
Na terapia fotodinâmica já existem produtos sintetizados, com testes pré-clínicos bem avançados. Algumas dessas substâncias já estão sendo aprovadas por comitês de ética para uso odontológico, um tumor bucal de fácil acesso, em Brasília e no Acre. São novas propostas para melhorar ainda mais a terapia fotodinâmica. Algumas, inclusive, baseadas em óleos fotossensíveis extraídos de plantas da Amazônia. “Já tivemos proposta do Ministério da Saúde para fazer um projeto de implementação. Teríamos que ter centros de treinamento, ensinar a aplicação aos dermatologistas. É bem simples, mas é uma coisa nova. E a Anvisa tem que aprovar”, diz Zulmira.
Além disso, estão sendo estudados sistemas nano estruturados que permitam trabalhar em todas as frentes, quimioterapia, fototerapia, radioterapia em diferentes combinações.
O especialista também está desenvolvendo projetos em glioma e gliobastoma, uma nova abordagem que envolve o uso de nanotecnologia com quimioterapia e fotoativos juntos. “Com a quimioterapia você reduziria a massa tumoral, a cirurgia com margem curta remove o tumor com campo aberto e depois é aplicada a fototerapia”. O segredo, ele conta, está no nanocarreador que permeia a barreira hematoencefálica, que é seletiva não pelo tamanho, mas pela sinalização. A linha de pesquisa tem parceria com a Santa Casa, Estien e UNIFESP. Além desse trabalho, Tedesco destaca os carreadores lipídicos proteicos, que podem ajudar na veiculação mais precisa do ativo ao alvo biológico.
Mais alvo do que nunca
Transportar a droga até o alvo, fazendo com que o medicamento não trate o organismo inteiro e reduzindo a quantidade de droga necessária para o tratamento. O nanocarreamento é uma das principais fronteiras da nanotecnologia. Dependendo do tipo de nanomaterial produzido, é possível pegar exatamente a mesma droga, nanoveicular dentro de uma nanocápsula ou de uma nanoemulsão, e aumentar o tempo de circulação. Se a droga for injetável, é possível promover uma liberação controlada, que diminui a frequência de aplicações. “A liberação controlada mantém a concentração na dose terapêutica. A droga continua ativa, faz um direcionamento preferencial para a área desejada, diminuindo a toxicidade e a resistência do tumor”, explica Zulmira, que trabalha com a nanoestruturação de drogas. Uma bem conhecida para câncer de mama é o abraxane, que colocou o paclitaxel, droga para o tratamento de câncer de mama, dentro de capsulas de albumina. “O tratamento surgiu para câncer de mama e atualmente é também aprovado para câncer de pulmão e de pâncreas”.
O grupo de farmácia da USP São Paulo pesquisa mecanismos de resistência aos tratamentos direcionados a um alvo específico e na avaliação de novas moléculas que tenham eficiência no tratamento do melanoma. Um dos compostos estudados é o 4-nerolidilcatecol - 4-NC, extraído da planta P.umbellata, que provavelmente será utilizado na forma de nanotecnologia com sistemas nanodispensores.
Os sistemas nanodispensores são utilizados para melhorar a administração do fármaco na pele. O principal desafio desta via de administração está na função barreira exercida pela camada superior da pele (estrato córneo) em controlar a passagem de moléculas. “Encontrar um fármaco que possa auxiliar no tratamento, tenha melhor permanência no local de atuação, não seja um procedimento invasivo e demonstre uma citotoxicidade mais local, será um grande avanço para as terapias direcionadas”, explica Débora Kristina Alves, que trabalha no projeto em colaboração com a professora Luciana Biagini Lopes (ICB-USP).
Magneto hipertermia
Outra abordagem feita pelos pesquisadores da UNB é a magneto hipertermia, que proporciona o calor só no alvo. “Estamos começando a ter controle dessa tecnologia. O último resultado foi 100% de cura do tumor bucal”, comemora Zulmira. As nanoparticulas magnéticas podem ser utilizadas como carreador de drogas. Com um imã externo você consegue focalizar as nanopartículas e direcioná-las ao alvo. “Outra propriedade interessante é a resposta a um campo magnético de frequência alternada, oscilando o aumento de temperatura de maneira controlada, de forma que não queime as células normais ao redor, mas destrua as células tumorais, mais sensíveis ao aumento de temperatura”, explica. Esse aumento de temperatura proporcionado pelas partículas magnéticas está sendo testado como um adjuvante da quimioterapia e da radioterapia.
Pode ser mais barato?
Uma das grandes preocupações da área da saúde são os custos proibitivos que a medicina parece ter hoje em algumas áreas, especialmente a oncologia. Os desenvolvimentos em nanotecnologia envolvem altos custos, proporcionais ao conhecimento e tecnologia empregados na área. Nesse caso, fica a pergunta: será que a nanotecnologia vem para além de contribuir para o sucesso de tratamentos, também deixá-los mais acessíveis? “Não tenho uma opinião cientificamente balizada, mas tenho a impressão de que essas coisas vão acabar se pagando. A nanotecnologia vai permitir atingir um grau de precisão maior no tratamento. E quando você aumenta a precisão, seja no diagnóstico ou na melhoria da destinação da droga, você aumenta a eficácia da intervenção e diminui os riscos para o indivíduo. Na ponta do lápis, acho que isso vai implicar em melhoria”, explica Chammas.
Zulmira cita alguns aspectos da terapia fotodinâmica como um exemplo que pode indicar a redução do preço da terapia. São necessárias menos aplicações para que haja a cura. O paciente não precisa ficar internado, com duas sessões resolve o problema, não precisa de anestésicos. Além disso, pode ser realizado com tecnologia nacional, sem a necessidade de importação. “Se considerar todos esses aspectos, colocar tudo na balança, certamente vai resultar numa diminuição substancial de custo”, diz.
Segundo Tedesco, o custo realmente é mais baixo, em torno de R$100 a R$120 por lesão, feito em ambulatórios que custam, aproximadamente, 200 mil reais. Uma vez que não existe uma política pública estruturada para isso, o pesquisador se diz disposto a montar um ambulatório em cada hospital ou centro de pesquisa que tenha interesse. “Transfiro o Know-how e o treinamento. Quem sabe com isto em breve tenhamos mais hospitais-escolas tratando o câncer de pele inicial (mais de 60% do câncer de pele do país) com um método barato.