Onconews - Radioterapia, o que mudou em 2020

Robson Ferrigno NET OK 1O médico especialista em radioterapia Robson Ferrigno (foto), coordenador dos Serviços de Radioterapia dos Hospitais BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo e BP Mirante, em São Paulo, discute os principais trabalhos em radioterapia apresentados em 2020. Entre os destaques apontados estão os estudos FAST e FAST Foward, que avaliam a possibilidade de de-escalonamento no tratamento do câncer de mama inicial, além dos resultados do FIRE e do LungArt em câncer de pulmão. Confira a entrevista exclusiva.

Quais os destaques da radioterapia em 2020?
Vários estudos foram bastante relevantes durante o ano. Gostaria de começar com dois trabalhos, ambos estudos ingleses em câncer de mama, com resultados muito convenientes no contexto da COVID-19. A Inglaterra tem uma medicina socializada e os estudos são muito voltados à tentativa de diminuir custos, de de-escalonamento, de reduzir o tempo de tratamento. Nós mudamos a nossa prática no Brasil e no mundo a partir de estudos ingleses e hoje ao invés de 25 aplicações de radioterapia (RT) no câncer de mama passamos a fazer 15, com evidências mostrando que o resultado é igual. Agora, eles foram mais arrojados ainda e lançaram dois estudos prospectivos randomizados tentando fazer apenas 5 aplicações. O primeiro já com seguimento de 10 anos é o chamado FAST, que foi desenhado para aquela paciente mais idosa, com comorbidades e que mora longe do centro de tratamento, com a ideia de que ela pode fazer somente 5 aplicações. Eles publicaram resultados de 10 anos mostrando que não houve inferioridade para a paciente acima de 50 anos, sem axila comprometida. Esse esquema mostrou que com 5 aplicações de 5,7Gray você não tem impacto negativo, um dado muito conveniente no contexto da COVID-19. É um estudo relevante que podemos usar como estratégia em casos selecionados. Nesta mesma linha temos também o FAST Foward, estudo que propõe um esquema até mais abreviado no câncer de mama inicial. O seguimento ainda é curto, mas dados começam a apontar a não-inferioridade em relação ao controle local e complicações. Quando houver um seguimento maior e resultados mais sustentados, há o potencial de nova mudança na nossa prática. Imagine o impacto disso, principalmente em países como o Brasil. Outro estudo é o FIRE, no câncer de pulmão de células pequenas, em pacientes com lesões cerebrais. Ele mostra que você pode começar o tratamento com radiocirurgia estereotática, deixando a radioterapia de todo o cérebro para possível resgate na progressão. A vantagem é que você poupa a saúde cognitiva do paciente, sem ter impacto na sobrevida. São dados bastante relevantes. Resultados recentes do congresso da ASTRO, de estudo de Fase III apresentado pelo MD Anderson, mostram que o uso da radiocirurgia em pacientes com 4 até 15 metástases cerebrais pode preservar a função cognitiva e minimizar a interrupção da terapia sistêmica, sem comprometer sobrevida global. São dados validados e que dão um respaldo ainda maior aquilo que já vínhamos fazendo. O LungArt é outro destaque e mostra que não houve benefício com radioterapia adjuvante no câncer de pulmão de células não pequenas, em pacientes com doença N2. Definitivamente, o estudo muda um paradigma, mostrando que a RT aumentou a toxicidade, sem impacto na sobrevida. Enfim, foi um ano repleto de estudos importantes em radioterapia e há certamente outros trabalhos relevantes.

No câncer de próstata, tivemos a publicação de 3 estudos, RADICALS-RT, GETUG AFU-17 e RAVES, em favor da RT de resgate versus adjuvância, em pacientes de alto risco. É uma mudança que chegou à prática?
Esses estudos já tinham sido apresentados em congressos. O RAVES foi apresentado na ASTRO, o RADICALS-RT e o GETUF foram parte do programa da ESMO em 2019 e agora temos essas publicações de fundamental importância. Não diria que mudou a nossa prática, mas validou através de estudo de Fase III aquilo que muitos de nós já estávamos fazendo. Grandes estudos retrospectivos já mostravam que aquele paciente com câncer de próstata operado e com alto risco de recorrência - margem comprometida, invasão da cápsula e invasão das vesículas seminais - deveria fazer a RT. Na prática, com base no estudo do MD Anderson, que mostrava que se eu esperar o PSA chegar até 04 não vai mudar o resultado, muitos já postergavam a radioterapia. Nesses três estudos, a pergunta foi se é possível adiar RT mesmo no paciente de alto risco. Os resultados foram conclusivos. Eles mostraram com absoluta certeza que sim, é possível esperar o PSA chegar em torno de 01, 02, sem qualquer impacto em sobrevida e controle de doença. Qual é a vantagem? Menos toxicidade e você pode poupar até 75% dos pacientes de fazer radioterapia. Mesmo com alto risco não são todos que recaem. O estudo do EORTC mostrou que a recaída é em torno de 30 a 35%. Então, essa é uma conduta que veio para ficar e nós estamos muito felizes, porque foram três estudos robustos que consolidaram algo que já estamos fazendo, mas é sempre fundamental ter a validação e a segurança de estudos de Fase III.

Como se deu a escolha pela carreira?
Eu já tenho mais de 30 anos de carreira e infelizmente até hoje o ensino de oncologia nas escolas médicas continua precário. Eu sempre me interessei muito pelo assunto, queria entender das neoplasias desde os primeiros anos da faculdade de medicina e cheguei até a fazer estágio numa clínica de Oncologia, ainda na graduação. Depois, na época da residência, fiz várias tentativas – todas elas direcionadas ao tratamento do câncer. Para ter uma ideia, entrei numa residência de hematologia para depois fazer oncohematologia, entrei na USP na parte de radioterapia, entrei na Santa Casa para fazer oncologia clínica. Precisava me decidir, mas sabia que queria tratar câncer. Aos poucos fui sendo atraído pela radioterapia, porque era uma época cercada de muita novidade. A USP tinha adquirido equipamentos novos, a radioterapia era um procedimento diferente de tudo o que eu já tinha visto, a física médica estava em expansão, a física nuclear. Aí me decidi, me encontrei nesta especialidade e até hoje cultivo esse interesse. A radioterapia é de fundamental importância na abordagem multidisciplinar do câncer. Hoje, 60% dos casos não serão curados ou não terão benefício algum se a radioterapia não for inserida no plano de tratamento. Evidentemente falamos de uma radioterapia de qualidade e de precisão, com um planejamento bem estabelecido.

Existem críticas de que o paciente idoso é subtratado, inclusive quanto à oferta de radioterapia, o que motivou até um consenso em 2019*. Qual a sua visão?
Esse é um ponto de extrema relevância e muito crítico. A publicação que você menciona foi de um grupo criado em 2012, o International Geriatric Radiotherapy Group. Existem mesmo diferenças no panorama mundial, existe o subtratamento, assim como existe também o supertratamento. Então, a avaliação do idoso é fundamental para você não deixar de tratar essa população, o que evidentemente é prejudicial, mas por outro lado para evitar um super tratamento. Sabemos que é importante levar em conta não só a idade cronológica, mas sobretudo a biológica, considerando as condições globais. Imagine um paciente de 80 anos com câncer de próstata de baixo risco. Qual o risco de que esse paciente venha a morrer de câncer e qual o risco de morrer de outras causas. Essa decisão de como tratar é individualizada. Há casos em que o tratamento ativo traz mais malefício do que benefícios. Você como médico tem que botar na balança. Quando consideramos a realidade do Brasil, vemos que acontecem as duas coisas, portanto vale muito a premissa da avaliação individual. Outro exemplo mais prático é aquela paciente acima de 70 anos com câncer de mama inicial, tratada com cirurgia conservadora. Se essa paciente tem expectativa de vida menor que 3 anos em razão das comorbidades, não tem por que fazer radioterapia. No entanto, no paciente idoso você pode em muitos casos se valer de hipofracionamento, mas insisto na avaliação individual, a decisão é sempre caso a caso.

Que mensagem gostaria de deixar para o jovem médico interessado na especialidade?
Enquanto no Brasil ainda existe desinformação dentro das próprias escolas médicas, nos Estados Unidos a radioterapia é uma das áreas mais procuradas. Hoje, a radioterapia é uma especialidade em crescimento. Houve um período em que muita gente brincava e diz que a radioterapia ia acabar com a chegada de novas terapias. Na verdade, não foi o que aconteceu. O tempo passou e hoje o que se vê é inclusive o efeito sinérgico da radioterapia em várias situações, como acontece com a imunoterapia. Então, a radioterapia está bem estabelecida e é uma especialidade em expansão no Brasil, com um potencial enorme, até mesmo de emprego. Nós temos uma demanda reprimida muito grande principalmente na área do SUS e existe um projeto do Ministério da Saúde que está caminhando lentamente, mas que prevê 80 novas máquinas de radioterapia no Brasil inteiro. A radioterapia é, portanto, uma área com um futuro bastante promissor.

Na sua prática, qual o impacto da COVID – 19 na assistência oncológica?
A humanidade está vendo a maior crise depois da segunda guerra mundial. Nunca uma coisa mexeu tanto com a vida das pessoas quanto se vê hoje com a pandemia. Mas você não pode parar o tratamento do câncer, que é certamente uma doença com risco de morte maior que a COVID-19. Eu trabalho em um complexo hospitalar que durante a pandemia manteve 140 a 150 atendimentos/dia de radioterapia. Claro que todas as medidas de segurança foram adotadas e felizmente não registramos nenhum caso de contaminação. Nenhum paciente se contaminou pelo fato de fazer o tratamento com radioterapia, o que mostra que as medidas de segurança foram efetivas, especialmente as mais básicas, como o adequado uso de máscaras, distanciamento, higienização com álcool gel. Evidentemente, o tempo todo as informações despertam preocupação, mas os hospitais estão trabalhando com protocolos de segurança. O paciente não pode entrar em pânico por causa da COVID-19 e deixar de procurar atenção médica. O câncer não espera.