Câncer de mama na gravidez, desafios e evidências

pilar 2022 bxMulheres diagnosticadas com câncer de mama durante a gravidez ou no primeiro ano após o parto têm pior prognóstico do que aquelas diagnosticadas antes da gravidez, refletindo a biologia tumoral adversa e o estágio avançado no momento do diagnóstico. É o que revelam dados de grande estudo de base populacional, indicando, ainda, pior prognóstico para as mulheres diagnosticadas durante o segundo e terceiro trimestres do período gestacional. A oncologista Maria Del Pilar Estevez Diz (foto) comenta os resultados.

Neste estudo, os pesquisadores avaliaram as características clinicopatológicas e a sobrevida de mulheres com câncer de mama durante e após a gravidez, considerando trimestres do período gestacional e intervalos de 6 meses após o parto. Foram consideradas as mulheres diagnosticadas com câncer de mama invasivo durante 1992-2018, com idades entre 18 e 44 anos, a partir do Registo Oncológico Sueco, com informações sobre partos obtidas do Swedish Multi Generation Register e dados dos Registros de Qualidade do Câncer de Mama.

Cada mulher com câncer de mama durante a gravidez (PrBC) ou após o período gestacional (PPBC) foi comparada 1:2 por idade e ano com mulheres diagnosticadas com câncer de mama distante da gravidez. Distribuições de estágio, grau e subtipos foram comparadas. Razões de risco (HR) ajustadas com intervalos de confiança (IC) de 95% para mortalidade por câncer de mama foram estimadas usando a regressão de Cox.

Os resultados foram publicados no ESMO Open e mostram 1.430 mulheres com PrBC e PPBC (181 durante a gravidez, 499 durante o primeiro ano após o parto e 750 durante o segundo ano pós-parto). Em relação a 2.860 comparadores, as mulheres com PrBC e PPBC no primeiro ano após o parto tiveram proporção significativamente maior de tumores luminais do receptor 2 do fator de crescimento epidérmico humano (HER2)-positivo, HER2-positivo e triplo-negativo, e estágio mais avançado no momento do diagnóstico.

Após ajuste para idade, ano, paridade, país de nascimento, região hospitalar, subtipo e estádio, as mulheres diagnosticadas durante o segundo trimestre tiveram um pior prognóstico do que os comparadores correspondentes (HR 1,8, IC 95%: 1,0-3,2).

Em conclusão, o câncer de mama na gravidez apresentou proporções mais altas de subtipos luminal HER2 positivo, HER2 positivo e triplo negativo. A análise revela que mulheres diagnosticadas no segundo e terceiro trimestres da gravidez e no primeiro ano após o parto tiveram prognóstico significativamente pior.

Em síntese, neste grande estudo de base populacional, as mulheres diagnosticadas com câncer de mama durante a gravidez ou dentro de 2 anos após o parto exibiram uma biologia tumoral mais agressiva e um estádio mais avançado em comparação com aquelas diagnosticadas fora do período gestacional, em particular se diagnosticadas durante o terceiro trimestre da gravidez ou dentro de 9 meses pós-parto.

“Nossos achados corroboram vários estudos mostrando que mulheres com PrBC apresentam mais frequentemente tumores agressivos em termos de negatividade de receptores de estrogênio e progesterona (ER e PR), positividade para HER2, maior tamanho do tumor e envolvimento linfonodal, assim como maior presença de metástases à distância, com estágio mais avançado da doença e tumores de grau superior e de subtipos HER2-positivo ou câncer de mama triplo negativo”, destacam os autores.

O câncer de mama é o câncer mais comumente diagnosticado em mulheres grávidas, com incidência estimada de 17,5 a 39,9 por 100.000 nascimentos (durante a gravidez e 1 ano após o parto), incidência que tem aumentado em muitas populações.

As atuais diretrizes internacionais recomendam que as mulheres diagnosticadas com câncer de mama durante a gravidez devem receber tratamento que se assemelha ao de mulheres jovens não grávidas, dependendo das características do tumor e do trimestre da gravidez.

O estudo em contexto

Por Maria Del Pilar Estevez Diz, Oncologista Clínica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP); Rede D'Or – Onco Star e Hospital São Luiz do Itaim; Centro de Estudos e Tecnologias Convergentes para Oncologia de Precisão - C2PO

Neste estudo populacional, de caso-controle, há evidências de que mulheres com câncer de mama durante a gestação apresentam fatores de pior prognóstico, com maior negatividade de RE e RP, maior positividade do HER23, estádios mais avançados (tamanho e comprometimento linfonodal) e maior frequência de tumores triplo negativo e HER2 positivo. Este é um dado já apresentado em estudos anteriores e em populações diversas.

O estudo acompanhou 1.430 mulheres com câncer diagnosticado durante a gestação ou em até dois anos após o parto e 2.860 controles pareados por estádio e idade, com um seguimento mediano de 7,4 meses. Um dado relevante foi o encontro de tumores maiores, em estádio mais avançado e com maior positividade de HER2 no terceiro trimestre da gestação. No segundo trimestre, foi encontrada maior frequência de câncer de mama triplo negativo, quando comparado com os controles, com maior mortalidade por câncer, quando diagnosticado no segundo e terceiro trimestres da gestação.  Pacientes com diagnóstico no primeiro ano pós-parto também apresentaram estádios mais avançados e maior frequência de tumores triplo negativos.

Esta análise por trimestre durante a gestação e por ano após o parto é muito relevante. A maior mortalidade por câncer, quando comparada com o grupo controle, aponta para a necessidade de atenção para o diagnóstico precoce e para que seja oferecido o melhor tratamento para as pacientes durante a gestação ou pós-parto. Sabemos dos desafios do diagnóstico e do tratamento nesse contexto, mas a atenção aos sinais clínicos de câncer, evitar atrasos para o início do tratamento e reduções de doses que não sejam imprescindíveis podem ser relevantes para que modifiquemos esse cenário.

Referência: Open AccessPublished:March 22, 2024 DOI:https://doi.org/10.1016/j.esmoop.2024.102972