Cuidados paliativos e economia de custos na hospitalização por câncer metastático

cecilia emerickAnálise de Lu et al. publicada no JCO Oncology Practice a partir de dados de base populacional mostra que cuidados paliativos foram associados à redução de custos hospitalares para pacientes com câncer metastático, independentemente da idade e da exposição a intervenções agressivas, aliviando o fardo econômico para pacientes e sistemas de saúde. “Quando se oferece para o paciente exatamente o que ele precisa – nem mais, nem menos – estamos fazendo o uso correto dos recursos disponíveis, o que é facilmente traduzível como saving financeiro ou custo evitável”, diz a médica Cecília Emerick (foto), que comenta o estudo.

Avanços terapêuticos têm aumentado o número de pacientes que vivem com câncer metastático, embora parcela dos pacientes apresente sintomas que afetam negativamente a qualidade de vida. A Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) e o Fórum Nacional de Qualidade dos Estados Unidos (National Quality Forum) desencorajam a utilização de intervenções médicas de baixo valor, incluindo cuidados agressivos de fim de vida para pacientes com câncer metastático, e recomendam o encaminhamento precoce para cuidados paliativos (CP).

Ensaios clínicos randomizados demonstraram que CP podem melhorar a qualidade de vida e a sobrevida de pacientes ambulatoriais com câncer avançado, mas há dados limitados de base populacional sobre o valor dos CP em pacientes internados.Neste estudo, os pesquisadores avaliaram os CP como um componente de cuidados de alto valor em uma amostra nacionalmente representativa de pacientes internados com câncer metastático, assim como identificaram características de hospitalização significativamente associadas a custos elevados.

Foram analisadas internações de pacientes com 18 anos ou mais com diagnóstico primário de câncer metastático, a partir da Amostra Nacional de Pacientes (National Inpatient Sample) internados de 2010 a 2019. Regressão logística multivariável de efeitos mistos foi utilizada para avaliar serviços médicos, dados demográficos dos pacientes e características associadas a custos hospitalares mais elevados e a maiores encargos cobrados de seguradoras de saúde. Modelos lineares de efeitos mistos foram utilizados para determinar as economias de custos associadas a cuidados paliativos.

Os resultados mostram que entre 397.691 hospitalizações de 2010 a 2019, o custo médio por admissão aumentou 24,9%, passando de 44.904 dólares americanos (USD) para 56.098 dólares americanos, enquanto o custo hospitalar médio permaneceu estável em 14.300 dólares. Os autores descrevem que a prática de CP hospitalares foi associada a cobranças significativamente menores (odds ratio [OR], 0,62 [IC 95%, 0,61 a 0,64]; P < 0,001) e a menores custos hospitalares (OR, 0,59 [IC 95%, 0,58 a 0,61]; P < 0,001). Os fatores associados às altas cobranças foram ventilação médica invasiva (P < 0,001) ou terapia sistêmica (P < 0,001), pacientes hispânicos (P < 0,001), idade jovem (18-49 anos, P < 0,001), e hospitais com fins lucrativos (P < 0,001). A adoção de CP foi associada a uma redução de US$ 1.310 (–13,6%, P < 0,001) nos custos por hospitalização em comparação com a ausência de CP, independentemente da oferta de cuidados invasivos e da idade.

Em conclusão, o estudo mostra que CP hospitalares estão associados à redução de custos hospitalares para pacientes com câncer metastático, independentemente da idade e de intervenções agressivas. A integração de CP para pacientes internados pode reduzir os custos e aliviar o fardo econômico para pacientes e sistemas de saúde.

O estudo em contexto

Por Cecília Emerick, Coordenadora do serviço de Cuidados Paliativos do Hospital Marcos Moraes (RJ); responsável pelo serviço de Cuidados Paliativos da Casa de Saúde São José (RJ)

É urgente a reflexão sobre os modelos de cuidado oferecidos atualmente para pacientes com doenças ameaçadoras da vida, especialmente em fase de incurabilidade e em final de vida.

Os Cuidados Paliativos propõem uma assistência mais compassiva e focada nos valores e preferências individuais, respaldados sempre por evidências robustas e técnicas de manejo de sintomas e comunicação bastante aprimoradas. Mas, para além do componente de cuidado, os CP se destacam por serem uma estratégia sustentável em um momento de mercado de saúde em colapso. Afinal, quando se oferece para um paciente exatamente o que ele precisa – nem mais, nem menos – estamos fazendo o uso correto dos recursos disponíveis, o que é facilmente traduzível como saving financeiro ou custo evitável.

Quando entendemos e aceitamos um prognóstico relacionado à finitude, focamos em tratamentos que vão ao encontro das necessidades de cada paciente, ao invés da busca do prolongamento e manutenção de uma vida meramente biológica. Passamos a falar de biografia, de como se viveu até então e como se deseja viver até o final: na imensa maioria das vezes isso não envolve tubos, máquinas ou terapias mirabolantes. No geral, aqui falamos de ausência de sintomas, presença de afetos e cuidado emocional e espiritual.

Referência: Sifan Lu et al., Palliative Care as a Component of High-Value and Cost-Saving Care During Hospitalization for Metastatic Cancer. JCO Oncol Pract 0, OP.23.00576. DOI:10.1200/OP.23.00576