Consenso europeu publica recomendações para o diagnóstico e tratamento do câncer de ovário

Eduardo PaulinoA Sociedade Europeia de Oncologia Ginecológica, a Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO) e a Sociedade Europeia de Patologia realizaram uma conferência de consenso sobre câncer do ovário, envolvendo 46 participantes de 15 países da Europa, Ásia e EUA. Os resultados foram publicados no Annals of Oncology com recomendações para o diagnóstico e tratamento do câncer de ovário inicial, avançado e recorrente. “O novo guideline da ESGO-ESMO-ESP inova em alguns pontos e reforça importantes tópicos no manejo do câncer de ovário”, diz o oncologista Eduardo Paulino (foto), do Instituto Nacional do Câncer (INCA), que comenta o estudo.

O câncer de ovário é a segunda maior causa de morte entre todos os tumores ginecológicos e mais de dois terços das pacientes são diagnosticadas em estágios avançados.

O carcinoma tubo-ovariano, também conhecido como câncer epitelial de ovário (CEO), corresponde a mais de 90% dos casos. Os especialistas descrevem que o CEO mais comum e mais letal é o carcinoma seroso de alto grau (HGSC). Subtipos epiteliais menos frequentes com características morfológicas e moleculares distintas incluem carcinoma endometrioide de alto grau (CE), carcinoma seroso de baixo grau (LGSC) e carcinoma de células claras (CCC).

Entre as questões debatidas no consenso, o painel de especialistas deu ênfase a testes moleculares e genômicos que devem ser realizados no diagnóstico do carcinoma tubo-ovariano de alto grau como marcadores prognósticos ou preditivos. A recomendação descreve a necessidade de um tecido adequado ou uma adequada amostra de citologia para identificar mutações e/ou informar decisões de tratamento, a exemplo do uso de inibidores da poli (ADP-ribose) polimerase (PARPi) sempre que mutações da variantes patogênica BRCA1/2 estiverem presentes.

Assim, o painel de especialistas define que uma amostra cirúrgica adequada ou biópsia guiada por imagem de tumor sem tratamento prévio é a amostra preferida para diagnóstico e teste molecular. Em todos os casos, a amostra deve conter um número suficiente de células tumorais (preferencialmente ≥30%). Um bloco de células de derrames peritoneais ou pleurais pode ser usado para análise molecular.

Mutações germinativas BRCA1/2 confirmadas em testes de material celular normal estão presentes em 13%-15% dos HGSCs e mutações somáticas BRCA1/2 ocorrem em 5%-7% dos tumores avaliados, descrevem os autores.

O Consenso também destaca que ainda não existem marcadores preditivos validados de resistência primária à platina ou PARPi no momento do diagnóstico e, portanto, nenhum pode ser recomendado atualmente.

Outra recomendação esclarece que biomarcadores como CA-125 com ou sem HE4 não devem ser usados isoladamente para diferenciar tumores ovarianos benignos, limítrofes e malignos.

O painel de especialistas lembra que o CA-125 é frequentemente utilizado para monitorar a resposta à quimioterapia, mas há menos certeza sobre seu uso no acompanhamento terapêutico. No entanto, a maioria dos especialistas (88%) considera que o uso de rotina do CA-125 após a conclusão da quimioterapia de primeira linha é uma opção que deve ser discutida com o paciente.

No cenário neoadjuvante, a constante K modelada da taxa de eliminação (KELIM) prevê a probabilidade de cirurgia citorredutora de intervalo e o risco de recidiva subsequente à platina. A base de evidências sustenta que o exame histopatológico de amostras omentais é usado para determinar o escore de resposta à quimioterapia e é uma ferramenta prognóstica reprodutível para avaliar a resposta à quimioterapia neoadjuvante. Assim, 78% dos especialistas ouvidos no Consenso avaliam que o CA-125 KELIM calculado usando CA-125 longitudinal durante os primeiros 100 dias de tratamento fornece informações prognósticas, recomendando que o teste para este marcador circulante pode ser considerado.

Em relação ao diagnóstico de LGSC e HGSC, o Consenso recomenda que devem ser considerados como duas neoplasias distintas, com morfologia, eventos moleculares e comportamento diferentes, destacando que não representam graus diferentes do mesmo tipo de tumor. A distinção entre LGSC e HGSC baseia-se numa combinação de morfologia e imuno-histoquímica (IHC) p53.Em casos com morfologia sugestiva de LGSC, mas com expressão aberrante da proteína p53 e/ou mutação TP53, o painel de especialistas recomenda que o tumor seja classificado como HGSC. Testes para status mutacional KRAS e BRAF em LGSC podem ser considerados para identificar pacientes que podem se beneficiar de terapias-alvo.

O Consenso europeu também revisou o papel da classificação molecular no câncer epitelial de ovário (CEO) e no carcinoma de células claras (CCC), descritos como neoplasias associadas à endometriose. “Uma classificação molecular baseada no The Cancer Genome Atlas (TCGA), usada para carcinomas endometriais, pode ser considerada para estratificar a CE ovariana “, defende o painel. No entanto, marcadores moleculares não são recomendados para prognóstico em CCC ovariano.

A publicação da ESMO também estabelece recomendações para o diagnóstico e tratamento de massa anexial em mulheres grávidas, inclusive com um modelo de cuidados para pacientes elegíveis para preservação da fertilidade.

Outro tópico que merece atenção diz respeito ao tratamento dos carcinomas tubo-ovarianos de alto grau de CEO, CCC e mucinosos de alto risco em estágio I-II, especialmente quanto à abordagem cirúrgica, incluindo a ressecção de linfonodos. O painel defende majoritariamente (97%) a ressecção cirúrgica completa, incluindo histerectomia abdominal total, salpingo-ooforectomia bilateral, omentectomia, dissecção sistemática de linfonodos pélvicos e para-aórticos, biópsias peritoneais e análise citológica, como o procedimento cirúrgico padrão em CEO de alto grau de estágio I-II, CCC e carcinoma ovariano mucinoso de alto risco.

"Para os tumores serosos de baixo grau é recomendado que as pacientes com a presença de p53 aberrante seja tratada como tumores de alto grau e, do ponto de vista cirúrgico, devem seguir para cirurgia primaria mesmo que fique com doença residual menor que 1 cm", analisa Paulino. "Na presença de STIC é recomendado que se realize estadiamento peritoneal e que a paciente com microinvasão seja tratada como HGSOC", continua o oncologista. "Já na doença localmente avançada o uso do bevacizumabe é recomendado independente de qualquer perfil molecular. Devido a falta de consenso entre os experts, uma recomendação formal sobre HIPEC não foi dada. O guideline reforça o papel imperativo da classificação molecular no delineamento do tratamento com inibidores de PARP", conclui Paulino. 

Acompanhe a íntegra dessas e outras recomendações de consenso, em artigo disponível em acesso aberto no Annals of Oncology.

Referência: Published:February 01, 2024DOI:https://doi.org/10.1016/j.annonc.2023.11.015