Tendências temporais e projeção de epidemia de obesidade em adultos brasileiros entre 2006 e 2030

Leandro NET OKO epidemiologista Leandro Fórnias Machado de Rezende (foto) é autor sênior de estudo publicado no periódico Scientific Reports, da Nature, que examina tendências temporais e epidemia de obesidade projetada em adultos brasileiros entre 2006 e 2030 por sexo, raça/cor da pele, escolaridade e capitais dos estados do país. “Nossos achados indicam um aumento sustentado da epidemia de obesidade em todos os subgrupos sociodemográficas e em todo o país. A obesidade pode atingir três em cada 10 adultos até 2030”, ressaltam os autores. José Matheus Estivaleti, do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-UNIFESP), é o primeiro autor do trabalho.

Estudos documentaram a crescente epidemia de obesidade em todo o mundo. Entre 1975 e 2016, a prevalência de obesidade ajustada por idade (ou seja, definida como índice de massa corporal – IMC ≥ 30 kg/m2) triplicou em todo o mundo, atingindo 16% ou 650 milhões de adultos em 2016.1 No Brasil, estudos epidemiológicos também mostraram um aumento da prevalência de obesidade em adultos de 12,5% em 2002 para 25,9% em 20194,5.

“Em países de baixa e média renda, como o Brasil, as projeções da futura epidemia de obesidade são escassas, apesar de seu potencial para informar políticas de saúde pública e tomadores de decisão”, observam os autores.

A obesidade é um importante fator de risco para diversas doenças não transmissíveis (DCNT), como doenças cardiovasculares, diabetes e diversos tipos de câncer18,19. Em 2019, as DCNT foram responsáveis ​​por 55% das 738.371 mortes no Brasil20, das quais 56,1% ou 173.207 ocorreram em adultos de 30 a 69 anos e, portanto, são prematuras e evitáveis ​​(em princípio). “A crescente epidemia de obesidade tem contribuído para o aumento da carga de câncer no Brasil. Aproximadamente 15 mil casos de câncer por ano são atribuídos ao IMC elevado no Brasil, e as projeções sugerem que esse número poderá ultrapassar 29 mil casos até 202518”, destaca a publicação.

O estudo

Neste estudo, os pesquisadores examinaram tendências temporais (2006–2019) e projetaram (2020–2030) a prevalência de categorias de IMC em adultos brasileiros entre 2006 e 2030, segundo sexo, faixa etária, raça/cor da pele, escolaridade e localização geográfica.

Os autores utilizaram o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), uma pesquisa telefônica anual realizada entre 2006 e 2019 para monitorar indicadores de saúde em adultos com idade ≥ 18 anos de 26 capitais estaduais e do Distrito Federal. Uma amostra de aproximadamente 2 mil indivíduos foi entrevistada em cada cidade por ano, para que todos os indicadores incluídos no sistema pudessem ser avaliados com intervalo de confiança (IC) de 95% e erro amostral de dois pontos percentuais.

Foram examinadas as tendências temporais na prevalência das categorias de IMC entre 2006 e 2019 de acordo com características sociodemográficas (sexo, faixa etária, raça/cor da pele, escolaridade) e unidades geográficas. “Realizamos modelos de Poisson simples e de regressão linear para estimar os aumentos relativos (razão de prevalência—PR) e absoluto (diferenças de prevalência—em pontos percentuais—p.p.) na prevalência de sobrepeso, obesidade e obesidade classes II e III entre 2006 e 2019”, esclarecem os autores. As categorias de IMC foram definidas pela classificação da OMS: baixo peso ou peso normal (IMC < 25 kg/m2), pré-obesidade (25 a < 30 kg/m2), obesidade classe I (30 a < 35 kg/m2) e obesidade classes II e III (≥ 35 kg/m2)11.

Resultados

Em 2006, as prevalências de sobrepeso, obesidade e obesidade classes II e III em adultos brasileiros foram de 30,9%, 8,6% e 3,2%, respectivamente. Em 2019, as prevalências chegaram a 35,1% para sobrepeso, 14,6% para obesidade e 5,7% para obesidade classes II e III.

As prevalências de sobrepeso, obesidade e obesidade classes II e III aumentaram em todos os subgrupos sociodemográficos entre 2006 e 2019. No entanto, a velocidade e a extensão do ganho de peso variaram por sexo, faixa etária, raça/cor da pele e escolaridade. “Observamos um aumento relativo maior na prevalência de excesso de peso entre 2006 e 2019 em mulheres (PR 1,40, 95% CI 1,35–1,45), adultos jovens (PR 1,48, 95% CI 1,40–1,57), negros e outras etnias minoritárias (PR 1,32, 95% CI 1,28–1,37) e adultos com 8–11 anos de escolaridade (PR 2,07, 95% CI 1,90–2,25).

Padrão semelhante foi observado para o aumento da prevalência de obesidade por subgrupos. Para as classes de obesidade II e III, o aumento relativo no mesmo período foi maior em homens (PR 1,80, 95% CI 1,44–2,25), adultos de meia-idade (PR 1,87, 95% CI 1,56–2,24), negros e outras minorias etnias (PR 1,97, 95% CI 1,70–2,29) e adultos com 8–11 anos de escolaridade (PR 2,55, IC 95% 2,13–3,06).

Prevalência projetada de sobrepeso, obesidade e obesidade classe II e III até 2030

As prevalências projetadas para 2030 são estimadas em 68,1% para sobrepeso, 29,6% para obesidade e 9,3% para obesidade classes II e III. A prevalência de obesidade é estimada em 30,2% nas mulheres e 28,8% nos homens. Estima-se que adultos de meia-idade, negros e outras etnias minoritárias e adultos com menor nível educacional (nenhum a sete anos) terão prevalências mais altas de obesidade até 2030.

As estimativas indicam que as capitais do Norte e Centro-Oeste tenham a maior prevalência de obesidade até 2030; a saber, Manaus (35,8%; 95% CI 31–40,6); Cuiabá (34,9%; 95% CI 30,7–39,1) e Rio Branco (32,8%; 95% CI 29,5–39,8). As capitais com menor prevalência de obesidade serão Florianópolis (23,0%; 95% CI 19,6–26,5), Palmas (23,8% 95% CI 19,8–27,8) e Curitiba (24,9% 95% CI 21,5–28,4).

“Em 2030, um quarto da população adulta pode estar vivendo com obesidade (prevalência de obesidade ≥ 25%) em 24 (88,8%) das 27 unidades geográficas. Estima-se que a prevalência de obesidade classes II e III seja superior a 10% em 8 (29,6%) das 27 unidades geográficas”, afirmam os autores. 

“Embora esses achados indiquem uma crescente epidemia de obesidade no Brasil, os números brasileiros ainda são inferiores aos de outros países das Américas e do mundo. No ranking global, o Brasil também não está entre os 20 países com maior prevalência projetada de obesidade até 2030. No entanto, o aumento da prevalência de obesidade no Brasil é uma preocupação, pois aumentará a carga de doenças não transmissíveis (DCNT) e seus custos associados ao Sistema Único de Saúde13”, observam os autores.

Os pesquisadores ressaltam que os achados indicam disparidades socioeconômicas nas tendências temporais e prevalência projetada da epidemia de obesidade no Brasil. “Observamos um aumento relativo maior na prevalência de excesso de peso entre 2006 e 2019 em mulheres, adultos jovens, negros e outras etnias minoritárias e adultos com 8 a 11 anos de escolaridade. Resultados semelhantes foram observados para aumentos absolutos na prevalência de obesidade. Em 2030, estima-se que 6 em cada 10 adultos com menor nível educacional (< 7 anos de educação) estejam vivendo com excesso de peso”, salientam. “Adultos com menor escolaridade e negros e outras etnias minoritárias podem ter uma prevalência ainda maior de obesidade classes II a III até 2030, em comparação com suas respectivas contrapartes”, acrescentam.

“Nosso estudo tem importantes implicações para a saúde pública. A epidemia de obesidade projetada no Brasil – um país de renda média com recursos de saúde limitados – reforça que a prevenção primária é fundamental para mudar as trajetórias da obesidade no país. Além disso, nossos resultados mostraram que a obesidade afeta grupos mais desfavorecidos socioeconomicamente, que tendem a ter menos acesso à saúde e piores desfechos de saúde14. Portanto, políticas de saúde pública mais bem direcionadas à prevenção da obesidade e redução das desigualdades sociais podem reduzir a carga de doenças para as gerações futuras, mudar a tendência prevista e proteger indivíduos vulneráveis”, concluem os autores.

Referência: Estivaleti, J.M., Guzman-Habinger, J., Lobos, J. et al. Time trends and projected obesity epidemic in Brazilian adults between 2006 and 2030. Sci Rep 12, 12699 (2022). https://doi.org/10.1038/s41598-022-16934-5