Ministério Público exige fim da fila para a radioterapia

Radio_Mama_News6_NET_OK.jpgQuase três anos depois da auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a carência de radioterapia continua como um dos grandes problemas da rede de atenção oncológica no Brasil. Agora, é o Ministério Público Federal quem exige soluções para acabar com as filas de espera na radioterapia e expõe os vazios de assistência. 

O TCU pôs o dedo na ferida em 2011, quando mostrou o que já se previa: a baixa cobertura dos serviços de radioterapia é a explicação para um dos grandes entraves do tratamento do câncer. No SUS, a média de espera pelo início da radioterapia é de 113,4 dias, revelou a auditoria do TCU, escancarando toda a carência de infraestrutura da atenção oncológica.

De lá para cá, o que foi feito?

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Radioterapia, Robson Ferrigno, a situação só piorou. “Mudou para pior”, critica o especialista, coordenador do serviço de radioterapia do Hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo.

Foi exatamente essa precarização que motivou agora a ação civil pública no Rio de Janeiro, movida pelos ministérios públicos federal e estadual. Depois de constatar que a carência de radioterapia aumentou no Estado desde 2013, o MPF exigiu um plano de ação até o último dia 18 de julho para diminuir a fila de espera. O problema se agravou com o fechamento de serviços de radioterapia que prestavam atendimento ao SUS, como o Hospital Mario Kröeff, na Penha, a clínica Osolando Machado, na zona oeste carioca, e o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, onde faltam técnicos para operar os aparelhos. O acordo assinado pelo MPF obriga o atendimento em até 60 dias em todo o Estado do Rio de Janeiro. Para a procuradora Roberta Trajano, nenhum paciente pode aguardar mais do que é permitido pela necessidade terapêutica do tratamento.

O projeto de expansão do parque nacional de radioterapia previa a implantação de 48 novos serviços e a ampliação de 32 já existentes. A licitação para a compra dos novos equipamentos já ocorreu, mas não resolve o problema no curto prazo. “As estimativas do INCA apontam 576 mil novos casos de câncer este ano e cerca de 60% desses pacientes vão precisar de atendimento de radioterapia. Se você somar todos os estados da federação vai constatar que a demanda reprimida é enorme”, diz Ferrigno, que há tempos alerta para a gravidade da situação. “O paciente é o maior prejudicado e cerca de 50 mil morrem na fila de espera todos os anos”, estima. O especialista lembra que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda um acelerador linear para cada 600 mil habitantes, o que no caso brasileiro indica a necessidade de aproximadamente 335 máquinas. “No entanto, temos atualmente cerca de 230 máquinas instaladas para o atendimento do SUS e estados como Roraima e Amapá não dispõem sequer de um único equipamento. É evidente que faltou investimento público, faltou planejamento do Estado e o resultado é o sucateamento do parque radioterápico brasileiro”, critica.

Diante da omissão do Estado, cresce o apelo à chamada judicialização. Só no primeiro semestre deste ano, 120 ações judiciais foram movidas pela defensoria pública do Rio de Janeiro com demandas de pacientes que precisam de radioterapia.

De Norte a Sul do País, o problema se repete. Em Caxias do Sul, município a 130 quilômetros de Porto Alegre, RS, o Ministério Público estadual quer entender por que o Unacon da cidade não oferece serviço de radioterapia. A Unidade de Alta Complexidade em Oncologia foi inaugurada em maio, ao custo de R$ 5,1 milhões, mas a radioterapia ainda não está disponível e os pacientes precisam se dirigir a Porto Alegre para receber atendimento.
Existem críticas de que a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) demora a realizar os serviços de inspeção para liberar a autorização de funcionamento do acelerador linear.

“É um cenário complexo, onde convivem pelo menos duas perspectivas, uma qualitativa; outra quantitativa”, analisa o radioterapeuta João Victor Salvajoli, do HCor, em São Paulo. “Do ponto de vista quantitativo, continuamos com problemas sérios, porque o projeto do governo está muito longe de ser concretizado. Vamos precisar no mínimo de mais três anos para que pelo menos parte das novas máquinas esteja operacional”, avalia. “Por outro lado, existem centros importantes, em estados ricos, onde os serviços credenciados dispõem de tecnologia inadequada e o governo reluta em fechar acordos com instituições privadas. Temos cidades de grande porte como Manaus, por exemplo, onde um centro de oncologia tradicional, como o Cecon, presta atendimento com máquinas obsoletas, com a capacidade de atendimento muito aquém do seu potencial. Enquanto isso os pacientes ficam aguardando, perdendo uma oportunidade de cura”, critica Salvajoli.

Outro exemplo vem do interior paulista, do município de Bauru, onde o hospital Manoel de Abreu se encarrega do atendimento de radioterapia no SUS. “Os pacientes são encaminhados para tratar câncer de próstata com cobalto velho, dose baixa e técnica inadequada”, denuncia o radioterapeuta, que mantém na cidade uma clínica privada com modernos equipamentos. “A tabela do SUS é defasada, pode ser um dificultador, mas não explica tudo. No caso da braquiterapia, por exemplo, o serviço já foi oferecido pela tabela SUS e o convênio não foi para frente. Hoje, os pacientes que precisam desse tratamento têm que deixar Bauru para receber braquiterapia em outra região. Bastaria um acordo para que os pacientes pudessem receber o melhor tratamento sem deixar sua cidade”, pondera Salvajoli.

O Ministério Público Federal também quer o fim da fila de espera para o tratamento de radioterapia em Mato Grosso do Sul. Para o MPF, uma verdadeira máfia tem impedido a expansão da oferta pública de radioterapia no Estado para favorecer a Neorad, clínica de propriedade do oncologista Adalberto Siufi. Ele já foi investigado por CPI e pela Operação Sangue Frio, da Polícia Federal, que no ano passado acusou Siufi de manipular a rede de saúde pública da capital Campo Grande para beneficiar a Neorad. Agora, é o MPF quem faz a denúncia e questiona porque nenhuma instituição estadual oferece radioterapia na rede de saúde pública em todo o Estado de Mato Grosso do Sul.

Diante desse panorama, fica claro que o problema é multifatorial. Ao lado da má gestão e da falta de planejamento público, o MPF acusa a “máfia do câncer” de comprometer a assistência a radioterapia.