Compostos canabinoides, pesquisas e aplicações na oncologia

paula1Drogas que visam o sistema endocanabinoide são de interesse como opções farmacológicas para combater o câncer e melhorar a qualidade de vida do paciente com câncer. A assertiva é de Hinz et al, em artigo de revisão na Nature que discute compostos canabinoides pesquisados com sucesso nas últimas décadas, em vários modelos pré-clínicos. A médica Paula Dall Stella (foto), pós-graduada em neuro-oncologia e pioneira na prescrição de canabinoides no Brasil, comenta os principais achados.

Nesta análise, os autores lembram que a descoberta do efeito anticancerígeno dos compostos canabinoides pode ser atribuída a Munson et al., que em meados da década de 1970 demonstraram que THC, Δ8-THC e canabinol foram capazes de inibir o crescimento de adenocarcinoma de pulmão de Lewis em camundongos. “No entanto, a descoberta dos receptores canabinoides anos mais tarde foi apenas o ponto de partida para uma extensa e detalhada investigação dos mecanismos anticarcinogênicos da ação dos canabinoides”, destacam.

Em uma linha do tempo, Hinz et al revisam um número considerável de estudos in vitro e em modelos animais, todos demonstrando que os compostos canabinoides exercem efeitos inibidores do crescimento tumoral e da disseminação metastática, e podem representar uma opção terapêutica adicional às drogas citostáticas atuais. Os autores sustentam que essa visão também é apoiada por estudos que indicam efeito sinérgico de canabinoides em combinação com agentes quimioterápicos usados atualmente, assim como combinados a outras opções terapêuticas. “Além disso, os dados sugerem cada vez mais que os canabinoides podem funcionar como terapia antimetastática e antiangiogênica adicional e apoiar o sistema imunológico em sua defesa contra o câncer”, apontam os autores.

Em resumo, a propriedade dos canabinoides de induzir a inibição do crescimento tumoral e a disseminação em múltiplos níveis de progressão defende o uso dessas substâncias como opção adicional no tratamento do câncer “No entanto, deve-se notar também que as pesquisas sobre a eficácia, dosagem e segurança medicamentosa dos canabinoides na terapia tumoral ainda têm um longo caminho a percorrer, principalmente no que diz respeito aos ensaios clínicos a serem realizados, por meio dos quais os benefícios e vantagens para pacientes com câncer mas também possíveis riscos podem ser definidos”, conclui a publicação.

A médica Paula Dall Stella, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, destaca a potencial aplicação clínica dessas substâncias e reforça a necessidade de novos estudos. “Há evidências substanciais de que o THC e outros canabinoides são eficazes e seguros para inibir o crescimento de uma ampla gama de células tumorais em modelos pré-clínicos”, diz ela. “É possível que algumas preparações derivadas de Cannabis tenham exercido atividade antitumoral em alguns pacientes com câncer, mas são evidências anedóticas e, portanto, muito fracas. Os ensaios clínicos de um estudo piloto fase I/II em pacientes com glioblastoma recorrente sugeriram sinais de atividade antitumoral dos canabinoides. No entanto, mais estudos clínicos devem ser realizados para determinar se os canabinoides podem ser usados como uma droga antitumoral neste e em outros tipos de câncer, quais são as possíveis interações medicamentosas com os quimioterápicos atuais e, principalmente, sobre o papel dos canabinoides na imunoterapia”, analisa. “É importante reconhecer que hoje temos níveis de evidências substanciais sobre os benefícios dos canabinoides no manejo de náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia e para a dor relacionada ao câncer, acrescenta Paula.  

A íntegra do artigo original está disponível em acesso aberto.
* Paula Dall Stella é pós-graduada em neuro-oncologia e pioneira na prescrição de canabinoides no Brasil.

Referências:

Hinz, B., Ramer, R. Cannabinoids as anticancer drugs: current status of preclinical research. Br J Cancer (2022). https://doi.org/10.1038/s41416-022-01727-4