Prioridades para a pesquisa em câncer em países de baixa e média renda

elisabeteA epidemiologista brasileira Elisabete Weiderpass (foto), diretora da Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (IARC/WHO), é ultima autora de artigo publicado na Nature Medicine, em acesso aberto, que descreve cinco prioridades para a pesquisa do câncer em países de baixa e média renda, com base nas necessidades atuais e projetadas. “Várias lacunas precisam ser abordadas para promover pesquisas regionalmente relevantes, e é necessário repensar radicalmente questões específicas do tratamento do câncer nessas regiões”, defendem os autores. O trabalho conta com a participação de Victor Piana de Andrade, diretor geral do A.C.Camargo Cancer Center.

Até 2030, aproximadamente três quartos de todas as mortes por câncer devem acontecer em países de baixa e média renda (LMICs), regiões que também representam a maior parte do aumento projetado na carga global de câncer nos próximos 50 anos. Apesar disso, a pesquisa sobre o câncer é atualmente conduzida predominantemente em países de alta renda (HICs), muitas vezes desconsiderando a transferência limitada desse conhecimento para diferentes sistemas de saúde e populações.

O desequilíbrio na geração e aplicação do conhecimento sobre o câncer levanta várias questões. A pesquisa e a inovação conduzidas em países de alta renda não abordam adequadamente certos tipos de câncer que são prevalentes em países de baixa e média renda, como o câncer oral, esofagogástrico, hepatobiliar e cervical. Além disso, estratégias de controle do câncer que são eficazes em HICs muitas vezes não são aplicáveis ​​a LMICs como resultado de diferenças nas características da doença, capacidades dos sistemas de saúde, fatores socioculturais, taxas de conclusão do tratamento, falta de disponibilidade de medicamentos e variação farmacocinética e biológica associada com etnia. “Além disso, os altos custos de muitas intervenções desenvolvidas em HICs tornam sua implementação inviável em países de baixa e média renda. Os principais centros de câncer em países de alta renda concentram grande parte de suas pesquisas no que é considerado "estado da arte", incluindo medicina de precisão, imunoterapia, sequenciamento de próxima geração, cirurgia robótica e terapia de prótons, entre outros; sendo que a maioria dessas abordagens teria baixa prioridade nos LMICs”, ressaltam os autores.

Principais prioridades de pesquisa para LMICs na próxima década

Weiderpass e colegas identificaram cinco áreas prioritárias para a pesquisa em câncer em países de baixa e média renda.

- Reduzir a carga de pacientes que apresentam doença em estágio avançado por meio de estratégias específicas que incluem promoção e conscientização da saúde, prevenção primária, detecção precoce e triagem adequada ao contexto, considerando os recursos locais, sistemas e processos de saúde, realidades econômicas, e valores e normas do paciente, da comunidade e da sociedade;

- Melhorar o acesso e os resultados no tratamento do câncer por meio de pesquisas orientadas para soluções, concentrando-se na superação das barreiras geográficas, financeiras, socioculturais, de recursos humanos e do sistema de saúde para o acesso ao tratamento do câncer;

- Enfatizar a avaliação econômica da saúde das intervenções e tecnologias contra o câncer, mecanismos de financiamento da saúde e cuidados baseados em valor, medindo resultados em relação ao custo da prestação de cuidados no nível do paciente, do sistema e da sociedade.

- Aprimorar a melhoria da qualidade e a implementação da pesquisa no controle do câncer, com o desenvolvimento de abordagens de translação de conhecimento localmente relevantes que possam contribuir significativamente para os resultados do câncer dentro dos recursos e sistemas existentes;

- Utilizar a tecnologia para melhorar o controle do câncer com base em evidências científicas robustas que abordem os principais desafios no tratamento do câncer em LMICs, incluindo diagnósticos no local de atendimento (lab-on-a-chip), soluções de telemedicina (incluindo telepatologia e telerradiologia), análise de imagens e reconhecimento de padrões para patologia e radiologia.

“O câncer é um dos maiores desafios de saúde pública no Brasil. O Instituto Nacional do Câncer (INCA), dirigido pela Doutora Ana Cristina Pinho, que também representa o Brasil no conselho de direção do IARC, é a instituição-chave na discussão sobre as prioridades de pesquisa no país, responsável pelas politicas de controle, prevenção e tratamento de câncer no Brasil, assim como em direcionar a agenda de educação e pesquisa sobre o câncer”, afirma Elisabete. “O INCA coordena o sistema de registro de câncer em nível nacional, o que permite ter uma visão global das prioridades”, acrescenta, destacando que o Sistema Único de Saúde (SUS), o maior sistema de saúde pública no mundo a oferecer cobertura universal para a população, é de extrema importância para o acesso de qualidade a cuidados de saúde.

“Agir com sucesso nessas prioridades exigirá colaboração e compromisso de governos, formuladores de políticas, agências de financiamento e organizações de saúde, e de líderes, pesquisadores e do público em geral trabalhando juntos para promover a pesquisa nessas regiões”, concluem os autores. 

Referência: Pramesh, C.S., Badwe, R.A., Bhoo-Pathy, N. et al. Priorities for cancer research in low- and middle-income countries: a global perspective. Nat Med 28, 649–657 (2022). https://doi.org/10.1038/s41591-022-01738-x