Dispositivo não endoscópico na vigilância do esôfago de Barrett

heber salvador 22 bxA vigilância endoscópica é recomendada para pacientes com esôfago de Barrett, mas uma nova estratégia de triagem foi avaliada por pesquisadores da Universidade de Cambridge. “Nosso objetivo foi avaliar o papel de um dispositivo não endoscópico (Cytosponge) combinado a biomarcadores laboratoriais e fatores clínicos na vigilância do esôfago de Barrett”, descrevem os autores, em artigo no Lancet Oncology. Quem comenta os resultados do trabalho é o cirurgião oncológico Héber Salvador (foto), médico do A.C.Camargo Cancer Center e presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO).

Neste estudo retrospectivo, foram considerados pacientes sob vigilância endoscópica para esôfago de Barrett (com metaplasia intestinal confirmada por TFF3 e comprimento mínimo do segmento de Barrett de 1 cm (circunferencial ou línguas pelo Praga C e critérios M).

Todos os pacientes receberam Cytosponge e endoscopia confirmatória durante os ensaios clínicos BEST2 (ISRCTN12730505) e BEST3 (ISRCTN68382401), de 7 de julho de 2011 a 1º de abril de 2019. Os participantes foram divididos em coortes de treinamento (n=557) e validação (n=334) para determinar os grupos de risco ideais. Os biomarcadores avaliados foram superexpressão de p53, atipia celular e 17 variáveis ​​ clínicas. O diagnóstico de biópsia endoscópica de displasia de alto grau ou câncer foi o endpoint primário. A viabilidade clínica de envolver na triagem o dispositivo Cytosponge também foi avaliada em uma coorte prospectiva do mundo real (n=223).

Resultados

A prevalência de displasia de alto grau ou câncer determinada pelo atual padrão-ouro de biópsia endoscópica foi de 17% (92 de 557 pacientes) na coorte de treinamento e de 10% (35 de 344) na coorte de validação. A partir da análise dos novos biomarcadores, três grupos de risco foram identificados: alto risco, definido como atipia ou superexpressão de p53 ou ambos no Cytosponge; risco moderado, definido pela presença de fator de risco clínico (idade, sexo e comprimento do segmento) e baixo risco, definido como Citoesponja-negativo e sem fatores de risco clínico.

Os resultados mostram que o risco de displasia de alto grau ou câncer no grupo de alto risco foi de 52% (68 de 132 pacientes) na coorte de treinamento e de 41% (31 de 75) na coorte de validação, em comparação com 2% (5 de 210) e 1% (2 de 185) no grupo de baixo risco, respectivamente.

No cenário do mundo real, os resultados do Cytosponge identificaram prospectivamente 39 (17%) de 223 pacientes como de alto risco (atipia ou superexpressão de p53, ou ambos) necessitando de endoscopia, entre os quais o valor preditivo positivo foi de 31% (12 de 39 pacientes) para displasia de alto grau ou câncer intramucoso e de 44% (17 de 39) para qualquer grau de displasia.

“Atipia da citoesponja, superexpressão de p53 e fatores de risco clínicos (idade, sexo e comprimento do segmento) podem ser usados ​​para priorizar pacientes para endoscopia. Uma investigação mais aprofundada poderia validar o uso desta estratégia na prática clínica e levar a uma redução substancial nos procedimentos de endoscopia em comparação com as vias de vigilância atuais”, concluem os autores.

A íntegra do artigo está disponível, em acesso aberto.

Importância do monitoramento no manejo desta doença

Por Héber Salvador, médico do A.C.Camargo Cancer Center e presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO)

A doença do refluxo gastroesofágico pode ser considerada uma epidemia nos tempos atuais, acometendo 20% da população adulta nos países desenvolvidos. Destes, estima-se que 3-6% desenvolverão o chamado esôfago de Barrett, quando o revestimento estratificado do órgão é substituído por epitélio glandular histologicamente semelhante ao do cólon, na chamada metaplasia intestinal. A presença deste fenômeno é reconhecidamente um fator de risco para o adenocarcinoma do esôfago distal, uma doença ainda subdiagnosticada e cujo prognóstico (20% de sobrevida em 5 anos) depende muito do momento em que é detectada.

Dois desafios se impõem aqui: 1. Detectar pacientes com fatores de risco, abordá-los inicialmente e colocá-los em protocolos de acompanhamento e 2. Garantir o seguimento a médio e longo prazo, especiamemte no contexto do tratamento clínico eficaz para sintomas, quando é comum que o paciente se ausente das reavaliações.

Neste sentido, iniciativas para monitoramento tanto de pacientes sabidamente com esôfago de Barrett quanto para os de maior risco para seu aparecimento (homens, acima de 50 anos, obesos e tabagistas e com sintomas de refluxo há mais de 5 anos) são muito importantes no manejo desta doença, uma vez que o diagnóstico precoce pode permitir o tratamento endoscópico ou o tratamento cirúrgico sem a necessidade de tratamento sistêmico. Por outro lado, em casos de doença loco-regionalmente avançada, estratégias com quimioterapia perioperatória ou quimio-radioterapia são indicadas.

Os dados sobre o uso da Cytosponge discutem seu emprego tanto no cenário de rastreamento puro (pacientes sem avaliação endoscópica prévia) quanto nos casos com histórico de esôfago de Barrett já detectado por endoscopia, como no caso do estudo em questão. A premissa é altamente relevante, no que pese a possibilidade de rastrear pacientes em procedimento ambulatorial sem a necessidade de sedação. Em haver, ainda fica a adesão, a periodicidade e a análise de custo efetividade. Um ponto a favor seria a redução do custo do rastreamento populacional, que ainda não está claro.

Referência: Pilonis ND, Killcoyne S, Tan WK, et al. Use of a Cytosponge biomarker panel to prioritise endoscopic Barrett's oesophagus surveillance: a cross-sectional study followed by a real-world prospective pilot. Lancet Oncol 2022; 23: 282–90