Radioterapia personalizada orientada por genômica

Robson Ferrigno NET OK 1Estudo de Jacob Scott e colegas publicado online no Lancet Oncology descreve um algoritmo que utiliza a dose de radiação ajustada pelo genoma para personalizar a prescrição da radioterapia com base no efeito biológico da dose e não apenas na dose física. “Por se tratar de uma análise de 11 coortes de pacientes com dados suficientes para calcularem o chamado GARD (“Genomic Adjusted Radiation Dose”), esse estudo é um importante gerador de hipótese e com necessidade de validação através de estudos prospectivos”, diz o médico Robson Ferrigno (foto), especialista em radioterapia, Coordenador dos Serviços de Radioterapia dos Hospitais BP Paulista e BP Mirante.

Em trabalho anterior, os pesquisadores identificaram uma assinatura molecular com base na expressão de dez genes (AR, cJun [JUN], STAT1, PKC-β [PRKCB], RelA [RELA], cABL [ABL], SUMO1, PAK2, HDAC1 e IRF1) que se correlacionam com a radiossensibilidade em várias linhas de células cancerígenas, denominado índice de radiossensibilidade (RSI), expresso como a fração de sobrevivência de células tumorais por fração de 2 Gy). Posteriormente, o RSI foi validado em vários tipos de tumor que deram origem ao algoritmo GARD.

Na publicação atual, Scott e colegas validaram o GARD em 1.615 pacientes com sete tipos de câncer de 11 coortes de estudo, dos quais 1.298 (982 com radioterapia, 316 sem radioterapia) foram avaliados quanto ao tempo até a primeira recorrência e 677 pacientes (424 com radioterapia e 253 sem radioterapia) foram avaliados quanto à sobrevida global. A análise incluiu tumores de mama, de cabeça e pescoço, câncer de pulmão de células não pequenas, câncer de pâncreas, de endométrio, melanoma e glioma.

Análises de regressão de Cox testaram a associação entre GARD e o resultado com modelos separados usando dose de radiação e sham-GARD (ou seja, pacientes tratados sem radioterapia, mas modelados como tendo uma dose padrão de tratamento de radioterapia) para comparação.

Resultados

A análise agrupada de todos os dados disponíveis mostrou GARD como uma variável contínua e associada com o tempo até a primeira recorrência (razão de risco [HR] 0,98 [IC 95% 0,97-0,99]; p = 0,017), assim como foi positivamente associado a sobrevida global (0, 97 [0, 95–0, 99]; p = 0, 0007).

O teste de interação mostrou que o efeito do GARD na sobrevida global depende se o paciente recebeu ou não radioterapia (estatística de Wald p = 0,011). O teste de interação para GARD e radioterapia não foi significativo para o tempo até a primeira recorrência (estatística de Wald p = 0,22). O HR para a dose física de radiação foi de 0,099 (IC 95% 0,97-1,01; p = 0,53) para o tempo até a primeira recorrência e 1,00 (0,96-1,04; p = 0, 95) para sobrevida global. O HR para sham-GARD foi de 1,00 (0, 97-1 ,03; p = 1, 00) para o tempo até a primeira recorrência e 1, 00 (0, 98-1, 02; p = 0, 87) para sobrevida global.

“O efeito biológico da radioterapia, conforme quantificado pelo GARD, foi significativamente associado ao tempo até a primeira recorrência e à sobrevida global para pacientes com câncer tratados com radiação”, destacam os autores. Portanto, GARD foi capaz de prever o benefício da radioterapia. “Propomos a integração da genômica nas decisões de dosagem de radiação, usando uma estrutura baseada em GARD como o novo paradigma para personalizar a dose de prescrição de radioterapia”, concluem.

Em síntese, GARD é um modelo que pode servir como uma ferramenta para individualizar as doses de radiação prescritas na prática clínica.

Para Robson Ferrigno, os autores desse estudo abrem uma nova perspectiva na medicina de precisão, com base nas informações genômicas de sete tipos de tumores malignos e os relacionam ao benefício e à intensidade da radioterapia. “Faz todo o sentido o GARD identificar heterogeneidade de resposta dentro de um mesmo tipo de tumor. Isso explica por que alguns tumores tratados com radioterapia recaem mesmo após doses altas e, porque outros, como os de reto, em torno de 20% das vezes, possuem resposta completa e duradoura mesmo com doses moderadas. Os autores encontraram dados de alguns desses sete tumores avaliados, cuja dose ideal seria tão alta que os tecidos normais não suportariam. Isso seria mais uma ferramenta para decidir entre radioterapia e ressecção cirúrgica de um determinado tipo de tumor”, explica Ferrigno.”

Enfim, esse estudo sinaliza para um futuro quando tanto a indicação como a dose da radioterapia serão decididos com base em informações biomoleculares e genéticas”, analisa.

Referência: Scott JG Sedor G Ellswroth P et al. Pan-cancer prediction of radiotherapy benefit using genomic-adjusted radiation dose (GARD): a cohort-based pooled analysis. Lancet Oncol. 2021; (published Aug 4.) https://doi.org/10.1016/S1470-2045(21)00347-8