Radioterapia pélvica no câncer de próstata de alto risco

bernardo salvajoli 2020 bxResultados de ensaio randomizado de Fase III publicados 26 de janeiro no Journal of Clinical Oncology mostram o benefício da radioterapia de toda a pelve (drenagem linfática pélvica) no câncer de próstata de alto risco em relação à radioterapia somente na próstata (PORT), indicando ganho na sobrevida livre de falha bioquímica (SLRB), principal endpoint do estudo, além de demonstrar benefício de sobrevida livre de doença (SLD) em todos os subgrupos avaliados. Bernardo Salvajoli (foto), médico especialista em radioterapia, comenta os resultados.

Este ensaio clínico de Fase III envolveu pacientes com adenocarcinoma de próstata com risco nodal estimado ≥ 20%, randomizados 1: 1 para PORT (68 Gy / 25 # para próstata) ou radioterapia de toda a pelve (WPRT, da sigla em inglês, compreendendo 68 Gy / 25 # para próstata, 50 Gy / 25 # para nódulos pélvicos, incluindo ilíacas comuns).  Os pacientes foram estratificados pelo escore de Gleason, tipo de privação androgênica, PSA ao diagnóstico e ressecção prostática prévia via transuretral. Todos os pacientes receberam radioterapia com intensidade modulada guiada por imagem e, no mínimo, 2 anos de terapia de privação de androgênio. O endpoint primário foi a sobrevida livre de falha bioquímica em 5 anos (BFFS, da sigla em inglês) e os endpoints secundários foram sobrevida livre de doença (SLD) e sobrevida global (SG).

Resultados

De novembro de 2011 a agosto de 2017, foram inscritos 224 pacientes (PORT = 114, WPRT = 110). Em um acompanhamento médio de 68 meses, ocorreram 36 casos de falha bioquímica (PORT = 25, WPRT = 7) e 24 mortes (PORT = 13, WPRT = 11) foram registradas. Os dados reportados no JCO mostram que a sobrevida livre de falha bioquímica em cinco anos foi de 95,0% (IC 95%, 88,4 a 97,9) com WPRT versus 81,2% (IC 95%, 71,6 a 87,8) com PORT (HR) de 0,23 (IC 95%, 0,10 a 0,52; P <0,0001). O braço que recebeu WPRT também mostrou maior SLD em 5 anos (89,5% v 77,2%; HR, 0,40; IC 95%, 0,22 a 0,73; P = 0,002), mas a SG em 5 anos não foi diferente entre os braços de análise (92,5% v 90,8%; HR, 0,92; IC 95%, 0,41 a 2,05; P = 0,83). A sobrevida livre de metástases à distância também foi maior com WPRT (95,9% v 89,2%; HR, 0,35; IC de 95%, 0,15 a 0,82; P = 0,01). O benefício de BFFS e SLD foi mantido em todos os subgrupos.

“A radioterapia pélvica profilática resultou em melhora significativa na sobrevida livre de falha bioquímica e na sobrevida livre de doença em comparação com a radioterapia somente da próstata. Aumento modesto foi observado na incidência de toxicidade geniturinária tardia de grau ≥ 2 com radioterapia pélvica, com baixa incidência de toxicidade GI em ambos os braços”, destacam os autores.

Radioterapia pélvica em drenagem linfática no câncer de próstata

Por Bernardo Salvajoli, médico do HCOR-Onco e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP)

Uma pergunta tem desafiado a comunidade de uro-oncologia há 3 ou 4 décadas. Devemos tratar drenagem linfática pélvica além da próstata nos pacientes com câncer de próstata de alto risco?

Muitos esforços vêm sendo feitos para responder essa pergunta, infelizmente sem conclusões definitivas sobre o assunto.

Dois estudos randomizados não conseguiram demonstrar benefícios da utilização desse tipo de radioterapia, o RTOG 9413 e o GETUG-01. Estes estudos foram conduzidos em cenários diferentes dos atuais, com menos tecnologia, menos capacidade de diagnóstico, além de inúmeras críticas estatísticas e metodológicas.

Mesmo com estudos negativos, é cada vez mais frequente a utilização de radioterapia pélvica e é comum vermos os próprios autores destes estudos defendendo a irradiação pélvica.

Com o surgimento de novos métodos diagnósticos, encabeçados pelo PET/CT-Ga68PSMA, fica clara a frequência de gânglios pélvicos acometidos em pacientes com neoplasia da próstata de alto risco, e é difícil entendermos como não haveria benefício neste tratamento. Seria uma doença já metastática?

Essas dúvidas começaram a ser respondidas com estudos retrospectivos bem conduzidos, de grandes centros, e agora com este estudo indiano randomizado de fase III que demonstra benefício da adição da radioterapia pélvica para este subgrupo de alto risco, com baixa toxicidade, bem aceitável.

Sabemos que a sobrevida livre de recorrência bioquímica (SLRB), endpoint primário, não é o melhor desfecho para ser avaliado em câncer de próstata; porém, este estudo demonstrou também ganhos secundários de sobrevida livre de doença (alavancados pelo SLRB) e sobrevida livre de metástase a distância, hoje sabidamente um bom surrogate para sobrevida global em câncer de próstata, demonstrando claramente a importância do estudo.

Mais três estudos estão em andamento respondendo a mesma pergunta (RTOG 0924, PivotalBoost e GETUG-AFU-23), mas devem demorar alguns anos para apresentar seus resultados. Até lá, deve ser crescente o uso de radioterapia pélvica em drenagem linfática no câncer de próstata.

Referência: Vedang Murthy et al. Prostate-Only Versus Whole-Pelvic Radiation Therapy in High-Risk and Very High-Risk Prostate Cancer (POP-RT): Outcomes From Phase III Randomized Controlled Trial. Journal of Clinical Oncology DOI: 10.1200/JCO.20.03282