Rastreamento do câncer de mama na mulher idosa, qual a evidência?

linei augusta brolini delle urban 2020 bxEnsaios randomizados mostraram que iniciar o rastreamento do câncer de mama em mulheres de 50 e 69 anos e continuar a triagem por 10 anos diminui a mortalidade por câncer de mama. No entanto, nenhum estudo avaliou se ou quando é possível parar com segurança o rastreamento por mamografia. Estima-se que 52% das mulheres com 75 anos ou mais são submetidas à mamografia nos Estados Unidos, mas isso tem impacto na redução da mortalidade por câncer de mama? Quem comenta é Linei Urban (foto), coordenadora da Comissão Nacional de Mamografia do Colégio Brasileiro de Radiologia e radiologista da Clínica DAPI, em Curitiba.

Com o objetivo de estimar o efeito do rastreamento mamográfico em mulheres de 70 a 84 anos, estudo observacional de base populacional avaliou a mamografia anual contínua versus a interrupção da triagem nessa população.

Foram consideradas 1 058 013 mulheres de 70 a 84 anos, com expectativa de vida de pelo menos 10 anos, sem diagnóstico prévio de câncer de mama, atendidas pelo sistema público de saúde dos EUA (Medicare), de 2000 a 2008. 

Resultados

Nas mulheres de 70 a 74 anos, a diferença estimada em 8 anos no risco de morte por câncer de mama entre a realização contínua da mamografia e a interrupção da triagem foi de -1,0 (IC 95%, -2,3 a 0,1) por mil mulheres (HR= 0,78 [IC, 0,63 a 0,95]).  Na faixa etária de 75 a 84 anos, a diferença foi de 0,07 óbito (IC, -0,93 a 1,3) por 1000 mulheres (HR= 1,00 [IC, 0,83 a 1,19]).

Diante desses achados, os autores concluem que o rastreamento anual do câncer de mama após 75 anos não resultou em reduções substanciais na mortalidade por câncer de mama.

A radiologista Linei Urban observa que o estudo deve ser analisado com cautela. “Isso porque os dados foram obtidos através de um modelo de regressão logística que estimou a taxa de risco de mortalidade por câncer de mama para a estratégia de ‘continuar o rastreamento’ versus a estratégia de ‘interromper o rastreamento’. Não tem o mesmo peso de um estudo clínico randomizado”, avalia.

Para a especialista, é evidente que o benefício reduzido em mulheres mais velhas (acima de 75 anos) observado no estudo é consistente com a hipótese de que outras causas de morte, como doenças cardiovasculares ou neurológicas, superariam a mortalidade por câncer de mama com o aumento da idade, assim como existiria maior risco de diagnóstico de tumores que não se tornariam clinicamente aparentes na ausência do rastreamento (overdiagnosis).

Por outro lado, o estudo também demonstrou que as mulheres que interrompem o rastreamento podem vir a ser tratadas de forma mais agressiva devido ao estadio mais avançado dos tumores no momento do diagnóstico. “Considerar excluir do rastreamento as mulheres acima de 75 anos, que tenham uma expectativa de vida maior que 10 anos, baseado nesses dados, poderia ser precoce. Considerando o aumento da expectativa de vida em todo o mundo, é imperativo termos dados mais confiáveis para esse grupo”, ressalta Linei.

“Talvez a melhor estratégia seja individualizar o rastreamento para cada mulher, levando em consideração suas comorbidades e a expectativa de vida em 10 anos (tempo mínimo para se observar os benefícios de um programa de rastreamento), assim como informá-las sobre os potenciais riscos e benefícios do rastreamento, além da qualidade dos dados científicos disponíveis para essa escolha nesse momento”, conclui.

Referências: García-Albéniz, Xabier & Hernán, Miguel & Logan, Roger & Price, Mary & Armstrong, Katrina & Hsu, John. (2020). Continuation of Annual Screening Mammography and Breast Cancer Mortality in Women Older Than 70 Years. Annals of internal medicine. https://doi.org/10.7326/M18-1199