Adesão ao guideline nutricional em pacientes com câncer de mama precoce

bruna moraes nutricao bxEmbora ferramentas como as diretrizes de nutrição em pacientes com câncer (ESPEN)1 tenham contribuído para padronizar práticas nutricionais na assistência ao paciente, evidências científicas sobre a eficácia da intervenção nutricional entre pacientes com câncer de mama ainda são escassas. Agora, um estudo2 cujos resultados preliminares serão apresentados no ESMO Breast Cancer 2019, em Berlim, acompanhou 204 pacientes com câncer de mama que receberam orientações nutricionais logo após o diagnóstico inicial. “O estudo corrobora a importância da nutrição no tratamento do câncer e na manutenção da vida com qualidade”, avalia a nutricionista Bruna Moraes (foto), gerente de dados da Unidade Clínica de Terapia Celular do HCFMUSP.

“Apesar de o ganho de peso e o excesso de peso terem sido relacionados a um risco aumentado de recorrência e mortalidade em pacientes com câncer de mama, a adesão à intervenção nutricional não é totalmente explorada. Portanto, os objetivos deste estudo foram avaliar a adesão aos guidelines nutricionais e a efetividade da intervenção nutricional em termos de mudança de peso corporal em pacientes com câncer de mama precoce em tratamento”, afirma a oncologista Luisa Carbognin, médica da Universidade de Verona, Itália e primeira autora do estudo.

O estudo prospectivo incluiu pacientes com câncer de mama precoce encaminhados para receber terapia neoadjuvante ou adjuvante. As pacientes elegíveis receberam uma intervenção educacional baseada em evidências nutricionais por um nutricionista qualificado. Avaliações antropométricas e dietéticas foram realizadas. A adesão ao guideline nutricional foi estimada através do questionário validado Med-Diet, com 14 itens. A Qualidade de Vida Relacionada à Saúde foi analisada com o EORTC QLQ-C30.

Entre fevereiro de 2016 e dezembro de 2018, foram incluídos 204 pacientes (mediana de idade de 49 anos). No início do estudo, 2,5% dos pacientes estavam abaixo do peso, 41,7% estavam com peso normal, 33,3% tinham sobrepeso e 22,5% eram obesos. Além disso, 47,5% dos pacientes ganharam ≥5% do seu peso habitual a partir do diagnóstico.

A maioria dos pacientes relatou sintomas significativos de impacto nutricional (dispepsia (51,5%) e constipação (62,3%)) e apresentou padrões alimentares ricos em gordura (mediana de gordura de 35,2%) e baixa em fibra alimentar (mediana de 17,2 g/dia). Houve correlação significativa entre o IMC no baseline e a tensão (p <0,0001), bem como IMC e preocupação, irritabilidade e depressão (p <0,0001, p <0,0001 e p=0,008, respectivamente).

A quimioterapia neoadjuvante foi prescrita para 56 pacientes e 92 mulheres receberam quimioterapia adjuvante. No geral, cerca de 80% dos participantes foram submetidos a terapia endócrina. A intervenção dietética consistiu em contatos mensais com a nutricionista. Avaliações nutricionais foram realizadas no início do estudo e seis meses após a inclusão. Acompanhamentos adicionais ainda estão em andamento.

Resultados

Seis meses após a intervenção, a mediana de adesão ao guideline nutricional foi alta (mediana do escore Med-Diet foi 12). Uma alta aderência às diretrizes nutricionais (definida como escore Med-Diet ≥10, 112 pacientes) correlacionou-se significativamente com uma perda de peso ≥5% do peso do baseline (p=0,005). Além disso, a perda de peso ≥5% foi correlacionada com uma menor taxa de depressão (p=0,05).

“Nossas análises intermediárias mostraram uma correlação estatisticamente significativa entre a alta adesão às diretrizes alimentares e a perda de peso. A perda de peso, por sua vez, parece correlacionar-se com taxas mais baixas de depressão, avaliada pelo Questionário da Organização Europeia para Pesquisa e Tratamento da Qualidade de Vida do Câncer (EORTC QLQ-C30)”, explica Luisa.

A pesquisadora observa que o pequeno tamanho da amostra e os diferentes tratamentos administrados aos participantes do estudo constituem um obstáculo para tirar conclusões de seus resultados. "Como ainda está em curso, esperamos aumentar o tamanho da amostra e, eventualmente, realizar análises de subgrupos para comparar as diferentes configurações de tratamento e explorar quaisquer diferenças potenciais entre eles", disse.

Os achados sugerem que a intervenção nutricional adaptada para mulheres submetidas a tratamento para câncer de mama precoce pode ajudar a melhorar sua adesão ao guideline nutricional e à perda de peso. “Estes resultados iniciais indicam que a adesão às orientações dietéticas pode ser uma ferramenta eficaz para controlar o peso corporal. Para as mulheres com um peso corporal normal no baseline, o objetivo é manter um peso saudável e adequado durante todo o seu tratamento - portanto, faz sentido oferecer-lhes apoio de um nutricionista, independentemente do peso no momento do diagnóstico”, concluíram os autores.

Giuseppe Curigliano, professor de oncologia de oncologia na Universidade de Milão, Itália, ressalta que estar acima do peso ou ser obeso é um fator de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares - não apenas para pacientes com câncer, mas para a população como um todo. “É por isso que, quando uma mulher diagnosticada com câncer de mama também está acima do peso, é essencial que além de consultar um cardiologista, ela também seja imediatamente encaminhada a uma nutricionista qualificada que possa ajudá-la a perder peso, adotar um estilo de vida saudável e melhorar sua condição geral”, afirmou, acrescentando que a principal mensagem aqui é que uma alta aderência às diretrizes alimentares se correlaciona com a perda de peso. “A nutrição é um aspecto importante do atendimento ao paciente oncológico, e novas pesquisas nessa área precisam ser encorajadas para fundamentar a prática clínica em fatos científicos”, afirmou.

Segundo a nutricionista Bruna Moraes, gerente de dados da Unidade Clínica de Terapia Celular do HCFMUSP, apesar da amostra de pacientes do estudo ser limitada tanto em número quanto na localização, o estudo evidencia que orientações dietéticas, quando aderidas, impactam no tratamento do câncer. “Além disso, a aderência mostrada aqui não ocorreu através de poucos contatos com o profissional, mas com vários deles que provavelmente geraram vínculos e ensinamentos”, observa.

Bruna acrescenta que cada vez mais o profissional nutricionista deve se instruir e mostrar seu valor entre a equipe de saúde. “O nutricionista detém o conhecimento e a habilidade de educar o paciente a melhor escolha alimentar. A qualidade da alimentação promove a quantidade de nutrientes satisfatória para o tratamento, garantindo uma composição corpórea mais adequada, um microbioma intestinal mais favorável a microrganismos relacionados ao controle imunológico e ao humor e uma redução de riscos a doenças como hipertensão, diabetes, insuficiência renal e outras. Entretanto, há a necessidade da aderência e da determinação do paciente, bem como da disponibilidade do profissional a produzir mudanças”, conclui. 

Referências:

1 - ESPEN guidelines on nutrition in cancer patients - by J Arends et al. Clinical Nutrition Volume 36, Supplement 1, 2017. doi: 10.1016/j.clnu.2016.07.015.

2 - Abstract 202P_PR ‘Adherence to Dietary Guidelines (DG) and Body Weight Change (BWC) in Early-stage Breast Cancer (EBC): a prospective trial in patients submitted to nutrition evidence-based educational intervention’ - L. Carbognin et al - Annals of Oncology, Volume 30, 2019 Supplement 3, doi:10.1093/annonc/mdz095