Mutação MUC16 e desfechos no câncer gástrico

Rachel 3 NET OKEstudo de Li e colegas publicado no JAMA Oncology sugere que os tumores gástricos com mutações MUC16 são mais propensos a apresentar uma maior carga de mutação tumoral (do inglês tumor mutation load, TML), e mediana de sobrevida global mais longa em comparação com os pacientes com um genótipo de tumor MUC16 selvagem. Os pesquisadores acreditam que os resultados podem ter aplicação prática ​​para orientar o tratamento com inibidores de checkpoint em pacientes com câncer gástrico. A oncologista Rachel Riechelmann (foto), Diretora de Pesquisa do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG) e Diretora do Departamento de Oncologia do A.C. Camargo Cancer Center, comenta o trabalho.

 

O MUC16, que codifica o antígeno CA-125, é frequentemente mutado no câncer gástrico. Entretanto, sua associação com a carga de mutação tumoral (TML) e o desfecho em pacientes com câncer gástrico não foi estabelecida até o momento.

Neste trabalho, os pesquisadores realizaram uma análise estatística de dados genômicos de 437 amostras de câncer gástrico obtidas do Atlas Genômico do Câncer (TCGA) e de 256 amostras de uma coorte asiática. Ambas as coortes continham dados de pacientes com câncer gástrico envolvidos em estudos genômicos anteriores. Os dados do TCGA foram obtidos em 03 de setembro de 2017, e da coorte asiática, em 05 de março de 2013. Os dados foram analisados entre 03 de setembro e 01 de dezembro de 2017. A coorte TCGA foi utilizada como um conjunto de descobertas e a coorte asiática como um conjunto de validação.

Os desfechos primários foram frequência da mutação, sobrevida global e TML, sobrevida global por Kaplan-Meier, odds ratio (OR) e significância das vias de sinalização.

Resultados

A mutação do MUC16 foi encontrada em 168 de 437 (38,4%) das amostras de câncer gástrico da coorte TCGA e em 57 de 256 (22,3%) da coorte asiática. Em ambas as coortes, amostras de câncer gástrico com mutações MUC16 exibiram TML significativamente maior do que aquelas sem mutações MUC16 (mediana de mutação: TCGA, 264 com MUC16 vs 115 sem mutação; asiática, 134 com MUC16 vs 74 sem mutação; Wilcoxon rank sum test, ambos P <.001).

Esta associação foi independente de mutações em POLE e BRCA1/2 e assinaturas mutacionais na coorte TCGA (OR, 1,87; 95% IC, 1,49-2,36; P <0,001) e na coorte asiática (OR, 1,69; 95% IC, 1,25-2,29; P <0,001). As mutações no MUC16 foram significativamente associadas com melhor prognóstico em ambas as coortes. Em pacientes na coorte TCGA com câncer gástrico ressecado, a mediana de sobrevida global foi de 46,9 meses para tumores com mutação MUC16 vs 26,7 meses em tumores sem a mutação (95% IC, 26,4-NA [não disponível]) versus 26,7 meses (95% IC, 20,2-43,1; teste log-rank, P =. 007). Na coorte asiática, a mediana da sobrevida global de pacientes com câncer gástrico MUC16 mutado não pôde ser calculada porque mais da metade dos pacientes do grupo estavam vivos versus 36,8 meses; (P = 0,04).

A associação permaneceu estatisticamente significativa após o controle para idade, sexo, estágio TNM, mutações no POLE e BRCA1/2, e assinaturas mutacionais (hazard ratio, 0,61 [95% IC, 0,42-0,89]; teste log rank, P = 0,01). A resposta imune e os circuitos de regulação do ciclo celular estavam entre as principais vias de sinalização alteradas em amostras com mutações MUC16. O significado prognóstico da mutação MUC16 identificada na coorte TCGA foi validado na coorte asiática.

Os achados indicam que mutações em MUC16 estão associadas a maior carga de mutação tumoral, melhores resultados de sobrevida, aparentemente através de ativação de vias de resposta imune, processamento antigênico, imune checkpoint, replicação e reparo de DNA e podem ser usadas para estratificar pacientes com câncer gástrico em grupos com prognóstico distinto.

“Este estudo traz uma informação valiosa a ser testada para a seleção de pacientes para imunoterapia”, avalia a oncologista Rachel Riechelmann. A oncologista observa que a imunoterapia para câncer gástrico está aprovada para 3a linha com pembrolizumabe monoterapia baseada num estudo de fase II não controlado (KEYNOTE 012), que sugere um benefício modesto para o subgrupo de pacientes com tumores que expressam 1% de PDL-1. Em contrapartida, o estudo de fase III KEYNOTE 061, que avaliou pembrolizumabe versus paclitaxel isolado em 2a linha em 326 pacientes com câncer gástrico ou JEG avançados e ≥1% de expressão imunoistoquímica de PDL-1 em células tumorais, linfócitos e/ou macrófagos (CPS score), foi negativo para desfecho primário de sobrevida global (mediana 9.1 versus 8.3 meses). “O subgrupo que claramente se beneficiou foi aquele com tumores MSI-H (n=27), sobrevida global mediana não atingida no grupo pembrolizumabe versus 8,1 meses. Porém, a proporção de pacientes com câncer gástrico e MSI-H é pequena, geralmente menor que 10%, o que nos impele a procurar outros marcadores de benefício à imunoterapia”, afirma.

Segundo Riechelmann, a TML é um marcador consagrado de resposta à imunoterapia, independente da presença do genótipo MSI-H. “No estudo em questão, mutações em MUC16 foram independentemente associadas a maior TML e, portanto, podem configurar um novo biomarcador preditivo de resposta aos inibidores de checkpoint imune”. A especialista ressalta, porém, que o estudo não demonstra isso, apenas aponta que mutações em MUC16 ativam vias de sinalização associadas a resposta imune, não a imunoterapia (a grande maioria dos casos não apresentava metástases). “Como uma parte da glicoproteína codificada por MUC16 é o marcador Ca125, seria interessante avaliar se Ca125 sérico, um exame barato e amplamente disponível, está associado a melhor resposta a imunoterapia”, conclui.

Referência: Association of MUC16 Mutation With Tumor Mutation Load and Outcomes in Patients With Gastric Cancer – Xiangchun Li et al - JAMA Oncol. Published online August 9, 2018. doi:10.1001/jamaoncol.2018.2805