Guideline ASCO: vulnerabilidades em idosos recebendo quimioterapia

André Junqueira IDEA PC NET OKA ASCO publicou um guideline1 com orientações práticas para a avaliação e gestão de vulnerabilidades em pacientes idosos em tratamento quimioterápico. As recomendações do painel de especialistas se baseiam em uma revisão sistemática da literatura médica que compreende 68 estudos que preencheram os critérios de elegibilidade. “O guideline reforça a necessidade de uma forte interface entre a oncologia e a geriatria, chamada de Oncogeriatria. A população com idade acima de 65 anos é a mais acometida pelas doenças oncológicas, e apresenta diante do processo de envelhecimento alterações fisiológicas e funcionais que impactam não somente a manifestação de diversos tipos de câncer, como também a resposta aos tratamentos oncológicos”, avalia o geriatra André Filipe Junqueira dos Santos (foto), vice-presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP).

 

Aproximadamente 70% dos pacientes com câncer norte-americanos têm 65 anos ou mais, número que deve aumentar significativamente nos próximos 20 anos.2 Dado o rápido envelhecimento da população, é importante que as equipes estejam preparadas para prevenir, avaliar e gerenciar problemas que possam afetar os desfechos, incluindo complicações e toxicidades relacionadas ao tratamento.

Embora a maioria dos pacientes com câncer seja de idosos, há menos evidências para orientar as decisões de tratamento quimioterápico para essa população porque os pacientes idosos são sub-representados em ensaios clínicos. Menos de 25% dos pacientes inscritos nos Ensaios Clínicos do Grupo Cooperativo do National Cancer Institute (NCI) têm idades entre 65 e 74 anos e menos de 10% têm 75 anos ou mais.3

Como consequência, pacientes idosos são especialmente vulneráveis tanto ao overtreatment, naqueles menos aptos a receber o tratamento oncológico e com baixa probabilidade de benefício e alta probabilidade de complicações/toxicidade, como ao undertreatment, quando apesar da idade avançada apresentam plenas condições para receber esquemas de quimioterapia padrão baseados em evidências e não são tratados de forma adequada.

As diretrizes buscam responder 4 questões clínicas: 1 – a avaliação geriátrica (GA) deve ser usada em idosos com câncer para prever resultados adversos da quimioterapia?; 2 – Para pacientes idosos que estão considerando fazer quimioterapia, quais ferramentas de GA os clínicos devem utilizar para prever resultados adversos (incluindo toxicidade por quimioterapia e mortalidade)?; 3 - quais dados gerais de expectativa de vida (ou seja, não específicos do câncer) os clínicos considerar estimar a mortalidade e informar a tomada de decisão do tratamento?; 4 - como a avaliação geriátrica deve ser utilizada para orientar o tratamento de pacientes idosos com câncer?.

Recomendações

Para pacientes ≥65 anos recebendo tratamento com quimioterapia, a avaliação geriátrica deve ser utilizada para identificar vulnerabilidades que não são rotineiramente observadas em avaliações oncológicas. As evidências apoiam, no mínimo, a avaliação da função, comorbidade, quedas, depressão, cognição e nutrição.

“A avaliação geriátrica ampla (AGA) é uma ferramenta utilizada na prática pelos médicos geriatras que pode auxiliar os oncologistas na tomada de decisões, visto que fatores sociais4, psicológicos5 e físicos5 podem ter forte impacto no câncer em idosos”, ressalta André, que coordena o Serviço de Cuidados Paliativos da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP-USP), e atua no Instituto Oncológico de Ribeirão Preto (InORP).

O Painel recomenda a avaliação das atividades de vida diária para verificar a função, histórico completo ou ferramenta validada para avaliar a comorbidade, uma única pergunta para quedas, Escala de Depressão Geriátrica para avaliar depressão, Mini-Cog ou o teste de Orientação-Memória-Concentração para rastrear o comprometimento cognitivo e uma avaliação da perda de peso não intencional para verificar o status nutricional.

Para obter estimativas do risco de toxicidade da quimioterapia, a sugestão é utilizar as ferramentas CARG (Cancer and Aging Research Group) ou CRASH (Chemotherapy Risk Assessment Scale for High-Age Patients), enquanto as ferramentas Geriatric-8 ou Vulnerable Elders Survey-13 (VES-13) podem ajudar a prever a mortalidade.

Em relação aos dados de expectativa de vida gerais (ou seja, não específicos do câncer) os médicos devem usar uma das ferramentas validadas e listadas no ePrognosis (https://eprognosis.ucsf.edu) para determinar se os pacientes têm uma expectativa de vida adequada além de 4 anos, de modo a considerar os benefícios de intervenções específicas contra a doença, incluindo a quimioterapia.

Os resultados da avaliação geriátrica devem ser aplicados para desenvolver um plano integrado e individualizado que informe a seleção do tratamento e ajude a estimar os riscos de eventos adversos e identificar problemas não-oncológicos passíveis de intervenção. O documento sugere ainda que as informações sejam fornecidas aos pacientes e cuidadores para orientar a tomada de decisão do tratamento. “Colaborar com os cuidadores é essencial para implementar intervenções guiadas pela avaliação geriátrica”, ressaltam.

Em última análise, a escolha de quais ferramentas utilizar depende da pergunta feita, de como os resultados da avaliação geriátrica serão utilizados e dos recursos disponíveis para implementação.

“A Oncogeriatria é uma área incipiente em nosso país, com poucos geriatras e oncologistas atuantes. Em vista disso, poucos idosos brasileiros com diagnóstico de câncer conseguem ser beneficiados por essa interface de duas complexas especialidades. A avaliação e seguimento de indivíduos com mais de 65 anos com diagnóstico de câncer por um médico geriatra, junto a equipe de oncologia, é um fator que demonstra forte impacto na qualidade do tratamento oncológico e sobrevida dos pacientes”, conclui Santos.

Referências:

1 - Practical Assessment and Management of Vulnerabilities in Older Patients Receiving Chemotherapy: ASCO Guideline for Geriatric Oncology - Supriya G. Mohile, William Dale, Mark R. Somerfield, Mara A. Schonberg, Cynthia M. Boyd, Peggy S. Burhenn, Beverly Canin, Harvey Jay Cohen, Holly M. Holmes, Judith O. Hopkins, Michelle C. Janelsins, Alok A. Khorana, Heidi D. Klepin, Stuart M. Lichtman, Karen M. Mustian, William P. Tew, and Arti Hurria - Published ahead of print May 21, 2018, DOI: 10.1200/JCO.2018.78.8687

2 - Smith BD, Smith GL, Hurria A, et al: Future of cancer incidence in the United States: Burdens upon an aging, changing nation. J Clin Oncol 27:2758-2765, 2009

3 - Hurria A, Dale W, Mooney M, et al: Designing therapeutic clinical trials for older and frail adults with cancer: U13 conference recommendations. J Clin Oncol 32:2587-2594, 2014

4 – J Clin Oncol 31:3869-3876.

5 – J Clin Oncol 31:3877-3882.