Diretiva de vontade e cuidados de final de vida

Luis Fernando Rodrigues Paliativista Barretos NET OKDiferentes iniciativas buscam iluminar um tema que desafia a realidade da oncologia. Afinal, como prover cuidados de final de vida, de forma planejada e de acordo com a vontade expressa pelo paciente? Editorial do Journal of Oncology Practice1 publicado 28 de agosto discute avanços e limitações para implementar as diretivas de vontade do paciente de câncer na terminalidade da vida. Quem comenta é o especialista Luis Fernando Rodrigues (foto), médico da Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital de Câncer de Barretos.

Apesar de prevista no Patient Self-Determination Act2, instituído em 1990, poucos pacientes utilizam o documento e a aplicação da diretiva de vontade ainda não faz parte da prática da oncologia norte-americana, realidade que certamente pode ser transportada também para o cenário brasileiro. É nesse contexto que o artigo de Keith Swetz se propõe a refletir sobre o papel do clínico e seu envolvimento com o paciente, como ponto de partida para oferecer um ambiente aberto ao diálogo sobre a terminalidade da vida, dentro de uma perspectiva multifacetada de objetivos, valores e preferências desse paciente.

“Sabe-se que uma exploração cuidadosa das metas e preferências do paciente com câncer pode melhorar os resultados em relação ao luto e aos cuidados agressivos de fim da vida”, sustenta o autor, que lista diferentes contribuições ao tema. Entre os destaques está o estudo randomizado publicado em maio deste ano no JAMA Internal Medicine3, que comparou duas estratégias para incentivar o planejamento de cuidados na terminalidade da vida: um website interativo centrado no paciente (PREPARE) versus um guia de fácil leitura para documentar as diretivas de vontade para cuidados de fim de vida. O objetivo primário era obter em 9 meses a diretiva de vontade (em documento legal e/ou discussões). O objetivo secundário era avaliar o engajamento do paciente à discussão em 1 semana; em 3 meses e em 6 meses, a partir de um survey validado.

Os resultados da avaliação em 414 pacientes mostram que intervenções como essas podem ampliar de 25% a 35% a documentação com as diretivas do paciente e suas escolhas diante de situações de cuidado no fim de vida.

Estudo de Hoverman et al4 também é referenciado no editorial e integra a edição especial do JPO sobre cuidados na terminalidade. Os autores buscaram promover e avaliar o envolvimento do paciente oncológico em metas de discussão de cuidados de fim de vida. 1.286 pacientes com câncer participaram do estudo, ao longo de 27 meses. Os resultados mostraram que 58% da população avaliada decidiram estabelecer uma diretiva antecipada de acordo com os valores e preferências desse paciente.

“Neste estudo, os pacientes que preencheram as diretrizes antecipadas declararam-se mais propensos a morrer em casa e menos no ambiente hospitalar, ilustrando uma entre tantas considerações importantes que cercam os cuidados oncológicos no final da vida”, escreveram os autores.

Respeito à autonomia do indivíduo

Por Luis Fernando Rodrigues, médico da Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital de Câncer de Barretos

"No Brasil, as discussões sobre diretivas antecipadas de vontade estão começando a tomar corpo. O tema tem sido pauta de palestras e mesas redondas em congressos científicos da área médica. Tais discussões se dão ainda no campo dos profissionais de saúde, mas parecem ainda estar longe do debate para o cidadão comum. Entre as barreiras podemos citar a atitude paternalista e autoritária que, em geral, os médicos ainda têm com seus pacientes, que se opõe diretamente a um dos requisitos básicos para se atender às diretivas antecipadas, que é respeitar a autonomia do indivíduo.

Outra barreira é a cultura geral da população brasileira que, com muita frequência, acredita que o paciente não pode saber seu diagnóstico e, consequentemente, o prognóstico. Ter o conhecimento dessas circunstâncias são igualmente prioritários para que as diretivas antecipadas façam sentido e possam ser aplicadas de forma adequada.

Na prática, o que observamos é que os pacientes têm muita carência de informação. Um estudo recém-concluído por nossa equipe (ainda não publicado), mostrou que 93% dos pacientes encaminhados para uma unidade de cuidados paliativos com estadiamento de câncer III ou IV acreditavam que o tratamento era para ajudá-los a se livrar de seu câncer, o que não corresponde à realidade. Nesse contexto, as possibilidades de diretivas antecipadas sensatas estão bastante limitadas.

Uma terceira barreira é a compreensão que membros do judiciário têm quando se coloca em questão a suspensão de medidas sustentadoras da vida ou prolongamentos de tratamentos considerados desproporcionais, ou seja, quando os benefícios são minorados em detrimento dos malefícios que predominam com a aplicação de determinadas terapêuticas. Alguns juristas se pautam no argumento da sacralidade da vida e sua defesa a qualquer custo, mesmo que seja com sofrimento. Por outro lado, existem aqueles que defendem o princípio da autonomia, baseada no consentimento livre e esclarecido. Neste aspecto em particular, reforçamos a necessidade de uma comunicação excelente, que se apoie firmemente nos princípios da veracidade, da ética, da franqueza, honestidade e confidencialidade. Diretivas antecipadas implicam em tomada de decisão que, por sua vez, implica em acesso à informação que respeite as características listadas anteriormente.

Apesar das barreiras citadas, felizmente, temos vários profissionais das áreas médicas, do direito, teólogos e bioeticistas fomentando o debate, contribuindo para o amadurecimento e mudança de cultura em nosso país no que diz respeito a preservar e respeitar mais a autonomia do indivíduo. Os cuidados paliativos devem ser uma das opções a serem escolhidas para o indivíduo que deseja expressar suas diretivas antecipadas e que não quer ser submetido a procedimentos que vão lhe trazer mais sofrimento que benefício, e que não poderão curá-lo".

Referências:

1 - Advanced Care Planning: Pearls, Perils, Pitfalls, and Promises, Swetz, K

2 - Patient Self-Determination Act of 1990. Levin SM, trans. 101st Congress (1989-1990) ed1990

3 - Sudore RL, Boscardin J, Feuz MA, et al: Effect of the PREPARE website vs an easy-to-read advance directive on advance care planning documentation and engagement among veterans: A randomized clinical trial. JAMA Intern Med 10.1001/jamainternmed.2017 [epub ahead of print on May 18, 2017]

4 - Hoverman JR, Taniguchi C, Eagye K, et al: If we don’t ask, our patients might never tell: The impact of the routine use of a patient values assessment. J Oncol Pract doi:10.1200/JOP.2017.022020