Senado aprova uso da fosfoetanolamina

ON10_FRONTPAGE_MAINPIC_NET_OK.jpgDe nada valeram os apelos das sociedades médicas e de toda a comunidade científica. Mesmo sem ter sido testada de acordo com as metodologias científicas internacionalmente utilizadas para comprovar segurança e eficácia, o Plenário do Senado aprovou nesta terça-feira, 22 de março, o Projeto de Lei 3/2016, que autoriza pacientes com câncer a usarem a a fosfoetanolamina sintética antes de seu registro pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Foto: Cecília Bastos/Jornal da USP

Em uma velocidade impressionante para o padrão da política nacional, o PL 3/2016 foi aprovado na Câmara dos Deputados dia 08 de março, recebeu o apoio da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado (CCT) no dia 15 de março, e seguiu com pedido de urgência para a última votação no plenário do Senado, onde foi aprovado. O projeto segue agora para sanção presidencial.

O projeto autoriza a produção, importação, prescrição, posse ou uso da substância independentemente de registro sanitário, em caráter excepcional, enquanto estiverem em curso estudos clínicos acerca do produto. Para produzir, importar, prescrever e distribuir a substância, os agentes precisam ser regularmente autorizados e licenciados pela autoridade sanitária competente.

Para fazer uso da substância, definida como de relevância pública, o paciente deve apresentar laudo médico que comprove o diagnóstico e assinar termo de consentimento e responsabilidade. 

Cápsula não mostrou atividade antitumoral nos primeiros testes in vitro 

Os resultados dos primeiros testes com a substância produzida no Instituto de Química da USP de São Carlos, encomendados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), mostraram que as cápsulas não são puras, e tampouco apresentam atividade contra células cancerígenas em testes ‘in vitro’.
 
análise dos professores Luiz Carlos Dias, do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Eliezer Barreiro, coordenador científico do Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas (LASSBio), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), demonstrou que as cápsulas verificadas não são puras, e sim contêm cinco componentes, em diferentes concentrações: 32,2% de fosfoetanolamina, 18,2% de monoetanolamina, 3,9% de fosfobisetanolamina, 38,5% de fosfatos e 7,2% de água.
 
O estudo avaliou a atividade citotóxica e antiproliferativa dos compostos sobre células humanas de carcinoma de pâncreas e melanoma ‘in vitro’. Os resultados descritos no relatório parcial demonstram que somente a monoetalonamina apresentou alguma atividade, sendo “várias ordens de magnitude menos potente que os antitumorais cisplatina e gencitabina, utilizados como controle positivo. Já a fosfoetanolamina e a fosfobisetanolamina não apresentaram nenhuma atividade citotóxica nem antiproliferativa em nenhuma das três metodologias utilizadas”, concluiu.
  
Os cinco primeiros relatórios das pesquisas financiadas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para avaliar a segurança e eficácia da fosfoetanolamina estão disponíveis aqui.

 

Comunidade científica é contrária 

Oncologistas, profissionais de pesquisa clínica, Anvisa, Instituto Nacional do Câncer (INCA), a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e a Sociedade Brasileira de Cancerologia (SBC) vêem com preocupação a aprovação.

Para o oncologista Gustavo Fernandes, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), a situação é abaixo da crítica. “É tudo o que o Brasil não precisa. Estamos vivendo uma crise institucional imensa, temos vários problemas para o legislativo resolver, inclusive problemas políticos, e se resolve aprovar uma substância sem nenhum embasamento técnico, de maneira oportunista. Acho que essa é a palavra, não tem outra. Mais uma vez é o uso eleitoral e populista de qualquer tipo de informação”, critica. “Quem vai ter que pedir desculpas no futuro para os brasileiros pela vergonha que isso está sendo frente ao mundo são os senhores deputados e senadores”, acrescenta.
 
Em entrevista ao Jornal O Estado de São Paulo, o presidente da Anvisa, Jarbas Barbosa, havia classificado a autorização como ‘um precedente perigoso’. “A liberação sem pesquisas pode colocar em risco a população, o sistema regulador e até a indústria. “Não podemos encurtar caminho apenas recorrendo ao lobby no Congresso”, alertou.
 
O Instituto Nacional de Câncer (INCA) reforçou a real necessidade dos estudos, ‘já que seu uso pode acarretar riscos aos pacientes, frequentemente já debilitados, e impedir a identificação dos seus potenciais benefícios’. Segundo comunicado enviado pela assessoria de imprensa, o Instituto ressaltou que a produção e uso de medicamentos nos país deve obedecer às regras e pareceres da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), órgão especializado na área.
 
A Sociedade Brasileira de Cancerologia (SBC) também se manifestou, afirmando que até o momento não há dados suficientes que comprovem a eficácia e a segurança deste composto para se prescrever como modalidade de tratamento. “A inexistência de uma análise minuciosa e séria, com base nos critérios científicos aceitos mundialmente, além de seu registro definitivo na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não permitem que a fosfoetanolamina sintética seja considerada como um medicamento. Não podemos apoiar a legalidade de algo que não apresenta valor médico”.

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