Estudo LEA tem resultados negativos

BALANCO_MAMA_bx.jpgA adição de bevacizumabe à terapia endócrina como primeira linha de tratamento não atrasa o aparecimento do mecanismo de resistência a agentes como letrozol e fulvestrano no câncer de mama HER2 negativo com receptor hormonal positivo. O estudo LEA (Letrozol, Fulvestrano e Avastin) não conseguiu demonstrar ganho de sobrevida livre de progressão com o uso do inibidor de EGFR. O oncologista Marcio Debiasi, Preceptor do Serviço de Oncologia da PUCRS e do Instituto do Câncer Mãe de Deus, em Porto Alegre, comenta com exclusividade para o Onconews.

Métodos

LEA é um estudo multicêntrico bi-nacional (Espanha e Alemanha), aberto, randomizado, de fase III, que acrescentou bevacizumabe (15 mg / kg a cada 3 semanas) à terapia endócrina (letrozol ou fulvestrano) como tratamento de primeira linha em pacientes na pós-menopausa com câncer de mama avançado HER2 negativo, com status positivo para o receptor hormonal.

O desfecho primário era sobrevida livre de progressão (SLP). Sobrevida global (SG),  taxa de resposta global (TRG), duração da resposta (DR), tempo para falha do tratamento (TFT), taxa de benefício clínico (TBC) e segurança também foram avaliados, porém como desfechos secundários. O estudo foi originalmente planejado para recrutar 378 pacientes (270 eventos) de modo a atingir 80% de poder para detectar um incremento absoluto de 4 meses de SLP.

No entanto, durante a fase de recrutamento, o número de eventos foi recalculado e reduzido para 232 para que o estudo mantivesse 80% de poder em identificar um acréscimo absoluto de 4 meses na SLP (SLP estimada do grupo controle: 9 meses).

Resultados

De 380 pacientes recrutados no período de 2007 a 2011, 374 foram analisados ​​por intenção de tratar, sendo 184 pacientes tratados com terapia endócrina (HT) e 190 com terapia endócrina + bevacizumabe (HT-B). A idade média era de 65 anos, 178 pacientes (48%) tinham metástases viscerais, 171 pacientes (46%) haviam recebido quimioterapia antes de ingressar no estudo e 195 pacientes (52%) já haviam recebido terapia endócrina.

Depois de ocorridos 263 eventos, não houve diferença estatisticamente significativa entre as medianas de SLP do braço TE (14,4 meses) em relação ao braço TE-B (19,3 meses) (HR: 0,83; IC 95%, 0,65-1,06; P = 0,126) apesar de a taxa global de resposta ter sido superior no grupo que utilizou bevacizumabe (41% vs 22%, p<0,001). A sobrevida global e o tempo de falha ao tratamento foram semelhantes entre os dois braços ao passo que a adição do inibidor de VEGF aumentou a taxa de ocorrência de toxicidades grau 3 ou 4, destacando-se hipertensão, elevação de aminotransferases e proteinúria. Além disso, oito pacientes (4,2%) que receberam TE-B morreram durante o estudo ou no prazo de 30 dias após o término do tratamento.

Discussão

É sabido que os hormônios sexuais femininos participam na regulação da angiogênese no câncer de mama, induzindo proliferação, recorrências precoces e resistência à hormonioterapia(2-5). Apesar de esta premissa indicar papel promissor para o uso de antiangiogêncios neste cenário clínico, diversos estudos falharam em confirmar de forma inequívoca a eficácia do bevacizumabe para esta indicação, apresentando resultados heterogênios.6-12

A associação de bevacizumabe à quimioterapia citotóxica é mais bem estudada do que a associação deste com a hormonioterapia. O estudo RIBBON-1 apenas demonstrou discreto aumento de SLP no tratamento de primeira linha de pacientes com câncer de mama metastático recebendo bevacizumabe associado à quimioterapia versus quimioterapia isolada.13

No cenário da neoadjuvância, a adição de bevacizumabe à quimioterapia aumentou a taxa de resposta patológica completa (RPC) de 48% para 59% (p<0,01), porém o estudo BEATRICE falhou em demonstrar a utilidade clínica do bevacizumabe associado à quimioterapia no tratamento adjuvante de pacientes com tumores triplo-negativos.12

O estudo LEA foi desenhado para avaliar a associação do bevacizumabe à terapia endócrina (letrozol ou fulvestranto) no tratamento de primeira linha de pacientes com câncer de mama metastático com receptores hormonais positivos e HER2 negativo.1 O racional teórico que embasao planejamento deste estudo é proveniente de dados de um ensaio clínico de fase II que demonstrou resultados promissores com a associação de bevacizumabe à hormonioterapia (sobrevida livre de progressão de 13,5 meses). Todavia, apesar da perspectiva otimista, o LEA falhou em demonstrar impacto em SLP (19,3 vs 14,4 meses; p=0,13) ou em SG (52,1 vs 51,8 meses; p=0,52).
 
Verificou-se que o grupo controle apresentou SLP maior do que o esperado pelos autores quando estes planejaram o estudo (SLP mediana estimada para o grupo controle: 9 meses; SLP mediana real do grupo controle: 14,4 meses).

Quando se considera a sobrevida global (SG), erros relacionados a subestimação deste parâmetro em pacientes submetidos ao tratamento padrão (grupo-controle) nos ensaios clínicos atuais está se transformando em um problema corriqueiro, em virtude do desenvolvimento de melhores terapias nas linhas subsequentes e do “cross-over” entre os braços dos tratamentos que ocorre em muitos estudos. Aqui, porém, esta justificativa não se aplica, posto que o erro de estimativa ocorreu na SLP em pacientes submetidas a tratamentos já conhecidos: letrozol e fulvestranto.

A hipótese dos autores  é de que a discrepância  deve-se à baixa exposição das mulheres do estudo a terapias endócrinas prévias e ao fato de não terem sido incluídas pacientes HER2 positivas. De fato, a baixa exposição prévia das pacientes a terapias endócrinas anteriores pode ter contribuído para que o grupo controle apresentasse melhor desempenho em termos de SLP; e este é um fator sobre o qual os autores não têm ingerência.

Porém, a opção de incluir apenas pacientes com tumores de melhor prognóstico (tumores HER2-negativos) foi decisão do time que planejou o estudo, fato este que deveria ter sido considerado na estimativa da SLP do grupo controle.
 
O modesto benefício em termos de SLP encontrado não ultrapassou o limiar mínimo estabelecido no estudo para atingir a significância estatística. Neste contexto, é acertado exigir benefícios clínicos mais substancias para considerar a adição do bevacizumabe à endocrinoterapia, uma vez que esta estratégia agrega importante toxicidade.Destaca-se que a intervenção do estudo aumentou de forma significativa a incidência de hipertensão, elevação de aminotransferases e proteinúria graus 3 ou 4. Além disso, oito mortes possivelmente relacionadas ao tratamento ocorreram no grupo experimental. 

Conclusão

A adição de bevacizumabe à terapia endócrina no tratamento de primeira linha em mulheres com câncer de mama avançado HER2 negativo e receptor hormonal positivo não é recomendada.Informações do ensaio clínico: NCT00545077.
 
Referências:
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3. Nakamura J, Savinov A, Lu Q, et al: Estrogenregulates vascular endothelialgrowth/permeabilityfactorexpression in 7,12-dimethylbenz(a)anthracene-inducedratmammarytumors. Endocrinology 137:5589-5596, 1996

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