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AtualizadoQui, 28 Mar 2024 7pm

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Daichii Sankyo

 

Desafios e oportunidades na pesquisa clínica brasileira

grafico_geografia_inovacao.jpgIndústrias e pesquisadores estão na expectativa de novas regras para a pesquisa clínica no Brasil e mostram que diante do cenário atual, fazer estudos aqui exige sorte e boa dose de persistência. A Anvisa promete mudanças e quer associar a etapa de registro de um novo medicamento a todo o processo de seu desenvolvimento.

 {jathumbnail off}Todo mundo se queixa da regulação brasileira em pesquisa clínica. Existe o reconhecimento da importância de uma moldura de bioética, mas as queixas sobre os processos regulatórios se acumulam, com críticas que vão da morosidade dos prazos de análise e aprovação aos critérios para a inclusão dos participantes de pesquisa, sem falar dos mil e um problema do sistema CEP/CONEP. Mas mesmo diante de um cenário que já foi descrito como a agonia da pesquisa clínica brasileira, há estudos importantes que conseguiram aportar por aqui.

Em câncer de mama HER2, o estudo de fase III PERUSE é um dos que têm a participação de pacientes brasileiros (NCT01572038). Financiado pela Roche, investiga a segurança e tolerabilidade do uso de pertuzumabe e trastuzumabe em combinação com um taxano como primeira linha de tratamento em mulheres com câncer de mama HER2 positivo metastático ou recorrente. É uma pesquisa multicêntrica que recrutou cerca de 1500 pacientes, em 321 centros mundiais – 7 deles no Brasil. O oncologista Antonio Carlos Buzaid é o investigador principal. “O PERUSE deu às pacientes do Brasil a oportunidade de receber a combinação de trastuzumabe, pertuzumabe e taxano que é hoje o esquema mais ativo na doença HER2 positiva, conforme demonstrado pelo estudo CLEOPATRA”, afirma Buzaid, do Centro Oncológico Antônio Ermínio de Moraes (COAEM).

"Temos investigadores, temos centros bem formados, mas tudo isso fica a mercê de uma burocracia


 
Para câncer de mama com o mesmo tipo histológico, pelo menos cinco outros importantes estudos de fase III estão ativos com o apoio da Roche, a maior parte atualmente na etapa de recrutamento. É o caso do KATHERINE, que investiga a terapia adjuvante com o conjugado TDM-1 em pacientes com doença residual (trastuzumabe-emtansise versus trastuzumabe). Multicêntrico, o estudo envolve a participação de 305 centros de pesquisa no mundo, 12 deles no Brasil, incluindo Jaú e Barretos (NCT01772472).
 
Outro multicêntrico com participação de pacientes brasileiros é o TRINOVA-1. Está em 225 centros no mundo, seis no Brasil, com patrocínio da Amgen. O estudo avaliou mais de 900 mulheres com câncer de ovário resistente à platina e em análises interinas apresentou bons resultados iniciais com o agente da biofarmacêutica americana. ”Queremos agora confirmar a eficácia do produto em termos de progressão”, explica Marcelo Vianna de Lima, diretor médico da Amgen, para quem a participação de pacientes brasileiros ficou aquém das expectativas. “Em estudos competitivos, onde a inclusão objetiva determinado número de participantes ou determinado desfecho, o Brasil sai perdendo. Temos muitos investigadores com grande experiência, temos centros bem formados, mas tudo isso fica a mercê de uma burocracia”, lamenta. “Mesmo com um esforço enorme, nossos centros não conseguem aprovar os projetos em tempo hábil. Quando finalmente sai a aprovação, o estudo já atingiu o número de pacientes. Se nós tivéssemos o tempo que outros centros do mundo têm, teríamos uma participação muito significativa de pacientes, mas essa, lamentavelmente, não é a nossa realidade hoje”, diz.

Acesso

O celebrado trial CHECKMATE 057 também contempla a participação de pacientes brasileiros e investiga o anti PD-1 nivolumabe comparado a docetaxel no tratamento de câncer de pulmão não pequenas células. O estudo é da Bristol-Myers e está em andamento, com a presença de seis centros brasileiros (NCT01673867). Como a principal causa de morte por câncer, o câncer de pulmão continua a ser uma área de necessidade médica não atendida, o que dimensiona a importância do estudo financiado pela BMS.
 
A Pfizer também trouxe para nove instituições brasileiras estudo realizado em 276 centros de pesquisa no mundo. O estudo de fase II investiga o agente PF-02341066 em pacientes com câncer de pulmão não-pequenas células com fusão ALK positiva, que não receberam terapia sistêmica ou inibidores de tirosina-quinase(NCT00932451).
 
Quem acompanha as inovações no tratamento do câncer de próstata identifica diferentes desenhos de estudo com agentes de última geração. É o caso do trial ERA 223, de fase III, duplo-cego, que estuda o uso combinado do radium-223, o Xofigo®, com a abiraterona, em câncer de próstata resistente a castração com metástases ósseas (NCT02043678). O estudo é patrocinado pela Bayer e tem a colaboração da Janssen. São 156 centros participantes, cinco no Brasil. Outro multicêntrico de fase III com participação brasileira é o ensaio da Janssen, que investiga o uso do acetato de abiraterona em pacientes com câncer de próstata recém diagnosticados, antes do tratamento hormonal.
 
Na onco-hematologia, o PANORAMA-1 fez história no Brasil no estudo do mieloma múltiplo. “O nosso centro foi o segundo no mundo em recrutamento”, comemora Vânia Hungria, da Santa Casa de São Paulo.
 
A receita do sucesso tem boas doses de sorte e muita dedicação. “Até me cansa falar como demora um estudo aqui no Brasil. Como sabíamos que o estudo vinha, ficamos em cima e corremos contra o tempo para conseguir as aprovações regulatórias. Conseguimos recrutar o primeiro paciente depois de nove meses – o que é um recorde para a nossa realidade. Então, desta vez conseguimos um número significativo de pacientes”, explica a onco-hematologista. “É um trabalho de muitos braços, todo mundo sempre atento aos protocolos que estão chegando e com muita disposição para vencer os empecilhos que temos no Brasil. O FDA veio em julho deste ano inspecionar o nosso trabalho e constatou que além de sermos o segundo centro recrutador no mundo também temos bons processos e boa qualidade de dados”, acrescenta.
 
O PANORAMA-1 é um estudo de fase III, randomizado, com pacientes de mieloma múltiplo. Um braço recebe tratamento padrão com bortezomibe, dexametasona e placebo e o outro é tratado com bortezomibe, dexametasona e panobinostat.
“Agora um novo estudo está no colo de alguém na CONEP à espera de ser aprovado, ou está sob análise na Anvisa”, diz ela. É o CLARION, que trouxe muita expectativa, porque é uma forma de dar acesso aos pacientes. A previsão era colocar cerca de 800 pacientes, mas pela demora da CONEP o mundo já colocou 600 e até agora não recrutamos nenhum”.

Transição

O que está na pauta da Anvisa desde a CP 65 vai definir os rumos da pesquisa clínica no Brasil. O clima é de expectativa. “A partir do momento que você não aprova somente uma pesquisa, mas todo um projeto de desenvolvimento, a expectativa é de uma análise mais abreviada na etapa de registro. Olhar a aprovação da pesquisa clínica de uma forma mais macro, que considera todo o processo de desenvolvimento, é claramente um sinal de que a agência reguladora já está avaliando hoje algo que daqui a dois ou três anos vai se refletir em um processo de análise de registro mais abreviado”, prevê o diretor médico da Amgen. “O processo de avaliação de eficácia daquela molécula e da superioridade que ela pode representar em relação à terapia de comparação já está em análise desde a etapa de pesquisa, diluído ao longo de todo esse processo e não depois dos estudos terem acontecido, como é hoje. O que se espera é que o processo de registro seja muito mais técnico e vinculado a elementos científicos”, acredita.
 
O médico Phillip Scheimberg desenvolveu mais de 10 protocolos clínicos de pesquisa como investigador principal, em 13 anos de atuação no NationalInstitutesof Health, o consagrado NIH, em Maryland, nos Estados Unidos, hoje o maior centro de pesquisa clínica do mundo. É com essa bagagem que ele comenta o papel da pesquisa clínica. “Muitas vezes, é a forma de trazer novas terapêuticas aos pacientes, em uma fase mais precoce. É nossa obrigação brigar pelo direito de ter essas pesquisas aqui no país”, defende.

"Muitas vezes, é a forma de trazer novas terapêuticas aos pacientes, em uma fase mais precoce

Sobre o processo de análise brasileiro, Scheinberg avalia que a Consulta Pública não previu uma série de aspectos. “É preciso estabelecer uma discussão sadia sobre os novos desfechos que devem ser aplicados no dia a dia para a análise de um dossiê para registro de produtos na área da oncologia. A medicina evolui, a estatística evolui e nós precisamos ter novos pontos de embasamento sobre eficácia, segurança e aplicabilidade de novas terapêuticas, especificamente no câncer”, argumenta.
O quanto isso vai ser internalizado no processo de revisão da Anvisa, só a diretoria colegiada da própria agência reguladora poderá responder.
 
A Anvisa promete mais agilidade. “O prazo é outra grande preocupação de todos nós, desde gestores, aos clínicos que trabalham na área e à própria equipe técnica. A principal mudança desse processo é a forma de avaliação do dossiê de pesquisa clínica. Avaliar esse dossiê de uma maneira mais próxima do desenvolvimento dessa droga vai dar a possibilidade do registro ser muito mais célere. Vamos avaliar o desenvolvimento da droga a par e passo com os estudos clínicos”, diz o diretor da Anvisa, Renato Alencar Porto, consciente de que a posição da Agência nos últimos anos desagradou toda a cadeia, da P&D até a etapa de registro dos novos fármacos.
 
Vânia Hungria expressa um sentimento geral. “O que a gente precisa no Brasil é fazer com que a CONEP e a própria Anvisa ganhem agilidade, senão não vamos conseguir sair do lugar. Nós fazemos de tudo para trazer os estudos clínicos para o Brasil, nos empenhamos para recrutar e informar os pacientes, mas a regulação precisa ajudar”, conclui.


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