Tempo de otimismo

PG1_MAIN_PIC__1__NET_1.jpgA histologia de células claras, que representa mais da metade dos casos de câncer renal, vive progressos sem precedentes, assim como o câncer de próstata metastático e resistente à castração

Valéria Hartt
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Colaborou: Sergio Azman
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A uro-oncologia vive tempos de otimismo, graças aos avanços nos métodos de diagnóstico, novas abordagens cirúrgicas e à chegada de modernas opções terapêuticas em tumores como próstata e rim. Mas é preciso reconhecer também poucos avanços no tratamento do câncer de bexiga e desafios a mais no panorama do câncer de pênis no Brasil, o que projeta o país como o campeão mundial na incidência da doença, com índices acima da média mundial.

“Apesar dos desafios, é um momento de grande entusiasmo”, diz Carlos Eduardo Corradi Fonseca, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU). O câncer renal de células claras esbanja novidades e deixou para trás o cenário de limitadas opções na doença avançada. Hoje, é possível afirmar que o carcinoma renal de células claras é uma das plataformas da terapia alvo-molecular no contexto de segunda linha, indicando a compreensão crescente das vias de sinalização e dos mecanismos moleculares da doença.

O papel do receptor do fator de crescimento epidérmico (EGRF) ficou mais claro e a superexpressão de EGRF foi identificada em grande parcela dos tumores renais com histologia de células claras, hoje entendida como marcador que permite predizer a resposta terapêutica a agentes anti-EGRF.

O cenário do câncer de próstata é outro a ingressar em um novo contexto terapêutico, onde descobertas recentes redesenham a terapia hormonal padrão na doença metastática e diferentes opções ampliam as possibilidades de tratamento para o paciente resistente à castração. Depois do cabazitaxel (Jevtana®), que demonstrou ganhos estatisticamente significativos de sobrevida livre na comparação com mitoxantrona, outros agentes disputam o cenário da doença hormoniorresistente.

E enquanto algumas áreas da uro-oncologia celebram progressos consistentes, outras ainda vivem um ambiente de tímidas mudanças. “O tratamento do câncer de bexiga é praticamente o mesmo de décadas atrás”, explica Corradi, em mais uma importante perspectiva associada ao cenário do câncer genitourinário.

Nesta reportagem, Onconews apresenta os avanços e desafios da uro-oncologia, com a opinião de grandes especialistas.

 

Carcinoma renal na era da terapia-alvo

RIM_CAPA_NET_OK.jpgO câncer renal ou carcinoma de células renais é a terceira neoplasia genitourinária mais frequente, com aumento da incidência nos últimos 20 anos e impacto crescente nos custos da saúde. O câncer renal é duas vezes mais frequente em homens e pode estar associado a fatores hereditários, como a doença de Von-Hippel-Lindau (VHL).

Com o auxílio da biologia molecular, poucas neoplasias tiveram avanços tão significativos, o que explica a concepção atual de que o câncer de rim não é uma doença única, mas sim um conjunto de tumores de diferentes sub-tipos. A histologia de células claras responde pela grande maioria dos casos.

A cirurgia é o tratamento curativo de escolha, mas uma controvérsia se mantém na hora de eleger a nefrectomia radical ou parcial. Na ASCO de 2011, estudo apresentado por Max Kates e colegas mostrou que a nefrectomia radical ampliou o risco de morte (HR: 2.24; 95% CI: 1.75–2.84) e na análise interina também ampliou as taxas de óbito por complicações cardiovasculares (HR: 2.53; 95%CI 1.51-4.23).

Childs e colegas realizaram uma análise retrospectiva, entre 1980 e 2008, com média de acompanhamento de 8,3 anos. Foram considerados 442 pacientes com lesão benigna unilateral e mesmo nesse subgrupo o risco de morte após nefrectomia radical foi 1,57 vez maior quando comparado ao grupo submetido à nefrectomia parcial
(p = 0.029).

“A nefrectomia parcial é indicada para tumores com menos de 7 centímetros e já existem estudos mostrando que a cirurgia parcial com preservação do órgão também é possível em tumores maiores”, explica Marcos Dall Oglio, professor Livre Docente da Faculdade de Medicina da USP.

A linfadenectomia (LND) não é recomendação de rotina, mas pode ter papel em casos selecionados, no contexto da cirurgia citorredutora. “Não é consenso. É recomendável quando já no diagnóstico e estadiamento foi identificado o nódulo aumentado de volume ou até nas situações em que durante a cirurgia se observa a presença de linfonodos presentes no hilo renal. Nesses casos, a obrigação é retirar, mas não há indicação para a linfadenectomia estendida em todo o plano retroperitoneal”, ensina.

A ablação por radiofrequência também foi incorporada ao arsenal terapêutico. O primeiro procedimento foi realizado em 1997 e desde então é adotado em importantes centros urológicos do mundo, para pacientes selecionados. Por acesso percutâneo ou laparoscópico, a ablação por radiofrequência é obtida com temperatura entre 50o-100oC, que destrói as células tumorais.

A crioablação é outra novidade que se soma às técnicas minimamente invasivas empregadas no câncer renal. Metanálise publicada em 2008 identificou 22 séries de casos de câncer de rim tratados com crioablação, em um total de 600 tumores. A menor morbidade operatória, a possibilidade de tratamento ambulatorial e a possibilidade de considerar pacientes com alto risco cirúrgico são as principais vantagens das técnicas minimamente invasivas. A indicação é para pequenos tumores corticais (≤ 3 cm) encontrados incidentalmente em pacientes idosos; para pacientes com rim único e alto risco de perda da função renal em uma nefrectomia parcial; tumores em paciente com predisposição genética para desenvolver lesões múltiplas e, finalmente, a indicação para tumores renais bilaterais.

Com a maior oferta de exames de imagem, grande parte dos casos de câncer renal é diagnosticada hoje de forma incidental e os indivíduos são assintomáticos, sem apresentar a tríade clássica, caracterizada por hematúria, dor lombar e massa palpável.

Na doença avançada, o tratamento sistêmico trouxe uma verdadeira revolução. Durante décadas, a terapia de citocinas como interleucina e interferom foi o tratamento padrão para o câncer renal metastático. Agora, com o conhecimento maior da biologia molecular, uma série de novos agentes está disponível para a doença avançada, o que inaugura um novo paradigma no tratamento. Anti-angiogênicos diretamente envolvidos no bloqueio dos receptores VEGFR e PDGFR demonstraram ação importante e têm sido empregados no carcinoma renal metastático.

O estudo AXIS mostrou a eficácia do axitinib (Inlyta®) e do sorafenibe (Nexavar®) no cenário da doença avançada. Outro agente usado no contexto da segunda linha é o pazopanibe (Votrient®), aprovado pelo FDA em 2009.

O anticorpo bevacizumabe também tem papel na doença metastática, recomendado após falha do tratamento de primeira linha com citocinas. O inibidor de mTOR temsirolimus é opção nos casos refratários à terapia com inibidores de tirosina-quinase.

“Sem dúvida, foi uma grande mudança que adicionou maior expectativa de vida aos pacientes”, diz Dall Oglio, que lembra que mesmo na doença metastática existe espaço para a cirurgia citorredutora. “Quando se retira cerca de 90% do volume do tumor, a expectativa de vida desse doente aumenta. A citorredução combinada com os modernos agentes terapêuticos amplia significativamente a sobrevida desses doentes”.

Desafios – Apesar das novidades, o maior desafio ainda é a doença sistêmica. O câncer renal metastático continua como doença de alta morbidade, com a mais alta taxa de morte entre os tumores genitourinários. Outra preocupação é relacionada ao surveillance. Cada vez mais, lesões pequenas são identificadas em exames de imagem e é nesse contexto que a vigilância ativa pode oferecer vantagens, ao poupar o paciente de um trauma cirúrgico e do risco perioperatório associado. Por outro lado, também existem argumentos contra a estratégia de vigilância ativa. Viver com
um tumor renal potencialmente maligno pode ser importante fator de estresse para muitos pacientes, sem falar nos custos de acompanhamento com imagens regulares e dos riscos associados à exposição à radiação. A maior crítica ainda recai sobre a falta de grandes estudos prospectivos que possam atestar os resultados de longo prazo de uma estratégia de vigilância no carcinoma renal. Outro desafio é a falta de marcadores preditivos capazes de prever adequadamente a progressão de um pequeno tumor renal localizado sob vigilância ativa.

Poucas novidades em câncer de bexiga

BEXIGA_CAPA_NET_OK.jpgO Câncer de bexiga é o segundo tumor de maior incidência no trato urinário e tem como sinal mais evidente a hematúria, às vezes microscópica, o que ajuda a explicar a dificuldade do diagnóstico em fases iniciais da doença.
Para a classificação de risco, a proposta da European Association of Urology (EAU) considera o tamanho da lesão, grau e estadiamento.

A graduação histológica tem papel na escolha do tratamento e a classificação mais utilizada é a de 1998, do consenso OMS/ISUP (International Society of Urological Pathology, tabela 2).

Nos tumores superficiais, a cistoscopia com ressecção endoscópica transuretral das lesões é procedimento de escolha. Em função do alto risco de recorrência, o tratamento padrão adota a quimioterapia com mitomicina C em dose única até 24 horas pós-ressecção, além do regime de BCG, em doses de manutenção.
Nos tumores com invasão muscular, a cistectomia radical continua como conduta padrão, com construção da neobexiga.

Este ano, uma equipe mostrou na 50ª ASCO resultados encorajadores do anti PD-L1 no câncer de bexiga avançado. O grupo foi liderado por Daniel P. Petrylak, de Yale, e financiado pela Genentech. O antígeno, por ora batizado de MPDL3280A foi testado em estudo de braço único que recrutou 68 pacientes previamente tratados, 30 deles diagnosticados com PD-L1 positivo. Os pacientes receberam doses a cada três semanas por mais de um ano. A mediana do tempo de resposta terapêutica foi de 42 dias. Após um seguimento de seis semanas, a taxa de resposta objetiva (TRO) de acordo com o critério RECIST foi de 43% em pacientes com expressão positiva para PD-L1, alcançando 52% em 12 semanas. Em 7% dos pacientes com anti PD-L1 positivo observou-se resposta completa, desfecho que chegou a 11% nos pacientes PD-L1 negativos.

“É a primeira vez em muitos anos que um estudo importante mostra resultados encorajadores, mas é sempre bom manter cautela diante desses novos achados”, diz Corradi, recomenda Carlos Eduardo Corradi Fonseca, da Sociedade Brasileira de Urologia.

Desafios - Um dos grandes desafios é a seleção dos pacientes com carcinoma papilífero de baixo grau que irão recorrer ou progredir. Outro problema é o estadiamento adequado. A tomografia computadorizada abdominal e pélvica ou a ressonância magnética são exames de rotina, mas têm limitações para avaliar a extensão de tumores invasivos ou metástases intra-abdominais. O PET-CT, a tomografia por emissão de pósitrons, também apresenta indicações limitadas na pesquisa de metástases `distância e na recidiva tumoral.  

Seminomas e tumores de pênis têm altas taxas de cura

P__NIS_TEST__CULO_CAPA_NET_OK.jpgO câncer de testículo, apesar de relativamente raro, é o mais comum em homens jovens, com menos de 45 anos de idade. Com a estratificação de risco e a evolução na quimioterapia, principalmente à base de platina, é possível diagnosticar e tratar a maioria dos casos, com taxas de cura de 95% na doença inicial. No câncer de pênis a história se repete e o diagnóstico precoce garante a cura de 90% a 100% dos pacientes. Nos dois exemplos, os últimos anos não foram repletos de novidades, uma vez que o tratamento padrão está bem estabelecido, com resultados expressivos. “Hoje conhecemos muito bem os fatores prognósticos e conseguimos estratificar o risco”, explica Wesley Magnabosco, do Hospital de Câncer de Barretos.

Dividido em dois subtipos histológicos - seminomas e não-seminomas – o câncer de testículo repete a heterogeneidade presente em outras neoplasias. Os tumores não seminomatosos incluem o carcinoma de célula embrionária (15%-20%), teratoma (5%-10%) e coriocarcinoma (menos de 1%). Como marcadores, a gonadotrofina coriônica (HCG) e a alfa-fetoproteína (AFP) são úteis para diagnóstico e estadiamento da doença.

O tratamento primário é a cirurgia, com retirada radical do testículo, e as técnicas minimamente invasivas começam a disputar espaço com a cirurgia aberta, principalmente na linfadenectomia retroperitonial. Dependendo da classificação de risco é feita a quimioterapia. “Geralmente a primeira linha é o esquema PEB (bleomicina, etoposida e cisplatina). Na segunda linha o mais usual é a combinação VIP (vimblastina, ifosfamida e cisplatina)”, ensina Magnabosco.

No câncer de pênis, a incidência no Brasil varia conforme a região, de 5,5% a 16% no Norte e Nordeste e entre 1% e 4% no Sul e Sudeste. Do ponto de vista histológico, 97% dos casos são representados pelo carcinoma epidermóide.
Vários trabalhos mostram que a presença de fimose e prepúcio exuberante, associada a condições precárias de higiene, tem associação causal. Inversamente, a circuncisão tem efeito protetor. Apesar de ainda não haver provas inequívocas da infecção pelo Papilomavírus humano (HPV) com o desenvolvimento do câncer de pênis, vários trabalhos demonstram a associação de 30% a 50% dos casos com o HPV, em especial do tipo 16.

Três lesões pré-neoplásicas aparecem na literatura, também descritas como lesões intra-epiteliais de alto grau (PIN) ou carcinoma in situ do pênis. São elas a erithroplasia de Queyrat, que normalmente acomete a glande ou prepúcio, além da doença de Bowen e da papulose bowenoide, que ocorrem no corpo do pênis. Alguns casos podem se apresentar clinicamente avançados, acometendo mais de um sítio.

A evolução do carcinoma de pênis é normalmente insidiosa, com progressão loco-regional. Apesar da natureza vascular do pênis, as metástases são na maioria das vezes por via linfática. A avaliação dos linfonodos tem papel fundamental como fator prognóstico mais relevante e a linfadenectomia tem importância diagnóstica e terapêutica.

“O tratamento do tumor localizado deve ser individualizado de acordo com sua localização, extensão, infiltração tecidual e grau de indiferenciação histológica”, recomenda Antonio Carlos Pompeo. “Pequenas lesões no prepúcio, não infiltrativas, podem ser tratadas por circuncisão. No outro extremo, lesões disseminadas necessitam de penectomia e em geral de terapia multimodal, que inclui a linfadenectomia inguinal e, eventualmente, quimioterapia sistêmica.

Atualmente, a possibilidade da confecção de neo-pênis nos pacientes amputados colabora significativamente para a estética e auto-estima.

Desafios - O câncer de pênis é um tumor que pode ser prevenido, mas campanhas populacionais ainda não são uma realidade no Brasil. Em relação aos tumores de testículo, o desafio ainda é a recidiva tardia, a partir de dois anos do diagnóstico, além do tumor refratário às linhas de quimioterapia existentes, como o teratoma.

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