Caminhos para a atenção oncológica

ON13_PG8_CAMINHOS_CAPA_NET_OK_PORTAL.jpgSubfinanciamento e dicotomias na relação público-privado desafiam o direito constitucional à saúde e impactam o fluxo do paciente em busca de cuidados. Articular e integrar os diferentes níveis de assistência é um dos caminhos para encurtar a fila de espera.

O World Cancer Report de 2014 mostrou que o impacto do câncer nos países em desenvolvimento deve representar 80% dos mais de 20 milhões de casos previstos para 2025. De acordo com o documento da IARC-OMS, a estimativa para o Brasil no biênio 20162017 indica 600 mil novos casos da doença. O cenário preocupa. Por que o paciente brasileiro chega quase sempre com câncer avançado, já sintomático, quando muitas vezes se perdeu a preciosa janela de oportunidade? São muitas as razões, mas parte da resposta está nos gargalos que impactam o sistema de regulação, aquele que define o fluxo do paciente na fila do sistema público de saúde.
 
Da teoria à prática, a pressão por acesso é perversa e muitas vezes leva tempo para trafegar entre os diferentes níveis que organizam a assistência no SUS, da atenção primária à alta complexidade.
 
A gestão do fluxo de pacientes foi desenhada pela Política Nacional de Regulação1. É ela que estabelece o chamado modelo de referência e contrarreferência entre os diferentes níveis de atenção, de abrangência local, intermunicipal e interestadual, segundo critérios de classificação de risco e protocolos pactuados.
 
Articular e integrar os diferentes níveis de assistência é um dos caminhos para encurtar a fila de espera e garantir os preceitos do SUS de integralidade e universalidade do acesso à saúde.
 
Estratégias
 
A Fundação do Câncer no Rio de Janeiro oferece suporte a secretarias municipais e estaduais de saúde do país no desenho de estratégias para enfrentar o câncer. O médico sanitarista e consultor da Fundação, Alfredo Scaff, explica que é fundamental implantar uma outra lógica nas ações de controle do câncer, a começar por estratégias com um caráter de política de Estado e não de governo. Trocando em miúdos, significa reconhecer que grande parte das mazelas do SUS tem raízes na falta de compromisso político com o financiamento à saúde.
 
Entre os 193 países avaliados no ranking da OMS em 2011, o Brasil foi o 72º em investimento público em saúde. Apesar de um direito garantido pela Constituição, a saúde pública brasileira recebe apenas US$ 317 dólares per capita ao ano, vinte vezes menos que a Noruega.
 
Pela Lei2, municípios e Distrito Federal devem aplicar anualmente no mínimo 15% da arrecadação dos impostos na saúde, cabendo aos estados 12%. No caso da União, o movimento Saúde +10 reivindica pelo menos 10% das receitas correntes brutas para a saúde pública brasileira.
 
Está em debate não só o modelo de financiamento do SUS, mas o modelo de gestão. “O Ministro deveria se preocupar em melhorar o SUS e garantir os recursos da saúde, sem permitir que sejam contingenciados”, diz Walter Cintra Ferreira Junior, coordenador do curso de especialização em Administração Hospitalar e de Sistemas de Saúde da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo.
 
Sem corrigir distorções históricas, organizar o fluxo do paciente de câncer dentro do sistema é por vezes como costurar uma grande colcha de retalhos, com o desafio de unir três esferas de atenção (de base, média e alta complexidade), além de lidar com profundos contrastes entre a realidade da União, estados e municípios.
 
“Desde muitos anos atrás existem privilégios por debaixo dos lençois favorecendo a medicina privada de diversas formas”, criticou Henrique Prata, diretor geral do Hospital de Câncer de Barretos, em encontro promovido em São Paulo por um grande grupo de mídia. “Veja o PRONON, programa que prevê a renúncia fiscal para financiar a medicina pública a se capacitar. Qual não foi a minha surpresa ao ver que nos tempos de hoje essa lei que deveria ser só para o sistema público também privilegiou o sistema privado, já com tantos privilégios. Conheço as benesses, mordomias e favores para a medicina privada sobre a renúncia fiscal em cima do recurso de arrecadação para a saúde”, acrescentou.
 
Até hoje, 43% dos pacientes com câncer não conseguem iniciar o tratamento pelo SUS no prazo de 60 dias, como prevê a Lei Federal sancionada em 2012 (Lei nº 12.732/12). E enquanto crescem as dificuldades de acesso na oncologia, somente com o tratamento do câncer, as despesas do SUS crescem de forma exponencial, com um aumento de 357% de 2000 a 2014.
 
Fica a síntese de que o subfinanciamento e a gestão do SUS têm impacto gigantesco sobre os problemas da saúde pública, mas não bastam para explicar o cenário atual. Nesta reportagem, Onconews mostra que a pressão da transição epidemiológica, o modelo de formação médica e até a integração de uma complexa malha de dados e sistemas de informação contam pontos na hora de organizar o fluxo de assistência.

Baixo Investimento

Dados apresentados pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde mostram que o Brasil é o país com sistema universal de saúde que menos aporta recursos no setor. Enquanto Canadá, França, Suíça e Reino Unido investem entre 7,6% e 9,0% do PIB, o Brasil destina apenas 4,7%. A média de investimento é menor que a de países como Colômbia e Uruguai, até mesmo abaixo que a de países africanos (10,6%). Como aponta o Conselho Nacional de Saúde (CNS), a proposta de emenda constitucional enviada pelo Governo ao Congresso Nacional em junho deste ano, instituindo o índice da inflação como teto máximo para gastos públicos por um período de 20 anos, reduzirá ainda mais o subsídio, que já está próximo do investimento mínimo previsto na Constituição, de 13,2% da renda corrente líquida. O presidente do CNS, Ronald Ferreira dos Santos, disse em nota pública que “O que pretende o Ministro da Fazenda com a proposta é impedir que se mantenha o padrão de gasto de 2014, inviabilizando completamente o atendimento à população”.
 
Referências:
1. Portaria GM/MS nº 1.559 (2008)
2. Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012

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