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AtualizadoQua, 27 Mar 2024 5pm

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Entre a fé e a ciência

ON10_FRONTPAGE_MAINPIC_NET_OK.jpgParecer do Instituto Nacional do Câncer (INCA) enviado ao STF no final de janeiro é parte de mais um capítulo no caso da fosfoetanolamina, que galvanizou a opinião pública e deixou perplexa a comunidade científica internacional. A polêmica parece longe de chegar ao fim.

Foto: Cecília Bastos/Jornal da USP

Por Ruth Helena Bellinghini
 
Desde a última semana de janeiro, repousa nos escaninhos do Supremo Tribunal Federal (STF) um parecer do Instituto Nacional do Câncer (INCA) que pode trazer de volta às manchetes a acalorada polêmica sobre a fosfoetanolamina. O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, solicitou o parecer do INCA para julgar ação cautelar ajuizada pela Universidade de São Paulo (USP) contra a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que obriga a Universidade a fornecer a substância para milhares de pacientes de câncer por força de liminares e ações judiciais. A USP alega que o produto não passou pelos testes necessários e a universidade não tem estrutura física e sanitária para produzi-lo (veja a carta de esclarecimento da Universidade aqui), como demonstram as fotos publicadas pelo Jornal da USP, em sua edição de 7 a 13 de dezembro de 2015, e que circularam recentemente pelo Supremo.

Se o STF julgar improcedente o pedido, o laboratório do Instituto de Química de São Carlos (IQ-SC) continuará a produção manual das cápsulas azuis e brancas e terá de lidar com o número crescente de ações vindas de tribunais de todo o país. Existe também a possibilidade de o STF liberar a substância apenas para uso compassivo. Mas se o Supremo der ganho à universidade, ela para de produzir a substância. E ninguém mais pode produzi-la, sob pena de ter o laboratório interditado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O personagem central dessa história é o químico Gilberto Chierice, que durante 25 anos produziu artesanalmente essa substância nas dependências da USP, em São Carlos, e a distribuiu para milhares de doentes (em uma de suas estimativas, ele diz que esse número pode chegar a 50 mil pessoas) que batiam à sua porta, sem que registrasse seus nomes, o câncer de que sofriam e sem acompanhar a evolução dos pacientes.

Em depoimento em audiência pública no Senado, Chierice reafirmou que jamais incorreu no crime de “exercício ilegal da medicina”. Seu associado, o clínico geral Renato Meneguelo, às vezes identificado como oncologista, declarou diante da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara Federal que os pacientes que tomaram a fosfo “jamais foram aconselhados a abandonar a medicina ortodóxica (sic)”.

Há quem sustente o contrário. “Posso confirmar que quem tomava fosfo recebia recomendação para não fazer quimio e radio, o que não se aplicou a meu pai, já em estado avançado, sem indicação para esses tratamentos. As pílulas eram distribuídas sem acompanhamento, sem controle do que acontecia. No caso do meu pai, Chierice deu as pílulas para meu irmão mais velho, nem conheceu meu pai, nem soube quando e como ele morreu”, garante o jornalista Alceu Castilho. Já desenganado, o pai de Castilho recusou-se até mesmo a receber cuidados paliativos, temendo que a medicação interferisse com a ação das “pílulas milagrosas”.

Isso ocorreu dentro da maior universidade da América Latina, à luz do dia, com conhecimento de diretores, professores, alunos do IQ e, certamente, da comunidade médica de São Carlos e região, até que, no ano passado, a universidade proibiu a prática. Foi quando começaram a aparecer as liminares determinando que a USP fornecesse a substância. Pouco a pouco, a história foi ganhando divulgação nas redes sociais. Mas quando o site G1 passou a acompanhar a história, o caso se disseminou de forma metastática. Pelas redes sociais, multiplicaram-se teorias conspiratórias sobre complôs da indústria farmacêutica, má vontade do governo e da Anvisa, além das suspeitas de um boicote à “descoberta”, muitas alimentadas pelo próprio Chierice em seus depoimentos ao Senado e à Câmara e em entrevistas a jornalistas complacentes.

O químico declarou várias vezes que testes clínicos haviam sido realizados em 1995 pelo Hospital Amaral Carvalho, de Jaú, fato negado pelo hospital. Não há nenhum registro ou documentação desse ensaio clínico na instituição.

Para o público leigo, isso pouco importa: bastaram os relatos de cura e melhora do quadro geral para que crescesse o movimento pela liberação imediata do produto.

Escritórios de advocacia correram atrás do novo filão, oferecendo perspectivas de obtenção de liminares ao custo de R$ 2 mil, a ponto de o Fórum de São Carlos não dar conta de atender aos pedidos vindos de todo o País. Sem poder atender à demanda, a USP recorreu ao TJ-SP, que suspendeu as liminares. O caso foi parar no Supremo, mais exatamente nas mãos do ministro Edson Fachin, que concedeu a liminar a uma paciente, abrindo as comportas para uma enxurrada de novas ações. Pouco tempo depois, o TJ-SP proibiu a concessão de novas liminares. Os escritórios, então, passaram a encaminhar os pedidos de São Paulo aos Juizados Especiais Federais, os tribunais de pequenas causas.

Oncologistas e pesquisadores renomados, na esperança de que o clamor quase religioso pela imediata liberação da fosfo fosse fogo de palha, demoraram a vir a público se manifestar, alertando para o fato de que não havia nenhuma pesquisa pré-clínica concluída e muito menos testes clínicos que justificassem a liberação da substância pela Anvisa. O apelo à razão, porém, veio tarde demais e não teve o menor efeito entre os defensores da causa. Ao contrário, polarizou ainda mais a discussão. Fosfodefensores passaram a acusar médicos e pesquisadores contrários à imediata liberação da substância de estarem “vendidos” à indústria farmacêutica ou, pior, de lucrarem com o sofrimento dos pacientes. Nem mesmo Drauzio Varella, provavelmente o médico mais popular do País, escapou do apedrejamento moral, após alertar a população para os riscos da droga no Fantástico

Aberração 

Tanto Chierice como Meneguelo assumiram publicamente o papel de vítimas de um sistema que lhes bateu a porta na cara. Mas não é bem assim. Em 2011, quando do lançamento da Rede FAC, programa coordenado pelo oncologista Carlos Gil Moreira Ferreira, para identificar moléculas com potencial anticâncer, o grupo de São Carlos foi procurado para que todo processo de desenvolvimento da substância fosse refeito e adequado às normas internacionais. Em entrevista à revista Época, Ferreira, que é coordenador da Rede Nacional de Pesquisa Clínica em Câncer, disse que Chierice não se interessou pelo projeto, afirmando que já tinha o “remédio” e estava distribuindo para a população. Ferreira classificou a situação envolvendo a substância de “aberração”.

Antes ainda, em 2008, o oncologista Antonio Carlos Buzaid, à época no Hospital Sírio-Libanês, tomou conhecimento da substância, leu os estudos iniciais publicados pelo grupo e se interessou pela pesquisa. “Depois de vários contatos, nos reunimos em fevereiro de 2009, quando propus um estudo de fase 1, com o hospital arcando com todas as despesas. Eu francamente não sei o que aconteceu, mas nunca mais houve contato”, afirma Buzaid. “Uma substância promissora precisa ser estudada dentro do que se determina internacionalmente como requisito para a pesquisa de novos medicamentos e eu defendo o aprofundamento da pesquisa”, reitera. Comunicado oficial do hospital informa que “não houve acordo sobre o plano de desenvolvimento da molécula”.

A Fiocruz, que segundo os pesquisadores teria exigido a cessão da patente da fosfo para realização de estudos, também foi obrigada a emitir nota oficial, desmentindo a acusação. “No que se refere à patente da substância, a Fiocruz destaca que não realizou o pedido da mesma aos pesquisadores da USP, não sendo este o procedimento administrativo necessário para a realização dos estudos em questão. Para uma possível produção pública de cápsulas com sais de etanolamina, após a fase de estudos já descritos, o licenciamento da substância poderia ser passado a um laboratório oficial.”

Fica evidente que a produção em São Carlos descumpriu processos fundamentais da pesquisa clínica, resumidos em três letrinhas: GLP (good laboratory practices). “Trata-se de um conjunto de procedimentos que todo laboratório precisa realizar para garantir padrões de qualidade, o que inclui garantia que tudo seja rastreável e replicável,” explica Greyce Lousana, presidente executiva da Sociedade Brasileira de Profissionais em Pesquisa Clínica (SBPPC). “Isso vai desde origem das matérias-primas, qualidade de manufatura, armazenamento, transporte e produção, equipamentos calibrados e sob manutenção, inclusive preventiva, equipe técnica treinada, entre outros”, exemplifica.

A maneira como Chierice reagiu, na Câmara dos Deputados, a perguntas feitas por especialistas da Anvisa sobre a pureza e qualidade da substância sintetizada em seu laboratório reforça a tese: “Eu desafio alguém nesse país a confirmar que existe alguma impureza. (...) Será que a Anvisa tem alguém para analisar melhor que eu?” (https://www.youtube.com/watch?v=Fythm4dJeok). 

Precedente perigoso 

Na edição de 26 de novembro, a revista Nature, uma das mais prestigiadas publicações científicas do planeta, publicou uma pequena reportagem sobre a polêmica da fosfoetanolamina e um editorial devastador sobre o caso.
Na reportagem, lembra que a possível atividade antitumoral do composto fosfoetanolamina somente foi demonstrada em ratos e em testes in vitro, sem qualquer tipo de teste em seres humanos (A. K. Ferreira et al. Anticancer Res.32, 95–104; 2012).

O editorial alerta para o risco de a discussão sobre a suposta cura abrir um precedente perigoso, classifica a situação de “extrema” e afirma que são poucas as chances de a substância ser eficaz: de cada dez substâncias que passam pela fase 1 de testes clínicos, apenas uma é aprovada. E a fosfoetanolamina nem sequer chegou à fase 1.
Até que os testes sejam feitos, “os tribunais deveriam poupar pacientes desse cabo-de-guerra jurídico e suspender a distribuição da substância até que seu potencial seja mais bem avaliado”.

Questionado sobre as irregularidades ocorridas no caso de São Carlos, o sanitarista Jorge Venâncio, coordenador-geral da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) se limitou a dizer que não sabia do ocorrido e, portanto, não tinha como atuar.

“A omissão do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da USP é ainda mais grave do que a do Conep. Como a USP permitiu que aquilo tudo ocorresse?”, dispara Greyce Lousana, presidente da SBPPC. “Óbvio que o Conep não tinha conhecimento do ocorrido, mas quando a história veio a público deveria ter questionado o CEP da USP para saber quantas pessoas receberam a substância, em que condições foi produzida, se houve registro de efeitos adversos, se houve assinatura de termo de consentimento informado para, em seguida, acionar a Anvisa e o Ministério Público. Mais uma vez o sistema CEP-Conep se mostrou incompetente”.

A avaliação mais dura da situação vem de Gustavo Fernandes, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). Ele reconhece que ninguém imaginava que essa história ganhasse tais proporções. “Somos todos culpados de omissão, a USP, os conselhos de classe, como o Conselho Federal de Medicina, o Conselho Federal de Química, nós médicos, o Ministério da Saúde”, diz o especialista. “Todo mundo sabe da gravidade do que aconteceu em São Carlos e o que deveria ser feito. Todo mundo sabe, inclusive vários membros do Congresso. Mas a opinião pública está galvanizada. Se hoje você critica o grupo de São Carlos, amanhã é você quem vira bandido. É o que se usa como pretexto para não agir”. 

Ministério da Saúde exige pesquisas  

No final de outubro do ano passado, o Ministério da Saúde cedeu às pressões e anunciou sua disposição de apoiar as pesquisas sobre a fosfoetanolamina e criar um grupo interministerial, capaz de testar a substância em todas as etapas, desde a caracterização da molécula e produção até os testes clínicos. Um grupo de trabalho foi criado para desenhar o projeto (ainda não finalizado) e a pesquisa com a “pílula milagrosa” passou a ser prioridade, com uma verba de R$ 10 milhões.

Mesmo com a proposta na mesa, no início de novembro Chierice e colaboradores contrataram a RAGB Regulatory Affars Global Business, empresa de Ribeirão Preto especializada na obtenção de registro de produtos na Anvisa. Mas, segundo Juliano Oliveira, executivo de negócios da empresa, não é para isso que foram contratados. “O que os pesquisadores têm é uma pesquisa informal, sem padrão, que não foi compilada, com relatos de alguns pacientes. Estamos atrás desses dados para reunir documentação que o paciente possa ter ainda, verificar que tratamentos fez antes, que possíveis interações ocorreram e, ao final, verificar o que é possível aproveitar para anexar aos futuros resultados de um teste clínico para apoiar o pedido de registro na Anvisa”, diz. “Basicamente, estamos indo atrás de relatos e vamos verificar se têm fundamentos”, explica Oliveira.

Ele próprio reconhece que vai ser bem difícil encontrar casos com 5 anos de remissão, bem fundamentados e documentados, que possam ser atribuídos apenas à fosfo. “A maioria tomou a substância depois de se submeter a outras terapias”. 

ICESP prepara primeiro teste clínico

Está pronto o desenho do primeiro teste clínico da fosfoetanolamina, cuja aprovação depende apenas de pequenos acertos com o Conep, da indicação de representante do grupo da fosfo para acompanhar o trabalho e, principalmente, do sinal verde da Anvisa. O objetivo principal da pesquisa é ter uma experiência monitorada que permita determinar se há alguma atividade clínica significativa com o uso da substância.

“Conversamos com o grupo interministerial que está cuidando do caso, porque queríamos garantir que não haveria sobreposição com a proposta do governo federal”, explica o oncologista Paulo Hoff, diretor clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) e diretor do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês. A verba para a pesquisa, orçada em R$ 2 milhões, se o projeto for até a última etapa, sai dos cofres do Estado de São Paulo.

O laboratório privado PDT Pharma, de Cravinhos, é quem vai produzir a substância para testes e a Fundação para o remédio popular (Furp) vai encapsular o produto. Alguns critérios de elegibilidade também já estão definidos. “Os pacientes do SUS terão preferência e esses testes não estarão abertos a pacientes desenganados, até porque ficaria muito mais complicado determinar efeito clínico. Nós queremos trabalhar com pacientes que não tenham mais opção de tratamento curativo, mas estejam de certa forma estáveis e que não corram risco de grande agravamento de seu quadro de saúde se permanecerem três ou quatro meses sem sua medicação habitual”, explica.

Num primeiro momento, dez pacientes receberão a fosfo para avaliação de possíveis efeitos colaterais ou tóxicos. Se a substância demonstrar nível de atividade de 20%, novas instituições passam a participar do estudo, como é o caso do AC Camargo, do Hospital do Câncer de Barretos e do Hospital Amaral Carvalho, em Jaú. O número de participantes, então, é novamente ampliado. “Se tudo correr bem, serão selecionados dez pacientes de dez tipos diferentes de câncer: colorretal, estômago, pâncreas, fígado, mama, melanoma, próstata, rim, pulmão (células não-pequenas) e colo de útero. “Eles vão receber a fosfo no mesmo esquema usado em São Carlos: um ataque inicial de 3 cápsulas de 500 mg por dia durante um mês, passando para duas cápsulas nos meses seguintes”, explica.

Por causa da comoção social gerada em torno da fosfo, os testes do ICESP devem cumprir o máximo de transparência possível, inclusive no que se refere à seleção dos voluntários. “Tenho certeza de que assim que tivermos permissão e abrirmos as inscrições de voluntários vamos receber milhares. Estamos até mesmo cogitando um sorteio entre os que passarem pela triagem”, conta Hoff. “Estamos torcendo, mas várias assertivas são pouco prováveis. O que talvez boa parte da população não entenda, é que ciência não vende esperança, ela apresenta resultados”.

No A.C. Camargo Cancer Center, Ademar Lopes, cirurgião oncológico e vice-presidente do hospital, também se diz preocupado com a expectativa gerada em torno da fosfo. “Temos agora nas mãos um problema também de natureza social, porque se criou uma enorme expectativa. As pessoas precisam ter em mente que substâncias promissoras, que se mostram eficientes em roedores, muitas vezes não mantêm o desempenho em outros animais e em muitos seres humanos. Judah Folkman, que descobriu a angiogênese em tumores, costumava dizer: ‘Era bom em camundongos, mas só em camundongos’”, brinca Lopes.

Grupo de São Carlos reivindica patentes

Uma consulta ao Instituto Nacional de Patentes Industriais (INPI) esclarece que duas patentes da fosfo estão em processo de análise. Embora a lei que trate de patentes farmacêuticas date de 1996 e os trabalhos com fosfo, de 1995, Chierice e equipe só solicitaram os dois registros em 28 de fevereiro de 2008, o primeiro para nova metodologia de síntese (PI 0800460-9 A2) e o segundo (PI 0800463-3 A2) para “fosfoetanolamina como precursor de fosfolipídio para correção de disfunções celulares e metabólicas”.

A segunda patente considera uma ampla gama de aplicações: correção de disfunção celular e metabólica (ou seja, as várias formas de diabetes), incluindo atividades antiproliferativas, apoptóticas, antiepiléptica e neuroprotetora, o que engloba desde doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson, até AVC. O grupo de São Carlos não apenas distribuiu as pílulas para pacientes de câncer, mas também para diabéticos e, mais recentemente, parkinsonianos.

Segundo informações do INPI, a análise de uma patente no Brasil leva entre 8 e 11 anos e a de uma patente farmacêutica chega a demorar inacreditáveis 16 anos até uma resposta definitiva.

A concessão depende ainda de comprovação de real inovação tecnológica e de pesquisa em todos os escritórios de patente do planeta para verificar se existe algo idêntico. No caso da fosfoetanolamina, só no escritório americano de patentes existem cerca de 180 registros para os mais diferentes fins, a maioria industriais. As de aplicação biológica são em boa parte na área de drug delivery.

Curiosamente, o próprio Chierice, em tentativa de provar que a fosfo não é tóxica, disse na Câmara dos Deputados que substância de formulação idêntica é vendida nos EUA e Europa como suplemento alimentar, sob o nome de Calcium AEP, que foi patenteado em 1953 pelo médico ortomolecular alemão Hans Nieper, para tratamento de câncer e esclerose múltipla. 

Evidência?

Diante das câmeras e nas audiências do Congresso, o grupo da fosfo costuma martelar em duas teclas: que os críticos padecem de uma crônica falta de informação e não leram seus estudos e que a forma de ação da substância está cientificamente estabelecida.
 
Chierice, em entrevista ao Pampa Reporter, afirmou que enquanto pesquisava a fosfo encontrou um trabalho japonês (Phosphoethanolamine as a growthfactor of a mammary carcinoma cellline of rat, de Kano-Sueoka, Cohen, Nishimura, Yamaizumi Mori e Fujiki, PNAS, 1979) dizendo que a fosfo se concentrava em tumores e que funcionava como fator de crescimento. Chierice achou que “na realidade, era o organismo se defendendo. E eu estava certo”. Foi assim que a pesquisa começou.
 
A médica Alicia Kowaltowski, professora titular do Departamento de Bioquímica da Universidade de São Paulo, viu a entrevista concedida por Chierice e leu os papers publicados pelo grupo. Alicia é especialista em bioenergética, transporte e estado redox mitocondriais e, a pedido da reportagem, comentou o conteúdo. “Ele afirma que a fosfoetanolamina leva ácido graxo para dentro da mitocôndria (embora isso não conste em nenhum trabalho dele), e que isso "a força a trabalhar". Primeiro, a oxidação de ácidos graxos é controlada pelos níveis de ATP da célula: não é mecanismo de "forçar a trabalhar" colocar o ácido graxo lá. Segundo, ele mesmo diz que a célula tumoral é anaeróbia, no entanto, a oxidação (uso celular) de ácidos graxos é dependente de oxigênio. Não há como uma célula anaeróbia oxidar ácido graxo”, explica a especialista.
 
Tanto o médico Renato Meneguelo como o biotecnólogo Marcus Vinícius de Almeida afirmam categoricamente que testes em ratos “provam” que a fosfoetanolamina tem toxicidade zero. “A fosfo é um lipídio e lipídios não têm toxicidade”, afirmam. Uma rápida busca no banco de dados do PubMed associando as duas palavras revela centenas e centenas de trabalhos sobre toxicidade de lipídios. O médico diz ainda que o grupo só fez pesquisas com camundongos porque a lei brasileira “proíbe a pesquisa com animais, como cães e macacos”, o que não é verdade: vários grupos, em diversas universidades, trabalham com coelhos, cães e macacos. As normas internacionais e as da Anvisa exigem essa etapa dos testes pré-clínicos e, se não houver no País centro capaz de realizar a pesquisa, os testes podem perfeitamente ser feitos no exterior.
 
Meneguelo gaba-se também de o grupo ser “líder mundial” nas pesquisas do gênero e ter grande repercussão no exterior. Novamente, uma consulta ao PubMed mostra que o impacto dos estudos foi baixo e são pouco citados nas pesquisas da área, que basicamente se concentram em drug delivery, ou seja, o aproveitamento da afinidade da substância com as membranas celulares para torná-la veículo para administração de drogas ativas.
 
O farmacêutico Adilson Kleber Ferreira, doutor em Fisiopatologia pela Faculdade de Medicina da USP e pesquisador de moléculas com potencial para fármacos antitumorais, desligou-se do grupo em 2013, atualmente no Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da USP. Para ele, a situação atual da fosfo é vergonhosa. “Tenho muito respeito pelo professor Chierice, mas isso jamais deveria ser distribuído para seres humanos, porque nossas pesquisas são muito iniciais”, reconhece.


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