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AtualizadoQui, 28 Mar 2024 7pm

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Daichii Sankyo

 

Discordâncias diagnósticas

PATOLOGIA_ON7_NET_OK.jpgEm tempos de seleção molecular e terapias personalizadas, falhas no diagnóstico morfológico e molecular do câncer podem levar o paciente a perder uma janela de oportunidades e prejudicar seriamente o desfecho clínico. “No momento atual, quando evoluímos a cada dia para tratamentos mais conservadores, errar um diagnóstico pode levar a uma cirurgia desnecessária", defende Helenice Gobbi, nome de referência na patologia mamária.

 É consenso que diante de uma biópsia, a variação interobservador pode afetar a avaliação prognóstica e terapêutica.

Segundo Helenice, incentivar a segunda opinião e a revisão de lâmina é um caminho natural que pode até ser mais econômico para o sistema de saúde. A especialista coordenou o estudo realizado em 2013 pelo laboratório de Patologia Mamária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, que avaliou a concordância dos diagnósticos histopatológicos de lesões de mama proliferativas intraductais. Foram considerados 209 casos de lesões mamárias enviados para segunda opinião no período de 2007 a 2011. O diagnóstico de malignidade foi confirmado em 140/163 casos (86%) e 34/46 casos (74%) foram confirmados como lesões benignas. A maior discordância foi observada nos casos de carcinoma ductal in situ com microinvasão (6/6 casos; 100%). Grande discordância foi observada nos casos de hiperplasia ductal atípica (16/30 casos; 53%) e carcinoma ductal in situ (25/75 casos; 33%).
 

O estudo confirma que as lesões mamárias proliferativas intraductais apresentam relevantes discordâncias nos diagnósticos histopatológicos, que podem induzir o clínico a erros na decisão terapêutica.


Outro importante trabalho foi conduzido pelo INCA, que avaliou discordâncias nos citopatológicos cervicovaginais submetidos à revisão pelo Programa de Monitoramento de Qualidade, entre 2000 a 2010. No período, foram revisadas 123.002 lâminas, de 140 laboratórios. A discordância foi encontrada em 16.581 análises (13,48%), sendo que em 14.313 (11,64%) houve divergência entre a conduta adotada e a preconizada pelo INCA.

“Em todas as topografias, algumas lesões são claramente malignas, outras ficam limítrofes, amplamente conhecidas como lesões borderline, além das lesões benignas que podem mimetizar malignidade, dependendo do estado de proliferação celular. Nesses três níveis de lesões temos uma dificuldade de interpretação que pode levar a um erro diagnóstico, tanto no Brasil quanto no exterior. É uma limitação que depende do fator humano, da qualidade do treinamento e da qualidade do material a ser analisado”, explica a patologista.
As dificuldades costumam começar na fase pré-analítica – e não são poucas. 

Fixação

“Existem no Brasil falhas importantes no manuseio e no armazenamento de espécimes”, critica Fernando Augusto Soares, desde 1997 à frente do departamento de Anatomia Patológica do AC Camargo Cancer Center, agora também responsável pelo Centro Avançado de Patologia Oncológica Humberto Torloni. “Precisa ser banido o uso de formalina ácida no país”, aponta ele, sob o argumento de que muitos centros brasileiros usam soluções não tamponadas que sabidamente podem alterar os tecidos e comprometer futuras análises de imunohistoquímica e de seleção molecular. A infra-estrutura de muitos biobancos também é alvo de críticas e segue longe do ideal. “Os arquivos muitas vezes são jogados em um barracão com 40 graus, sem ar condicionado”, denuncia Soares.

Outra grande autoridade no assunto, o patologista Carlos Bacchi, admite que o cenário brasileiro desperta preocupação. “O uso de solução de formalina a 10%, ácida, sem tamponar, é difundido em todo o Brasil. Não é um problema de custo e sim cultural”, diz ele. “A formalina tamponada tem a vantagem de preservar a morfologia para facilitar a leitura do patologista, assim como preserva proteínas no tecido para avaliações posteriores, por exemplo através, da imunohistoquímica. Esse cenário só poderia ser mudado com ampla campanha educativa entre os cirurgiões, porque são eles os responsáveis por colocar as peças cirúrgicas em fixador apropriado”, acredita Bacchi. 

Sem dúvida, o diálogo entre grupos de cirurgia e de patologia pode, sim, contribuir para a construção de um panorama mais promissor. É reconhecer que na maioria absoluta das cidades brasileiras com menos de 100 mil habitantes,não há laboratório de anatomia patológica e o material acaba sendo enviado para um centro especializado. “Significa que a maioria dos hospitais envia para análise o material previamente fixado e essa clivagem não é feita a fresco, o que é um dado importante”, esclarece Helenice. Nessas situações, ela recomenda que patologistas possam dar aos grupos de cirurgia toda a orientação necessária para minimizar a autólise ou isquemia fria. “Um tecido bom é um tecido bem fixado, que tenha sofrido o menor tempo possível de isquemia fria. Isso é fundamental. Do contrário, o material chega em condições que dificultam o diagnóstico e em lesões limítrofes isso é certamente um problema a mais”, explica.

Outro aspecto é a evolução dos conceitos. No Hospital do Câncer de Barretos, estudo realizado entre 2009 e 2010 coletou retrospectivamente dados de 150 pacientes de câncer de próstata cujas lâminas originais foram enviadas para revisão. A discordância no escore de Gleason foi observada em 42% dos casos, sendo que em 26% a reavaliação levou à alteração no escore final.  A maior divergência foi em tumores de menor escore e o valor secundário foi o principal responsável, dado que contrasta com a literatura (Waymentet al)  e sugere a possibilidade de que esse achado se deva à mudança na classificação de Gleason após o consenso da ISUP 2005, revelando defasagens na atualização às recomendações.

“Isso só se corrige com educação e treinamento, porque não existe outro caminho a não ser formação”, diz Fernando Soares. “Tem que ver lâmina, discutir lâmina, fazer essa verdadeira reciclagem, até que se tenha um colégio de certificação. Não tem cabimento um profissional sair de uma residência de três anos, que é claramente insuficiente, cair na vida prática e nunca mais se reciclar. É o que acontece, mesmo dentro dos grandes centros”, critica o patologista do AC Camargo Cancer Center. “Um a cada quatro laudos que vêm de fora são modificados de forma significativa no nosso serviço, alguns até de casos benignos para malignos e vice-versa”.

Entender que tudo mudou no tratamento do câncer com a compreensão crescente dos comportamentos moleculares é um ponto de partida para fomentar a educação continuada e rever práticas que ainda comprometem a qualidade da assistência.

Acreditação 

Para Carlos Bacchi, modelos de acreditação seriam um caminho para balizar a atividade dos biobancos. “Há normas muito rígidas para os biobancos que nem sempre são seguidas. Organizações como a ONA (Organização Nacional de Acreditação) deveriam fiscalizar e orientar esse tipo de atividade. Os biobancos deveriam participar de programas de acreditação e fiscalização”, propõe. 
 
A infra-estrutura de muitos biobancos também segue longe do ideal. “Os arquivos muitas vezes são jogados em um barracão com 40 graus, sem ar condicionado”, denuncia Soares.
 
Ao lado das barreiras de infraestrutura, a formação de recursos humanos é certamente um desafio maior. Para a American Cancer Society um patologista só está qualificado a assinar o laudo de anatomopatologia de uma lesão de mama quando tem na bagagem uma experiência de 250 casos por ano. “No Brasil, não há nenhum controle de qualidade, não há nenhum colégio de patologia que regimente isso e a verdade é que ninguém gosta muito de tocar no assunto”, critica Soares.
 
A Associação Brasileira dos Laboratórios de Anatomia Patológica e Citopatologia (ABRALAPAC) reconhece que é preciso criar condições para aproximar o número de especialistas da realidade prática. “A formação de patologistas está aquém da necessária, tanto para a prática diagnóstica quanto para a vida científico-acadêmica”, admite a ABRALAPAC, que propõe um modelo de acreditação para aprimorar a qualidade da análise.
 

 

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