Ultra hipofracionamento de radioterapia em câncer de mama – uma nova tendência?

Robson Ferrigno NET OK 1Publicado recentemente no Lancet, o estudo inglês FAST-Forward mostrou resultados semelhantes entre 5 e 15 aplicações de radioterapia adjuvante no câncer de mama após cirurgia conservadora ou mastectomia. Quem comenta é o médico especialista em radioterapia Robson Ferrigno (foto), coordenador dos Serviços de radioterapia dos Hospitais BP Paulista e BP Mirante.

Por Robson Ferrigno, médico especialista em Radioterapia, coordenador dos Serviços de Radioterapia dos Hospitais BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo - e BP Mirante

O FAST-Forward é um estudo multicêntrico, Fase III, randomizado e de não inferioridade, realizado em 97 hospitais (47 centros de radioterapia

e 50 hospitais de referência) no Reino Unido. Os pesquisadores randomizaram 4096 pacientes (+18 anos de idade) com câncer de mama estádios pT1-3, pN0-1, M0 para dois regimes experimentais de radioterapia de curta duração (5 frações de 2,2Gy=26Gy e 5 frações de 2,4Gy=27Gy), além de um braço controle com o regime de hipofracionamento standard no Reino Unido (15 frações de 2,67Gy=40,05Gy), após cirurgia conservadora ou mastectomia no período de 2011 a 2014.

Com seguimento mediano de 71,5 meses, a recidiva local em 5 anos nas pacientes tratadas com regime clássico de 40Gy em 15 frações foi de 2,1% (braço controle). Em comparação com o braço controle, a recidiva local das pacientes tratadas com 26Gy em 5 frações foi de 1,4% [HR=0,67 (0,38 – 1,16); p=0,15)] e das tratadas com 27Gy foi de 1,7% [HR=0,86 (0,51 – 1,44), p=0,56]. A incidência de alterações moderadas ou severas em tecidos normais da mama e da parede torácica em 5 anos do grupo controle foi de 9,9% e, em comparação com os braços experimentais, foi de 11,9% nas tratadas com 26Gy (p=0,17) e de 15,4% nas tratadas com 27Gy (p=0,0003)1.

Em conclusão, o regime de 26Gy em cinco frações não foi inferior ao tradicional de 40Gy em 15 frações.

Podemos considerar como standard o regime de 5 frações para a radioterapia adjuvante no câncer de mama como sugere os autores do estudo?

No contexto da pandemia do COVID-19, regimes curtos de radioterapia fazem parte das medidas de mitigação dos Serviços de Radioterapia pelo mundo. Como o estudo reporta resultados em apenas cinco anos, precisamos balancear os riscos dessa decisão com relação as recaídas tardias e as potenciais complicações da radioterapia após esse período, como fratura de costela, fibrose pulmonar e, principalmente, as relacionadas ao coração, que podem ocorrer ao longo de 20 anos após a radioterapia.

Um editorial publicado por Antonin Levy e Sofia Rivera do Instituto Gustave-Roussy, Paris, no mesmo volume do Lancet, enfatiza essa cautela com relação aos eventos de longo prazo2. Uma análise que vale a leitura.

Um fator que teve potencial de interferência nos resultados desse estudo foi o fato de 1011 pacientes (24,7%) terem recebido complementação de dose (boost) no leito da lesão primária com 5 ou 8 aplicações. Essa estratégia diminui as vantagens do ultra hipofracionamento (5 aplicações), uma vez que praticamente dobra o tempo de tratamento. O benefício do boost é mais evidente em pacientes com menos de 50 anos ou com perfis moleculares desfavoráveis, como o triplo negativo. Portanto, pacientes com perfis luminais, em estágios iniciais da doença e com idade acima de 50 anos, o emprego do boost se torna questionável no contexto do ultra hipofracionamento.

Devido à pandemia do COVID-19, o fracionamento de 26Gy em 5 frações para a radioterapia adjuvante no câncer de mama foi validado por um painel de especialistas como uma das medidas de mitigação3. Portanto, é de bom senso considerar esse fracionamento para pacientes com perfis favoráveis (estádios iniciais e luminais A e B) e idade acima de 50 anos enquanto durar a pandemia.

Se os estudos FAST-Forward e IMPORT-LOW, que comparou 40Gy em 15 frações em toda a mama ou só no quadrante acometido, reportarem resultados em 10 anos e continuarem a mostrar não inferioridade com relação aos braços controles, poderemos considerar como padrão a radioterapia parcial da mama com dose de 26Gy em 5 frações para determinados grupos de pacientes (idade acima de 50 anos, estádios iniciais e perfis luminais). Será uma estratégia de de-escalonamento de volume de radiação e de duração do tratamento na abordagem do câncer de mama.

A tendência ao ultra hipofracionamento é bem-vinda para conforto e segurança dos pacientes, bem como para diminuição do custo de tratamento.

Referências:

1- Brunt AM, Haviland JS, Wheatley DA et al. Hypofractionated breast radiotherapy for 1 week versus 3 weeks (FAST-Forward): 5-year efficacy and randomised, phase 3 trial. Lancet 2020; (published online April 28.) -  DOI:https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30932-6

2- Levy A, Rivera S. 1-week hyofractionated adjuvante whole-breast radiotherapy: towards a new standard? Lancet 2020; (published online April 28.)

3- Coles CE, Aristei C, Bliss J et al. International guidelines on radiotherapy for breast cancer during the COVID-19 pandemic. Clin Oncol (R Coll Radiol) 2020; 32: 279-281.