Impacto do tabagismo na economia mundial

GUSTAVO_PRADO_NET_OK.jpgGustavo Prado (foto), pneumologista do Incor e do ICESP, comenta o relatório da Organização Mundial da Saúde e do Instituto Nacional do Câncer dos EUA, que mostrou que o tabagismo custa à economia global mais de 1 trilhão de dólares por ano em gastos com saúde e perda de produtividade.

Os dados compilados nesse relatório impressionam, mas de certa forma não surpreendem. Há muito já é sabido do impacto nefasto do tabagismo sobre a saúde dos indivíduos e economia dos países, especialmente mais profundo sobre países de baixa e média renda per capita. A magnitude dessas perdas - mensuradas em vidas, qualidade de vida, absenteísmo laboral e escolar e em gastos com saúde, previdência e seguridade social vem se tornando mais amplamente conhecida, especialmente com o advento de novos e mais robustos estudos delineados a avaliar essas múltiplas dimensões dos impactos humanos e sociais do tabagismo. Mais além, esse estudo fornece sólidos subsídios ao desenvolvimento e implementação de políticas públicas de controle do tabagismo, desconstruindo mitos e contestando as seculares argumentações falaciosas da indústria do tabaco.
 
No Brasil temos atualmente cerca de 11% de prevalência de tabagismo entre adultos, um cenário bastante diferente do que se observava três décadas atrás, quando aproximadamente 35% dos adultos fumavam.
 
Essa redução, internacionalmente reconhecida e elogiada, vem sendo o resultado de uma política de Estado composta de uma série de medidas restritivas à promoção, comercialização e uso do tabaco, coordenada a ações de divulgação dos malefícios relacionados ao fumo e à oferta crescente de tratamento para dependência de nicotina no Sistema Único de Saúde (SUS), iniciadas no final da década de 1980.  
 
A contínua redução do tabagismo na população Brasileira evidencia que não estamos estagnados nesse processo de enfrentamento à maior causa evitável de óbitos no mundo, mas certamente mostra novos desafios. Com a diminuição do número de fumantes, tendem a persistir aqueles com dependência mais intensa, de tratamento mais difícil; muitos dos quais com comorbidades psiquiátricas como depressão, transtornos de ansiedade, dependência de álcool e outras drogas e outras doenças mentais. Além disso, tem havido recentemente no mundo (e há dados brasileiros que corroboram essa observação) um aumento sensível e sustentado do consumo de outras formas de tabaco, como o narguilé e o snuss (espécie de sachê de tabaco não queimado para uso oral), além da explosiva (em todos os sentidos) tendência crescente de consumo de nicotina através de vaporizadores (“cigarros eletrônicos”), muitos dos quais desenvolvidos pela própria indústria tabagista, como reação à redução do consumo entre adultos e como uma forma mais atraente (ou menos aversiva) de iniciação ao consumo do tabaco entre adolescentes e jovens.
 
Mudam os tempos, novos desafios surgem. O problema se traveste em formatos mais modernos, investindo sempre na curiosidade e fascínio das populações mais jovens e vulneráveis. Como resposta, as políticas devem também se modernizar, incorporando novas tendências de comportamento e padrões de consumo, adaptando-se aos novos problemas.
 
A Organização Mundial de Saúde (OMS), principalmente através da Convenção Quadro para o Controle do Tabagismo (Framework Convention for Tobacco Control, FCTC, um tratado internacional de saúde com mais de 170 países participantes, do qual o Brasil é signatário desde 2005) vem periodicamente elaborando orientações para o controle do tabagismo no mundo, reforçando as diretrizes de proibição da propaganda, controle da comercialização, elevação dos preços, veiculação de advertências e imagens aversivas nas embalagens, banimento do consumo do tabaco em ambientes fechados, severidade nas políticas anti-contrabando, acesso a tratamento, entre outras.
 
Mais recentemente, os grupos de trabalho (na comunidade científica e nos parceiros atuantes nas políticas públicas) tem focado em como evitar o crescimento do consumo de tabaco (e da nicotina, através dos cigarros eletrônicos) entre jovens. Para tanto, temos já algumas ações em curso, como a proibição da adição de aromas e sabores ao fumo (determinada por lei desde 2014) e a ampla discussão sobre os potenciais (e ainda não completamente conhecidos) riscos relacionados ao uso de cigarros eletrônicos.
 
Trata-se, pois, de um trabalho árduo e de vigilância contínua a esse problema grave e antigo, que assume novas faces à medida que seguimos o combatendo.