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AtualizadoQua, 27 Mar 2024 5pm

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Daichii Sankyo

 

Desfechos negativos, e agora?

Andr___Savu_NET_OK.jpgO congresso da ASCO mobiliza anualmente milhares de pessoas que de alguma maneira estão envolvidas no objetivo de trazer aos pacientes novas armas para lidar com o câncer e vencer a doença. É grande a expectativa a cada molécula em desenvolvimento, para que atinja os desfechos e traga novas alternativas para os pacientes. Entretanto, nem sempre as coisas saem como previsto. André Fabre Ballalai Ferraz, Consultor Sênior no IMS Health, analisa o impacto de desfechos negativos em estudos clínicos.

Os ensaios clínicos

Da bancada até o mercado, este é um termo que gera bastante interesse na população. De fato, entender a longa jornada que um medicamento atravessa até chegar aos pacientes não é uma tarefa simples. A história dos ensaios clínicos remete a 1747, ano do primeiro ensaio clínico de que se tem notícia. James Lind, um médico inglês, dividiu uma tripulação de marinheiros com escorbuto em seis grupos. Para cada grupo Lind adicionou à dieta padrão um item como cidra, vinagre, laranja e até um elixir de ácido sulfúrico. A partir da década de 1920 o modelo moderno de ensaios clínicos foi introduzido por Sir Ronald Fisher, e finalmente, na década de 1950 se introduz a figura dos RCTs, sigla em inglês para os estudos randomizados controlados.

O desenho de um estudo clínico é um das atividade mais importantes no processo de aprovação de uma droga, uma vez que o resultados destes estudos serão o alicerce científico para a submissão dos documentos para as agências reguladoras. A definição do tamanho da população, subpopulações analisadas, desfechos primários e secundários e comparadores pode ser o fator determinante para o sucesso ou insucesso de uma determinada terapia.

Desfechos negativos

Quando uma droga falha ao atingir o desfecho primário proposto em um determinado estudo diz-se que o estudo teve um desfecho negativo. Entretanto usar a palavra “negativo” pode ser complicado, visto que isto cria, intuitivamente, a ideia de que determinada droga não funcionou, o que na maioria das vezes não é o que realmente aconteceu. Por conta desta conotação, parte pejorativa, criada ao redor de um desfecho negativo, críticos como Bem Goldacre questionam o fato de que nem todos os desfechos negativos são publicados pela indústria.

Um desfecho negativo pode se dar por uma série de razões, muitas vezes mais matemática que clínica, o conceito de “estatisticamente significante” ou como se coloca na literatura “p<0.05”. Sem dúvida, o rigor científico dos RCTs faz com que a tomada de decisão com base neste tipo de estudo seja mais transparente e efetiva.

O crescente aumento das exigências das agências reguladoras no processo de aprovação de novas drogas tem impactado no número de estudos com desfechos negativos nas últimas duas décadas. Por outro lado, este mesmo fato impulsionou o que muitos dizem ser uma tendência inevitável na oncologia – a personalização dos tratamentos.

Recrutar grandes grupos de pacientes sempre foi um tema complexo em termos de gerenciamento e custo, mais ainda em se tratando de grupos de pacientes em oncologia. Da mesma forma, recrutar grandes grupos aumenta significativamente o custo de desenvolvimento de uma determinada droga. Desta forma, cada vez mais o desenho dos estudos clínicos tem sido feito de maneira cirúrgica, com populações-alvo menores e mais específicas, preferencialmente identificadas por biomarcadores.

Impacto nos custos dos medicamentos

Estudo conduzido pelo CSDD (Tufts Center for the Study of Drug Development), liderado por Joseph DiMasi, estimou que o custo diretamente relacionado ao desenvolvimento de uma droga gira em torno de 1.1 bilhão de dólares. Entretanto, ao final de 2014, o CSDD publicou uma versão atualizada e adicionou custos classificados como out of pocket. São custos adicionais, que consideram atividades relacionadas a estágios pré-clínicos e têm como componente principal a taxa de sucesso na aprovação de novas drogas e na transição entre as diversas fases dos ensaios clínicos. Com estes novos custos adicionados, o montante total sobe de 1.1 para 2.6 bilhões de dólares, mostrando o impacto que desfechos negativos podem ter no custo de desenvolvimento.

Outro ponto importante do estudo do CSDD são as crescentes exigências nos padrões dos estudos clínicos – e a conseqüente queda na taxa de sucesso de aprovações. Este aumento de exigências traz uma tendência crescente no custo de desenvolvimento de drogas, que na década de 1980 girava em torno de 400 milhões de dólares, saltando para 1 bilhão de dólares na década de 1990 e atingindo os 2.6 bilhões de hoje.

Recentes casos de desfechos negativos

Este ano, o estudo ASSURE falhou ao demonstrar benefício no uso de sunitinib ou sorafenib em pacientes de carcinoma de células renais no cenário adjuvante. O MARIANNE também esteve em evidência por seu desfecho negativo e não mostrou a superioridade de combinar duas terapias-alvo em pacientes com câncer de mama avançado HER2+, como primeira linha de tratamento. Outros estudos podem ser citados, como o ALTTO, que também anunciou resultados negativos em câncer de mama, o PICASSO III, em pacientes com sarcoma de partes moles, e o MAGE A3, em pacientes com câncer de pulmão não pequenas células.

Entretanto, um desfecho negativo não deve ser enxergado como a sepultura de uma droga. No estudo ASSURE, por exemplo, o desfecho não elimina o benefício que sorafenib e sunitinib já provaram em estadio avançado, beneficiando um grande grupo de pacientes. Da mesma forma, o fato da combinação trastuzumab-emtansine e pertuzumab não atingir o desfecho de sobrevida livre de progressão em pacientes HER2+ não fazem estas terapias menos revolucionárias, uma vez que ambas as drogas já demonstraram benefícios significativos em pacientes com câncer de mama avançado HER2+.

O caso do inibidor de PARP olaparib é outro bom exemplo que mostra que um desfecho negativo não é o fim da linha e pode ser o gatilho para reavaliações positivas. Em 2012, os desfechos dos estudos SOLO1/2 se mostraram desanimadores. No entanto, em 2014, uma análise detalhada dos resultados e uma repriorização de algumas subpopulações do estudo (pacientes com câncer de ovário BRCA positivos em estadios avançados), embasou a aprovação da droga pelo FDA para esta subpopulação específica.

Algumas reflexões

A comunidade científica e as agências reguladoras têm colocado energia significativa para o desenvolvimento de estratégias e desenhos de estudos clínicos inovadores, uma vez que o número de drogas aprovadas não tem aumentado, ao contrário dos custos, que crescem de maneira exponencial.

Os mecanismos de aprovação acelerada vêm sendo utilizados há certo tempo, principalmente na oncologia, onde as necessidades médicas não atendidas ainda são enormes. A recente criação pelo FDA do mecanismo “BTD – Breakthrough Therapy Designation” aponta para este caminho, uma vez que para as drogas eleitas como BTD o intercâmbio de informações em estágios iniciais do desenvolvimento clínico antecipa diversos pontos que poderiam levar a um desfecho negativo, fornecendo tempo hábil para ajustes nos desenhos dos estudos.

Outro ponto interessante que devemos considerar para o futuro é o uso de evidências do mundo real. Um estudo publicado pelo Manhattan Institute intitulado (em tradução livre) “Sufocando novas curas: O verdadeiro custo de ensaios clínicos longos” aponta que quase 90% dos custos de desenvolvimento de uma droga estão atrelados aos estudos fase III, maiores e mais longos. Entretanto, drogas altamente promissoras já têm sido aprovadas com desfechos de estudos fase II, atreladas a um monitoramento dos pacientes para garantir que a segurança e eficácia da droga se mostre replicável em uma população maior.

Obviamente que um estudo fase III não pode ser substituído pelo uso exclusivo de evidências de mundo real. Porém, com a crescente disponibilidade desta informação, existe um potencial de economia e, consequentemente, um ganho para a sociedade, desde que respeitando a ética da anonimização destes dados.

Sobre o autor:

André Fabre Ballalai Ferraz é Consultor Sênior no IMS Health, onde desenvolve projetos na área de oncologia. Adicionalmente, lidera a prática de economia na saúde e evidências de mundo real (HEOR/RWE) no Brasil e é parte do time regional LATAM desta prática. Antes de integrar a equipe do IMS Health, ocupou posições em finanças, inteligência de mercado e planejamento estratégico em companhias farmacêuticas nacionais e multinacionais.
André é engenheiro químico pela UFPR e possui pós-graduação em financial management pelo INSPER.

 

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