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AtualizadoQui, 18 Abr 2024 6pm

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Daichii Sankyo

 

Ciência e sociedade

CARMINO_BAIXA.jpgEm entrevista exclusiva, Cármino Antonio de Souza (foto), diretor científico da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) e presidente do Congresso HEMO 2015, discute da regulação sanitária ao modelo brasileiro de P&D e defende um grande pacto pela saúde. "Hoje, quem quiser trabalhar sozinho vai morrer de solidão, porque não existe mais isso. A palavra de ordem é cooperar", afirma.

Como o senhor vê esse novo momento da onco-hematologia?

Nós estamos vivendo uma revolução. A oncohematologia e a oncologia passaram a ter um caráter muito científico há bem pouco tempo. Os primeiros estudos remontam à década de 70, quando me formei. Então, tive a oportunidade de acompanhar essa mudança. A onco-hematologia é uma fatia pequena dentro da oncologia, cerca de 12%, mas tem contribuído historicamente com muitas das inovações da oncologia geral. Isso vem com a poliquimioterapia nos anos 70, depois com a terapia celular e os avanços nos transplantes de medula óssea. Assistimos também à evolução da radioterapia, que é muito presente na oncohematologia, em especial no campo dos linfomas, e mais recentemente tivemos as drogas alvo-dirigidas, o que é absolutamente incrível! Os “nibs” e os ”mabs” vieram da oncohematologia, basta lembrar da revolução gerada pelo anti-CD20 rituximabe e lembrar do mesilato de imatinibe, que mudou a história natural da leucemia mieloide crônica. Desde então, existe um interesse crescente por terapias dirigidas que possam levar a melhores taxas de resposta e, se possível, à cura. É uma esperança que não existia no passado. No entanto, temos o desafio da sustentabilidade desse modelo, porque o custo ainda inibe o acesso. Não podemos ter acesso apenas em alguns países da Europa e Estados Unidos e deixar vazios na América Latina, na África ou em qualquer outro continente. Então, o momento é mágico, porque a evolução da ciência é realmente impressionante, mas garantir acesso aos pacientes é um desafio gigantesco.

O senhor toca em questões centrais. Como vê o desafio do acesso no Brasil, considerando os cenários da saúde pública e privada?
O que a gente vê no Brasil é comparável a uma corrida de obstáculos. Nós temos um sistema regulatório lento e, por consequência, a introdução de novas terapêuticas é igualmente muito lenta. Isso tem impacto não só na incorporação de fármacos, mas na incorporação de novos procedimentos, de novos materiais e assim por diante. Então, o primeiro obstáculo é a Anvisa, que tem uma tramitação extremamente lenta. A Anvisa chega a levar anos para avaliar os pedidos e às vezes coisas muito importantes não são aprovadas, sem critérios claros. Eu daria o exemplo da lenalidomida que o Brasil ainda não aprovou e isso não tem nada a ver com preço. É uma questão regulatória. O primeiro obstáculo é esse e afeta todo o setor da saúde, pública ou privada. Quando a regulação não funciona, ou funciona lentamente, ela promove uma coisa muito perversa no Brasil, que é a judicialização. Hoje, nós estamos gastando milhões ou até bilhões de reais em fármacos obtidos através de processos judiciais, grande parte na área da oncologia. Isso quer dizer que se os órgãos reguladores fossem mais ágeis e liberassem aquilo que é para liberar, na verdade promoveriam uma economia para o país e evitariam esse enorme desgaste. Não somos a favor do modismo. Nós somos a favor da ciência, daquilo que tem evidência. Se existe comprovação de benefício, não podemos subtrair da população, independente de ser na esfera da saúde pública ou privada.

E o que dizer sobre a CONITEC, na incorporação para o SUS, e da ANS, que regula a saúde suplementar?
Acho fundamental que todo o processo de análise seja ágil, claro, sempre baseado na ciência. Evidentemente, tudo isso precisa ser muito discutido, inclusive com o poder judiciário, para minimizar o impacto da judicialização.  O segundo obstáculo entra numa esfera mais técnica. A Conitec, por exemplo, representou um avanço importante. Existem professores preparados nessa Comissão, que tem a função de acompanhar e aconselhar a introdução daquilo que é inovador no país, no âmbito do SUS. Na rede privada, claro que os problemas também existem. O Brasil tem 200 milhões de pessoas e mais ou menos 20% da população têm planos de saúde. Existem planos muito restritivos em relação a determinados procedimentos, inclusive para o diagnóstico e tratamento de câncer.  Isso depende do tipo de plano, do tipo de tratamento, cada caso é um caso, mas a ANS está longe de equacionar o problema.

Quais são hoje as grandes questões da onco-hematologia, numa escala de prioridades?
Dentro da onco-hematologia eu acho que a questão mais crítica do Brasil é em relação à terapêutica do mieloma múltiplo. É uma doença crescente entre nós, ainda incurável, mas que mudou muito nos últimos tempos. Eu digo que o mieloma múltiplo é a doença onde os princípios hipocráticos da medicina mais se aplicam. As pessoas estão vivendo mais e melhor. No entanto, os tratamentos oferecidos para mieloma múltiplo no Brasil ainda estão muito defasados. A incorporação do bortezomibe não entrou, assim como os outros “mibes”, mas o que é particularmente importante sublinhar é que a lenalidomida não entrou. Por quê? Quem sabe, porque o Brasil é um grande produtor da talidomida, que nunca deixou de ser produzida no país por conta da hanseníase, não por conta de câncer. Além disso, talvez haja uma certa confusão. Não é porque talidomida e lenalidomida fazem parte do mesmo grupo que elas são excludentes. Ao contrário. Por outro lado, incorporamos grandes avanços para a população brasileira, como os inibidores de tirosina-quinase para leucemia mieloide crônica. Hoje o governo distribui para tratamento de primeira linha o imatinibe, além de nilotinibe e dasatinibe em segunda e terceiras linhas. São quase 10 mil pacientes que recebem, gratuitamente. É uma decisão política do governo, assim como aconteceu com o rituximabe, e acho que é uma estratégia adequada. Agora, temos um outro grande desafio na leucemia linfocítica crônica (LLC) e na doença de Hodgkin. O ibrutinibe para LLC talvez tenha um impacto semelhante ao do imatinibe para leucemia mieloide crônica, que é a leucemia mais frequente do mundo ocidental. É difícil quantificar isso, mas políticas de incorporação vão ter que avaliar o ibrutinibe em LLC, assim como o brentuximabe para a doença de Hodgkin. Temos também os modernos anti CD-20 como terapias de segunda linha, temos a bendamustina, que ainda não conseguimos incorporar no país. Enfim, há uma agenda a ser vencida, com base em evidências. A nossa associação tem trabalhado para gerar diretrizes e muitas vezes o governo federal as utiliza para fazer suas próprias recomendações, o que eu acho bom. Ótimo seria se a gente pudesse pactuar diretrizes únicas, com participação de grupos de pacientes, de profissionais da saúde, das casas farmacêuticas. Enfim, acho que há um trabalho político importante a ser feito.

E a questão dos transplantes, está entre os grandes desafios?
Nós avançamos no transplante de medula óssea e temos uma experiência incorporada no país bastante razoável. O Brasil é um player no cenário internacional. Nós avançamos no registro de doadores, entretanto não avançamos na disponibilidade de leitos, e isso é muito ruim. Também não avançamos na questão do financiamento, mas isso transcende muito a questão do transplante, que hoje é o melhor tratamento para salvamento de linfomas agressivos e linfoma de Hodgkin; é o melhor tratamento, quando possível, para leucemia mieloide aguda, principalmente de risco intermediário e alto risco, em pacientes jovens que têm doador. Entretanto, você tem uma fila, que é na verdade uma lista, porque você acaba selecionando por risco. A localização do doador ainda é lenta quando falamos dos não aparentados e a disponibilidade de leitos mudou muito pouco. Se a gente olhar 20 anos atrás, o número de leitos é parecido, praticamente não cresceu. Então, o grande desafio do transplante é como podemos estimular profissionais e instituições a abrir novos leitos, porque senão vamos andar de lado, como já acontece. Outro grande problema é a concentração dos serviços no Sul-Sudeste, porque praticamente não temos unidades de transplante no Norte e Nordeste do país. Mesmo em Brasília você ainda não tem o transplante na escala necessária. Isso gera exclusão ou obriga as pessoas a uma grande mobilidade, com custos, com deslocamentos. Certamente, precisamos também difundir um pouco mais o transplante no país.

O imatinibe já é produzido e distribuído pelo governo e o anti CD20 rituximabe também será nacionalizado. Como a comunidade de onco-hematologia vê esse switch?
Eu não sou preconceituoso. O imatinibe e uma molécula de síntese extremamente simples e fácil. Não acho que o genérico deve ser pior que o de marca. A questão é que no mundo da ciência não basta achar, temos que buscar a comprovação. Nós estamos agora com um trabalho muito interessante de avaliar os nossos genéricos. A Itália vai ser o nosso grupo-controle, porque lá não tem genérico, e nós vamos fazer essa avaliação em 18 centros brasileiros. É uma avaliação prospectiva e vamos ver como o genérico vai se comportar. Acho que o genérico é um avanço, o Canadá desenvolveu um grande programa de genéricos, assim como tantos outros países, e não tem nada de errado com isso. Em relação aos biossimilares, também sou a favor. É um assunto delicado e de política de governo. Acho que o Brasil perdeu muito o bonde da história por essa xenofobia de não querer fazer parcerias. Quando a gente vê os centros de pesquisa de determinadas casas farmacêuticas, chega a conclusão de que nós nunca vamos chegar a lugar nenhum se não estivermos juntos. Hoje, somos grandes importadores, nós não temos embarcado no Brasil grande conhecimento tecnológico. Estamos muito atrasados, acho que essa é a palavra. Se nós tivermos uma política de fomento de parcerias, podemos encurtar essa distância. E acho que nós temos que fomentar isso, através de políticas governamentais claras, seguras, temos que envolver entidades sérias, que felizmente o Brasil tem, que são as universidades, os institutos de pesquisa. Temos que desenvolver projetos de pesquisa clínica que possam colaborar nisso, pesquisa de interesse da indústria, mas também pesquisa de interesse dos pesquisadores. Precisamos fomentar isso. Eu assumi um papel no Conselho Superior da FAPESP, sem dúvida um grande fomentador de pesquisa. E temos fomentado essas parcerias. Há pouco tempo foi assinada uma parceria importante com a GSK, na qual o laboratório investe uma quantia de dinheiro, a FAPESP também, e as universidades entram com o conhecimento e com a estrutura que já têm. Pessoalmente, eu acho que esse é o melhor caminho. Se a gente escolher outro caminho, único, isolado, não vamos chegar a lugar nenhum. As coisas estão acontecendo em uma velocidade tão grande que o país não tem como acompanhar. Sou muito a favor dessas parcerias, acho que nós temos que estar abertos a isso. Não podemos demonizar a indústria farmacêutica, como também não podemos idolatrá-la. Temos que estar juntos, olhando na mesma direção, porque é isso que vai fazer a gente caminhar. Qualquer coisa diferente disso só vai aprofundar o nosso atraso. Não é uma tarefa fácil, exige políticas de longo prazo, exige responsabilidade institucional, mas é o único caminho. Hoje, quem quiser trabalhar sozinho vai morrer de solidão, porque não existe mais isso. Hoje, a palavra de ordem é cooperar. 


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