Pesquisa clínica em pauta no II SP Onco

SPOnco_NET_OK_2.jpgA pesquisa clínica esteve em pauta no 2º Simpósio Paulista de Oncologia (SP Onco II), que aconteceu nos dias 5 e 6 de novembro, em São Paulo. A iniciativa, realizada pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) em parceria com o Comitê Estadual de Referência em Oncologia, busca incentivar a integração e o desenvolvimento técnico-científico de todos os profissionais envolvidos no tratamento do câncer nos hospitais da rede pública do Estado.

“Nosso principal objetivo é discutir a terapia integrada em oncologia, que ainda hoje reflete um dos maiores desafios do tratamento do câncer. A intenção é que, em um futuro próximo, possamos trabalhar de forma eficiente todos os recursos disponíveis nos diferentes hospitais da rede estadual”, destaca o diretor geral do Icesp, Paulo Hoff.

Na seção programada para discutir Pesquisa em Câncer, o responsável pelo Centro de Investigação Translacional em Oncologia do ICESP, Roger Chammas, falou sobre a produção do conhecimento em câncer no Brasil e as oportunidades para a pesquisa brasileira, e ressaltou que ainda precisamos aprender a publicar melhor e a valorizar o investimento na pesquisa nacional.  
 
Acompanhe a seguir os grandes temas que marcaram a conferência. 

O retorno do investimento da pesquisa em câncer

Segundo Chammas, há dados que mostram que existe um retorno maior por euro investido em pesquisa em comparação ao que nós temos aqui em real investido em pesquisa. “Evidentemente, nós somos mais jovens. A pesquisa em câncer no Brasil começou literalmente no início dos anos 1980, quando tínhamos 10 trabalhos publicados internacionalmente. Hoje, são mais de 3 mil trabalhos publicados em bases internacionais”, afirmou. Para ele, isso mostra que sabemos publicar, mas que ainda precisamos aprender a publicar melhor. “Quem sabe, uma forma de publicar melhor seja nos debruçarmos sobre questões realmente significativas e tentarmos resolver com nossas pesquisas os problemas relevantes para a nossa realidade”, sugeriu o especialista. 

A produção do conhecimento em câncer no Brasil

Sobre a distribuição da produção do conhecimento em câncer no Brasil, Chammas mostrou dadis de 2008 a 2013, demonstrando que a extensa maioria da produção vem do Estado de São Paulo, o que muito provavelmente está ligado aos constantes investimentos feitos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). As principais instituições em pesquisa são o Hospital de Câncer de Barretos, a Fundação Antônio Prudente, a Universidade Federal do Estado de São Paulo (UNIFESP) e a Universidade de São Paulo (USP). “O Estado de São Paulo é responsável por dois terços da produção científica em câncer. Do total de R$ 1 milhão investidos pela Fapesp, cerca de 5% a 8% ao ano são destinados exclusivamente para pesquisa em câncer, o que significa dizer que a Fapesp tem aportado algo em torno de 50 a 80 milhões de reais/ano na pesquisa em câncer”, esclareceu.
 
Nesse período foram produzidos em torno de 5 mil trabalhos, muitos deles em esquemas colaborativos. “O Brasil efetivamente colabora com institutos internacionais, principalmente com Estados Unidos e França, que são nossos principais parceiros, além da Alemanha, Inglaterra e Canadá. Também colaboramos muito com os nossos colegas latino-americanos”, diz. Em nossas instituições a colaboração é orgânica, sem que haja uma rede definida. “A USP interage com o Hospital A.C.Camargo, que interage com a Unicamp, Unifesp, com instituições de outros estados. Nós sabemos interagir e produzir conhecimento complementando os expertises que temos em cada uma das nossas instituições. Então, a colaboração já é orgânica do pesquisador em câncer”, afirmou. 

Oportunidades na pesquisa em câncer

Sabidamente o câncer é uma doença complexa e temos muitas oportunidades nos dias de hoje. A pesquisa com biomarcadores é bastante presente em nossos centros, mas infelizmente poucos biomarcadores tiveram de fato benefícios traduzidos para a clínica. “Precisamos nos debruçar sobre esse ponto especificamente e buscar aplicações para novos biomarcadores, como balizadores de novos tipos de intervenção”. Chammas também apresentou como uma segunda oportunidade em pesquisa clínica a possibilidade de constituir grupos colaborativos que possam contribuir com esse processo de descoberta. “A terceira oportunidade é a organização de novos protocolos clínicos para a reposição de produtos genéricos e biológicos no tratamento do câncer”, disse. De novo, estudos colaborativos precisam ser organizados. Para Chammas, três grandes nichos se alimentariam dessa rede dinâmica: inovação farmacêutica; imunobiológicos e, finalmente a integração de centros de pesquisa e de informação. “Isso elevaria nossa capacidade de planejar os grandes complexos de dados e nos daria a oportunidade de atuar em um nicho de competitividade fabuloso”, concluiu. 

Regulamentação da pesquisa clínica

O diretor-geral do ICESP, Paulo Hoff, falou sobre a regulamentação da pesquisa clínica. Segundo ele, ainda estamos muito longe do nosso potencial. “Somos um país com 200 milhões de habitantes e temos uma infraestrutura estabelecida que nos permitiria competir em pé de igualdade na captação e desenvolvimento de projetos de pesquisa, muito além do que estamos fazendo hoje”. Hoff ressaltou a importância do Estado de São Paulo na pesquisa clínica brasileira. “Temos 75% da pesquisa clínica feita em São Paulo e por isso temos não só o direito, mas o dever de participar do debate sobre regulação. Somos nós que estamos à frente dessas pesquisas. São nossas instituições, nossos colaboradores e nossos pacientes que alimentam a pesquisa clínica nesse país e, portanto, temos que ser ouvidos nesse debate”, acrescentou.

O diretor-geral do ICESP fez duras críticas a Conep. Para ele, há sérios problemas com a pesquisa no Brasil e certamente a burocracia regulatória é um deles. “Hoje, se nós queremos fazer pesquisa, temos que interagir com a indústria farmacêutica. Não quer dizer que temos que concordar com tudo o que a indústria propõe, mas precisamos reconhecer que ela é um parceiro fundamental. No Brasil, temos uma indústria farmacêutica forte na área de produção, mas na área de pesquisa ainda está engatinhando”, afirmou. Para Hoff,  a indústria se sente tão tolhida pelo problema regulatório brasileiro que empresas estão comprando companhias lá fora para fazer o desenvolvimento de novos produtos. “Estamos exportando o pouco que poderíamos ter aqui. A principal causa desse problema está no nosso emaranhado regulatório”, diz.

O oncologista disse que a  expectativa previa cenários mais promissores, mas, ao contrário, sustentou que o setor de pesquisa clínica  vem piorando, com aumento das exigências, um volume documental cada vez maior e restrições cada vez mais importantes. “Na nossa burocracia regulatória, temos instâncias que se sobrepõem na avaliação ética e o prazo para aprovação chega a um ano ou mais. Sei que o Jorge Venâncio tem apresentado números melhores nos últimos meses, mas isso só está sendo feito agora, depois do PL 200, que está tramitando em Brasília. Antes do projeto de Lei do Senado, a Conep não mostrava os números que recentemente passou a divulgar. Existe um projeto de Lei, que não é perfeito, precisa de melhorias, mas alguma coisa tem que ser feita” . 

Segundo Hoff, depois da aprovação da Resolução 466, o ICESP, por exemplo, dobrou o tempo de avaliação ética, o que significa que depois de ter apresentado à Conep quase 2 mil contribuições para aprimorar os processos de avaliação ética, o cenário só piorou. “A Conep não levou em consideração nenhuma contribuição da comunidade científica. Vamos inaugurar um programa de pesquisa que você submete agora à Conep para que seus netos possam fazer o projeto”, ironiza.

A Conep argumenta que os pesquisadores estão muito despreparados e apresentam projetos ruins. Para ilustrar, o oncologista apresentou algumas pendências da Conep feitas ao ICESP. Entre elas, uma que afirma que embora o termo de consentimento tenha listado todos os métodos de contracepção aceitos, não havia mencionado a relação homoafetiva como método de contracepção aceitável. “Esse pedido de correção foi feito ao ICESP duas vezes e sei de outras instituições que receberam da Conep exatamente o mesmo pedido. Agora, depois que o assunto foi levado ao Ministério da Saúde, eles removeram essa exigência. Essa é a realidade do que acontece no Instituto do Câncer”, lamenta.