II Semana Brasileira da Oncologia

Cirurgia no câncer de colo uterino inicial

audrey semana 2019 bxQual a melhor indicação cirúrgica no câncer do colo do útero? A questão foi tema da II Semana Brasileira da Oncologia, em apresentação de Audrey Tsunoda (foto). Acompanhe a síntese, em artigo com as principais recomendações.

Por Audrey T Tsunoda, cirurgiã oncológica no Departamento de Ginecologia Oncológica do Hospital Erasto Gaertner e Instituto de Oncologia do Paraná , vice-presidente do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA/GBTG), vice-diretora do comitê internacional da Society of Gynecologic Oncology (SGO) e secretária da SBCO Regional PR

A indicação de tratamento cirúrgico do câncer de colo do útero inicial depende do estádio, do desejo de preservar a fertilidade e de fatores de risco para recidiva.

O estadiamento da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) foi modificado em 2018 com objetivo de contemplar estas decisões terapêuticas. As lesões de estádio IA tiveram a extensão horizontal removida. Os tumores IB foram subdivididos conforme as indicações de tratamento: IB1 (>= 5mm e <2cm), IB2 (2 - 4cm) e IB3 (>=4cm)1. O status linfonodal, fator fundamental de modificação de tratamento e prognóstico, foi adicionado. Pacientes com metástases linfonodais pélvicas compreendem o estádio IIIC1, enquanto as para-aórticas passaram a IIIC2, deixando de caracterizar metástases à distância1.

Tumores IA1 podem ser abordados de forma conservadora de paramétrios, apenas com cone ou traquelectomia simples e avaliação linfonodal na presença de invasão linfovascular2. Para as mulheres que não desejam preservar a fertilidade, a histerectomia simples Classe A (extrafascial) de Querleu e Morrow3 será suficiente para a abordagem do tumor primário, associada à avaliação linfonodal2.

Os tumores IA1 com ILV, totalmente removidos em cone com margens livres e pesquisa de linfonodo sentinela. As pacientes com tumores IA2 e IB1 podem receber traquelectomia radical com abordagem linfonodal, com segurança terapêutica e preservação de fertilidade2. Este procedimento pode ser realizado via vaginal, laparoscópica ou robótica, com resultados obstétricos e oncológicos similares nas séries de casos4,5. Pacientes nestes estádios que não desejam preservar a fertilidade podem ser tratadas cirurgicamente com histerectomia radical modificada classe Querleu Morrow B.

Para os tumores IB2, a indicação cirúrgica é histerectomia radical laparotômica, classe C1 de Querleu e Morrow. Recentes revisões de séries de caso6 e um grande estudo prospectivo randomizado (LACC trial) comprovaram que a via laparoscópica ou robótica apresenta maiores taxas de recidiva quando comparadas à via laparotômica convencional7. Estes resultados podem inclusive apresentar impacto em termos de sobrevida global. Ademais, as complicações foram mais frequentes no braço de cirurgia minimamente invasiva, sem ganho em termos de qualidade de vida8. Alguns fatores técnicos parecem estar relacionados a este efeito, sem precedentes na história da cirurgia minimamente invasiva. Podem ser considerados: uso de manipulador uterino, disseminação peritoneal durante a colpotomia na presença de tumor no colo e pneumoperitôneo, ou à presença de tumor na peça. Nenhum estudo comprovou quais as causas diretas das recidivas, porém a análise retrospectiva de centros que não fizeram uso de manipulação uterina obteve resultados oncológicos semelhantes ao braço laparotômico do estudo LACC9.

Pacientes portadoras de tumores IB3 devem ser tratadas primariamente com radioterapia combinada à quimioterapia, em virtude da elevada taxa de necessidade de adjuvância após histerectomia radical2.

Quanto à abordagem linfonodal, a linfadenectomia pélvica sistemática é o procedimento tradicional, que pode ser acrescido de pesquisa de linfonodo sentinela (PLS)2. Adicionar a PLS contribui para selecionar linfonodos para ultraestadiamento, com intenção de detectar micrometástases e eventuais células tumorais isoladas. A técnica foi padronizada inicialmente com a combinação de corante azul patente e tecnésio I99, com injeção em 4 quadrantes do colo uterino. Atualmente, em grandes centros com elevado volume de casos10, o emprego do corante verde de indocianina injetado em 2 pontos cervicais (as 3h e as 9h) tornou-se a melhor escolha em virtude da maior sensibilidade10,11. Um grande estudo prospectivo randomizado (SENTICOL III) está em andamento para validar a segurança do emprego da PLS em câncer de colo uterino.

Referências: 

  1. Bhatla N, Berek JS, Cuello Fredes M, Denny LA, Grenman S, Karunaratne K, et al. Revised FIGO staging for carcinoma of the cervix uteri. Int J Gynaecol Obstet. 2019 Apr;145(1):129–35.
  2. Koh W-J, Abu-Rustum NR, Bean S, Bradley K, Campos SM, Cho KR, et al. Cervical Cancer, Version 3.2019, NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology. J Natl Compr Canc Netw. 2019 Jan;17(1):64–84.
  3. Querleu D, Cibula D, Abu-Rustum NR. 2017 Update on the Querleu-Morrow Classification of Radical Hysterectomy. Ann Surg Oncol. 2017 Oct;24(11):3406–12.
  4. Vieira MA, Rendón GJ, Munsell M, Echeverri L, Frumovitz M, Schmeler KM, et al. Radical trachelectomy in early-stage cervical cancer: A comparison of laparotomy and minimally invasive surgery. Gynecol Oncol. 2015 Sep;138(3):585–9.
  5. Salvo G, Ramirez PT, Leitao M, Cibula D, Fotopoulou C, Kucukmetin A, et al. International radical trachelectomy assessment: IRTA study. Int J Gynecol Cancer. 2019 Mar;29(3):635–8.
  6. Melamed A, Margul DJ, Chen L, Keating NL, Del Carmen MG, Yang J, et al. Survival after Minimally Invasive Radical Hysterectomy for Early-Stage Cervical Cancer. N Engl J Med. 2018 Nov 15;379(20):1905–14.
  7. Ramirez PT, Frumovitz M, Pareja R, Lopez A, Vieira MA, Ribeiro R. Phase III randomized trial of laparoscopic or robotic versus abdominal radical hysterectomy in patients with early-stage cervical cancer: LACC Trial [Internet]. Vol. 149, Gynecologic Oncology. 2018. p. 245. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.ygyno.2018.04.552
  8. Obermair A, Asher R, Pareja R, Frumovitz M, Lopez A, Moretti-Marques R, et al. Incidence of adverse events in minimally invasive versus open radical hysterectomy in early cervical cancer: Results of a randomized controlled trial. Am J Obstet Gynecol [Internet]. 2019 Oct 3; Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.ajog.2019.09.036
  9. Kohler C, Hertel H, Herrmann J, Marnitz S, Mallmann P, Favero G, et al. Laparoscopic radical hysterectomy with transvaginal closure of vaginal cuff - a multicenter analysis. Int J Gynecol Cancer. 2019 Jun;29(5):845–50.
  10. Vercellino GF, Erdemoglu E, Lichtenberg P, Muallem MZ, Richter R, Abu-Rustum NR, et al. A GCIG international survey: clinical practice patterns of sentinel lymph node biopsies in cervical cancer. Arch Gynecol Obstet. 2019 Jul;300(1):191–9.
  11. Balaya V, Guani B, Bonsang-Kitzis H, Deloménie M, Ngô C, Montero Macias R, et al. [Sentinel lymph node biopsy in early-stage cervical cancer: current state of art]. Bull Cancer [Internet]. 2019 Oct 15; Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.bulcan.2019.06.011