ESMO 2017

IFCT-0302: seguimento de pacientes com câncer de pulmão completamente ressecado

RIAD NET OKApresentado na ESMO 2017, o estudo IFCT-0302 não demonstrou diferença na sobrevida global entre pacientes com câncer de pulmão não pequenas células completamente ressecadas que receberam tomografia computadorizada (TC) como parte de seu seguimento e aqueles que não realizaram o exame. O cirurgião torácico Riad Younes (foto), Diretor Geral do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, comenta os resultados do estudo.

O seguimento (follow-up) dos pacientes com câncer de pulmão não pequenas células (CPNPC) após a ressecção completa do tumor e eventuais tratamentos adjuvantes tem sido recomendado pelas diretrizes das sociedades de especialidade de forma variada.

A maioria dos centros oncológicos sugerem um seguimento rotineiro com consulta médica, exame físico e tomografia computadorizada, na frequência de 3 em 3 meses, ou 6 em 6 meses nos primeiros dois anos. Após este período o intervalo aumenta rapidamente para 6 meses ou anual. Não há nenhuma indicação para seguimento com PET-CT (18F-FDG) na rotina do seguimento deste grupo de pacientes.

As recomendações acima se basearam em estudos prévios que analisaram a vantagem de seguimento mais intensivo, comparado com seguimento baseado no surgimento dos sintomas referidos pelo próprio paciente.

Em 2000, Westeel e cols (Ann Thorac Surg. 2000;70:1185) avaliaram a possibilidade da realização de um estudo prospectivo para seguimento de 192 pacientes com tumor de pulmão completamente ressecado. Neste estudo incluíram CT de tórax a cada 6 meses no grupo “ intensivo”. Observaram recidivas em 136 pacientes, sendo 36 (26%) recidivas assintomáticas somente detectadas pela CT ou pela broncoscopia rotineiras, com melhor taxa de sobrevida de 3 anos (31%), comparada com os pacientes com recidivas sintomáticas (10%). Ao mesmo tempo, observaram que a maioria das recidivas passíveis de tratamento curativo foram detectadas pelos exames de imagem.

Um estudo realizado no Brasil por nosso grupo (Younes RN, Chest. 1999 Jun;115:1494), na mesma época, comparou a eficiência de um seguimento pós-operatório intensivo com seguimento guiado por sintomas dos pacientes. Neste estudo, não observamos um impacto significativo na sobrevida global dos pacientes com maior frequência de consultas e CTs, apesar de impacto importante na qualidade de vida dos pacientes e diminuição do número de internações para tratamento de problemas de saúde não diretamente relacionados à recidiva do câncer.

Vários outros estudos tentaram, sem sucesso, definir a melhor estratégia de seguimento nestes pacientes, sem conseguirem resolver estas controvérsias.

No Congresso da ESMO 2017 foi apresentado o maior estudo prospectivo randomizado fase III, o IFCT-0302, por Virginie Westeel, comparando um seguimento intensivo com CTs e broncoscopias, com grupo controle submetido a consultas médicas e radiografias (Rx) simples de tórax.

O IFCT-0302 é um ensaio multicêntrico, randomizado, que compara dois programas de seguimento em pacientes com CPNPC N0-2 completamente ressecados estágios pI, II, IIIA e T4 (nódulos pulmonares no mesmo lobo - TNM 6ª edição).

Os pacientes foram randomizados para um braço controle (braço 1), que incluiu exame clínico e radiografia de tórax, ou um acompanhamento experimental (braço 2), onde os pacientes foram submetidos a exame clínico, radiografia de tórax, tomografia computadorizada toraco-abdominal (CT) mais broncoscopia (opcional para adenocarcinomas).

Em ambos os braços, os procedimentos foram repetidos a cada 6 meses após a randomização durante os primeiros 2 anos e anualmente até 5 anos. Procedimentos suplementares foram permitidos em caso de sintomas. O endpoint primário foi a sobrevida global (SG).

Resultados

Entre janeiro de 2005 e novembro de 2012, 1775 pacientes foram randomizados (braço 1 - 888; braço 2 - 887). As características dos pacientes foram bem equilibradas entre os dois braços: homens 76,3%, idade média 63 anos (faixa: 34-88), carcinomas escamosos e de células grandes 39,5%, estágio I 68,1%, estágio II 13,7%, estágio III 18,3% lobectomia ou bilobectomia 86,6%, radioterapia pré e/ou pós-operatória 8,7% e quimioterapia pré e/ou pós-operatória 45%. O acompanhamento médio foi de 8,7 anos (95% CI: 8,5-9).

Após uma mediana de seguimento de oito anos e 10 meses, a sobrevida global não foi significativamente diferente entre os dois braços (HR = 0,92, 95% IC: 0,8 - 1,07; p = 0,27). A mediana de SG foi de 8,2 anos (95% IC: 7,4 - 9,6) e 10,3 anos (95% IC: 8,5 - não alcançado) nos braços 1 e 2, respectivamente.

As taxas de sobrevida sem doença em três anos também foram semelhantes, em 63,3% (95% IC: 60,2% - 66,5%) e 60,2%, (95% IC: 57,0% -63,4%) respectivamente, assim como as taxas de SG em oito anos, em 51,1% (95% IC: 47,2% - 55,1%) e 55,6% (95% IC: 51,7% - 59,4%), respectivamente.

O estudo IFCT-0302, portanto, não demonstrou benefício na sobrevida global dos pacientes submetidos a seguimento mais rigoroso.

Este importante estudo confirma a impressão de estudos prévios, que o seguimento muito intensivo tem um impacto marginal na sobrevida global a longo prazo dos pacientes.

Vale apena destacar alguns aspectos deste estudo:

1. No seguimento intensivo, foram incluídos pacientes com diferentes potenciais de recidiva, local ou à distância, no mesmo protocolo de seguimento. Persiste a dúvida, se pacientes com tumores muito precoces (Ia) teriam o mesmo benefício (ou ausência dele) que paciente com tumores localmente avançados (IIIa), cujo risco de recidiva é significativamente mais elevado nos primeiros 2-3 anos pós ressecção e/ou adjuvância;

2. O estudo recomenda a realização rotineira de broncoscopia, na mesma frequência, principalmente nos pacientes com tumores não-adenocarcinoma. Esta rotina não é consistente com a maioria das diretrizes dos centros oncológicos mundiais, incluindo os brasileiros;

3. Não ficou claro, nos resultados apresentados, o impacto deste tipo de seguimento na detecção de segundos primários, e em que estádio estes tumores potencialmente curáveis foram detectados nos 2 grupos. Aguardamos a publicação final mais detalhada deste estudo em revista científica para a análise do possível benefício de um seguimento com CTs na detecção de tumores primários em fase mais precoce, mais curável;

4. Não foram apresentados com detalhes os impactos sobre os custos gerais do manejo destes pacientes, nem a análise custo/benefício de cada rotina, além de exames e biópsias desnecessárias nos pacientes com exames falsos positivos.

Concluímos que o estudo IFCT 0302 é muito importante, e poderá certamente modificar as rotinas de manejo dos pacientes com câncer de pulmão completamente ressecado. Aguardamos mais detalhes sobre os resultados em publicações futuras.

O impacto mais imediato seria de diminuir a frequência de tomografias e consultas nos primeiros 2 anos para 6/6 meses, substituindo o mais comum 3/3 meses. Isto provavelmente não trará nenhum impacto negativo, principalmente em paciente com baixo risco e tumores precoces.

Não está claro o papel de broncoscopia rotineira nos pacientes, e continuamos não recomendando este exame no seguimento. Persiste a recomendação de não utilizar PET-CT de rotina no seguimento destes pacientes.

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