Dez anos de terapia hormonal no câncer de mama

BALANCO_MAMA_bx.jpgO estudo randomizado de fase III MA.17R confirma as evidências disponíveis em favor de estender a terapia com inibidor da aromatase (AI) com letrozol (Femara®) de 5 para 10 anos em mulheres pós-menopáusicas com câncer de mama inicial. Os resultados foram apresentados na sessão plenária da ASCO no domingo, 5 de junho. As mulheres que receberam letrozol por mais cinco anos tiveram um risco 34% menor de recorrência do que aquelas que receberam placebo.

"As mulheres com câncer de mama com status positivo para receptores hormonais enfrentam um risco indeterminado de recaída", disse Paul Goss, primeiro autor do estudo, diretor do Breast Cancer Research no Massachusetts General Hospital, em Boston, e professor de Medicina na Harvard Medical School. "O estudo fornece orientação para muitos pacientes e seus médicos, confirmando que prolongar o tratamento com inibidores da aromatase pode reduzir ainda mais o risco de recorrência do câncer de mama”, esclareceu.
 
A sobrevida global (SG) não foi diferente entre os dois grupos avaliados no estudo MA.17R. Segundo os autores, o desfecho de SG não é facilmente demonstrável devido à natureza crônica e lenta das recidivas em câncer de mama com receptores hormonais.  É com esse argumento que a maioria das terapias endócrinas para câncer de mama ganhou aprovação regulatória baseada unicamente na melhoria da sobrevida livre de doença.
 
Além dos dados de segurança e eficácia (LBA1), outra análise também avaliou a opinião de pacientes acerca de diferentes parâmetros de qualidade de vida, que foram comparáveis entre os dois grupos (LBA 506).
 
Sobre o Estudo
 
O MA.17R incluiu 1.918 mulheres na pós-menopausa que receberam cinco anos de qualquer um dos três tratamentos de IA, quer como terapia inicial ou depois de tamoxifeno. O endpoint primário foi sobrevida livre de doença. Qualidade de vida foi um objetivo secundário.
 
Além da redução de 34% no risco de recorrência do câncer de mama, as mulheres no grupo de letrozol estendido tiveram incidência menor de câncer na mama contralateral em relação ao grupo placebo (0,21% vs. 0,49%), indicando um efeito de prevenção.
 
Em cinco anos de acompanhamento, 95% das mulheres que receberam letrozol e 91% das que receberam placebo foram diagnosticadas com câncer de mama. A sobrevida global em cinco anos foi de 93% para as mulheres que receberam placebo e de 94% no grupo tratado com letrozol.
 
Dos 1.918 participantes do estudo, 1.428 completaram avaliações de qualidade de vida (QV). Os relatórios de QV foram repetidos em 12, 24, 36, 48 e 60 meses. 
 
Os dados de qualidade de vida mostram que não houve diferenças significativas nos parâmetros avaliados entre as mulheres que tomaram letrozol por cinco anos e aquelas que receberam placebo. No entanto, pacientes randomizados para letrozol relataram sintomas vasomotores piores (12 meses p = 0,02, 36 meses p = 0,03) e pior funcionamento sexual (12 meses p = 0,01, 36 meses p = 0,01). Os dados de 60 meses ainda serão apresentados.

“Essa foi a primeira vez que se mostrou essa redução de risco de recorrência com um inibidor de aromatase, e esses resultados confirmam os dados dos estudos ATLAS e aTTom. Embora o estudo tenha mostrado boa tolerância, isto decorre, em boa parte, da seleção de pacientes, diz o oncologista Antonio Carlos Buzaid (foto), chefe-geral do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes, da Beneficência Portuguesa de São Paulo, e membro do comitê gestor do Centro de Oncologia e Hematologia Dayan-Daycoval, do Hospital Israelita Albert Einstein. O especialista acrescenta que não há dados de sobrevida global, e a redução do risco é semelhante ao risco do tamoxifeno. "Na minha opinião a grande indicação de continuar com IA por 10 anos é para pacientes na pós-menopausa com risco alto ou intermediário. Em pacientes de baixo risco cinco anos é suficiente, porque a magnitude da redução da recorrência após esse período é muito pequena", observa. 

Segundo o oncologista Carlos Barrios, diretor do Hospital de Câncer Mãe de Deus, em Porto Alegre, a maior importância deste trabalho está na confirmação clínica de que algumas pacientes necessitam de supressão da via de sinalização hormonal por tempo mais prolongado. “Associado a esta apresentação, dados do EBCTCG, também divulgados durante a ASCO, demonstram que o risco de recorrência das pacientes RH positivas é contínuo e pode chegar a mais de 20% aos 20 anos depois do diagnóstico. Isto é consistente com a necessidade de hormonioterapia por tempo prolongado”, explica. 
 
O especialista ressalta que ao levar estes resultados para a prática clínica, dois aspectos fundamentais devem ser levados em consideração. “Primeiro, que a maior parte dos eventos que estabeleceram a diferença entre a continuação do IA e o grupo controle foram novos primários contralaterais. Desta forma, o tratamento funciona mais como quimioprenveção. A diferença absoluta na incidência de doença metastática entre os dois grupos foi de apenas 1,1%”.
 
O segundo aspecto apontado por Barrios é a necessidade de definir quais as pacientes que se beneficiam, já que a grande maioria das pacientes não necessita de IA por tempo prolongado. “Isto tem um impacto na tolerância e impacto na saúde óssea, já que fraturas foram diagnosticadas em 15% das pacientes no período de acompanhamento. A aplicabilidade destes resultados deve considerar uma discussão informada e cuidadosa entre médico e paciente, valorizando o risco de recorrência residual (depois de 5 ou 10 anos de tratamento), a tolerância ao tratamento anterior e as expectativas da paciente frente a um benefício relativamente pequeno”, diz.

O estudo foi conduzido pelo Canadian Cancer Trials Group, com a participação do National Clinical Trials Network, e foi financiado com apoio da Novartis.

Referências:
 
A randomized trial (MA.17R) of extending adjuvant letrozole for 5 years after completing an initial 5 years of aromatase inhibitor therapy alone or preceded by tamoxifen in postmenopausal women with early-stage breast cancer- J Clin Oncol 34, 2016 (suppl; abstr LBA1)

Patient-reported outcomes from MA.17R: A randomized trial of extending adjuvant letrozole for 5 years after completing an initial 5 years of aromatase inhibitor therapy alone or preceded by tamoxifen in postmenopausal women with early-stage breast cancer - J Clin Oncol 34, 2016 (suppl; abstr LBA506)