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Diagnóstico e tratamento em gliomas, qual o cenário atual?

Bottom Line

Os gliomas correspondem a aproximadamente 80% dos tumores cerebrais malignos primários em sistema nervoso central em adultos, sendo o glioblastoma o mais prevalente. Diante da heterogeneidade desses tumores, a Organização Mundial de Saúde publicou em 2016 uma nova classificação, que associa dados moleculares ao diagnóstico histológico. Com diferentes prognósticos, o tratamento multimodal permanece como padrão e o arsenal terapêutico foi ampliado, incorporando hoje novos agentes alquilantes, como temozolomida, além do emprego de diferentes inibidores de tirosina- quinase (TKIs) e de tecnologias como o NovoTTF.

 

Camylla Yamada



Camilla Yamada é oncologista clínica da BP Mirante - A Beneficência Portuguesa de São Paulo, chair do LACOG Neuro-Oncology e membro da SNOLA

Por Camilla Yamada1 e Thiago Jorge2

1 - Oncologista Clínica da BP Mirante - A Beneficência Portuguesa de São Paulo; Chair do LACOG Neuro-Oncology; Membro da SNOLA

2 - Oncologista Clínico e Coordenador de Inovação em Oncologia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, membro do LACOG Neuro-Oncology e da SNOLA

Resumo

Os gliomas são tumores raros em adultos, mas com recentes mudanças no diagnóstico e que são imperativas para a escolha do tratamento adequado. Trata-se do primeiro tumor em que a realização de testes moleculares é obrigatória para sua correta classificação. Apesar de, desde 2005 o padrão de tratamento ainda ser cirurgia seguida de radioterapia e quimioterapia, recentes avanços na abordagem multimodal dos gliomas de baixo grau e a melhor estratificação dos pacientes com astrocitomas anaplásicos foram apresentadas, assim como o emprego do NovoTTF. Além disso, dados de sequenciamento gênico permitem tratamentos com novos TKIs na recorrência, recentemente aprovados pelo FDA.

Palavras-chave:
gliomas, glioblastoma, astrocitoma, oligodendroglioma

Epidemiologia e Diagnóstico

Os gliomas correspondem a aproximadamente 80% dos tumores cerebrais malignos primários em sistema nervoso central (SNC) em adultos. Dentre eles, o mais prevalente é o glioblastoma (GBM)1. O termo "glioma” refere-se aos tumores que se originam das células da glia, sendo os principais oligodendroglioma, astrocitoma e glioblastoma. A incidência estimada no Brasil é de 5,2/100.000 habitantes e observa-se o aumento da incidência com o envelhecimento2. Em 2016, foi publicada pela Organização Mundial de Saúde a nova classificação dos tumores de SNC, que associa dados moleculares ao diagnóstico histológico, sendo então nomeados conforme tabela 13.

Grau Histológico

 

II

Astrocitoma difuso IDH mutado

Oligodendroglioma IDH mutado com codeleção 1p19q

III

Astrocitoma Anaplásico IDH mutado

Oligodendroglioma Anaplásico IDH mutado com codelação 1p19q

IV

GBM IDH selvagem

GBM IDH selvagem

Glioma difuso de linha média H3K27M

Tabela 1: Classificação dos gliomas OMS 2016

Em relação à classificação anterior, a denominação oligoastrocitoma é desencorajada, devendo-se identificar a origem histológica dominante. A pesquisa de mutação de IDH, mandatória nos pacientes com tumores grau II, III e nos GBM em pacientes com menos de 55 anos, pode ser realizada por imunohistoquímica capaz de identificar a mutação mais frequente ou por sequencimento gênico. Pesquisa de codeleção 1p19q geralmente é realizada por FISH (fluorescence in situ hybridization) e deve ser feita somente nos tumores oligodendrogliais3.

 A apresentação clínica depende da localização do tumor e velocidade de crescimento. Os sintomas mais frequentes são cefaleia, crise convulsiva, deficits focais, alteração cognitiva e hipertensão intracraniana (cefaleia, náusea e papiledema). Recomenda-se avaliação inicial preferencialmente com ressonância nuclear magnética, capaz de fornecer informações sugestivas sobre grau tumoral e histologia, além de ser fundamental no planejamento terapêutico, potencial morbidade do tumor e/ou procedimento e avaliação do volume residual tumoral no pós operatório, sendo este último um dos principais fatores prognósticos de sobrevida4,5. 

Tratamento

 Em relação ao tratamento, recomenda-se citorredução cirúrgica máxima, considerando sempre o risco de deficit neurológico. Nos tumores de baixo grau (II) de alto risco, caracterizados por idade ≥40 anos e/ou ressecção incompleta, recomenda-se tratamento complementar com radioterapia (RT) na dose de 54 Gy seguido de quimioterapia com PCV (procarbazina, lomustina e vincristina) por 6 ciclos, com base nos dados do RTOG 9802, estudo de fase 3, randomizado, que demonstrou incremento na sobrevida global mediana quando comparado à RT exclusiva de 13,3 versus 7,8 anos6. Monoterapia com radioterapia ou quimioterapia deve ser recomendada nos pacientes com alguma restrição ao tratamento combinado, com base no EORTC 22033-26033, estudo que avaliou temozolomida (TMZ) versus RT. O endpoint primário foi sobrevida livre de progressão e não demonstrou diferença significativamente estatística entre os 2 braços (39 versus 46 meses)7. Outros fatores de risco como deficits neurológicos, < 30 semanas dos sintomas ao diagnóstico, histologia astrocítica, diâmetro tumoral > 5 cm e ausência de mutação IDH devem ser considerados na decisão de tratamento adjuvante8,9. Temozolomida nos gliomas grau II é frequentemente utilizada com base em dados de atividade nestes tumores, associado à facilidade de posologia, menor perfil de toxicidade, além da dificuldade de acesso à procarbazina no Brasil. No entanto, não há trabalho de fase 3 com TMZ combinado à RT e nem comparando os esquemas demonstrando equivalência ou superioridade de alguma estratégia.

Nos oligodendrogliomas anaplásicos, dados de literatura demonstram incremento importante em sobrevida mediana nos pacientes codeletados a favor do tratamento combinado de RT e PCV quando comparado à RT exclusiva. No RTOG 9402 e EORTC 26951, ambos fase 3 demonstraram ganho de sobrevida mediana 14,7 versus 7,3 anos e não atingida versus 112 meses, respectivamente, ambas atingindo significância estatística. A comparação direta entre PCV e TMZ nos pacientes codeletados está sendo avaliada pelo CODEL trial, estudo em andamento  sem dados ainda publicados10-12.

Nos astrocitomas anaplásicos, temos dados de 2 análises interinas recentemente apresentados do CATNON trial, estudo de fase 3 randomizado com 4 braços (RT exclusiva, RT concomitante TMZ, RT seguido de TMZ e RT com TMZ concomitante e sequencial). Foi demonstrado incremento de sobrevida mediana com TMZ sequencial com redução do risco de morte de 35%. TMZ concomitante só foi benéfica nos pacientes com astrocitoma anaplásico e IDH mutado, com HR 0,63 (IC 95% 0,43-0,91 p= 0,012)13,14.

Nos GBMs, o tratamento padrão se baseia no EORTC 26981-22891/NCIC CTG CE.3, no qual pacientes com GBM de novo foram randomizados à RT versus RT 60 Gy em 30 frações e TMZ concomitante e 6 ciclos sequencial. Demonstrou-se ganho em SG com HR=0,6 (IC de 95%: 0,5-0,7; p<0,0001)15,16. Não há benefício em manter TMZ além dos 6 ciclos17-19. Outro estudo importante é o EF-14 que avaliou a associação de TTF (tumor treating field) ao tratamento padrão, que consiste em um aparelho que gera campo elétrico de baixa voltagem dificultando a divisão celular, demonstrando ganho de sobrevida mediana de 20,9 versus 16 meses nos pacientes que utilizaram o TTF por 18 horas ou mais por dia20. Em idosos, o tratamento padrão consiste em RT hipofracionada de 40 Gy em 15 frações com TMZ concomitante e sequencial por 12 ciclos. Neste trabalho de fase 3, 562 pacientes com GBM de novo e idade ≥ 65 anos foram randomizados à RT versus tratamento combinado e se observou sobrevida global de 9,3 versus 7,6 meses com HR=0,53 (IC de 95%: 0,38-0,73; p<0,001)21. Já para pacientes que o performance status não permite tratamento combinado, optamos pela realização de temozolomida isolada nos que apresentam MGMT metilado e RT hipofracionada em 15 ou 5 sessões nos não metilados22-24. Já na recidiva, não há tratamento padrão estabelecido. Sempre deve ser discutido em reunião multidisciplinar e é importante contemplar possível ressecção, reirradiação e quimioterapia, baseado em localização, padrão de recidiva (região já irradiada ou fora do campo) e tempo desde o início e término do tratamento adjuvante. Quanto ao esquema de quimioterapia utilizado, damos preferência à temozolomida em pacientes com recidiva após 6 meses do término da adjuvância e lomustina nos demais pacientes, reservando o uso de bevacizumabe apenas aqueles com edema importante25,26. Também realizamos, quando possível, pesquisa de NTRK e instabilidade de microssatélites devido a aprovação agnóstica de larotrectinibe, entrectinibe e pembrolizumabe27 J Clin Oncol 37, 2019 (suppl; abstr 2006); J Clin Oncol 37, 2019 (suppl 2043-2043).

Conclusões

Apesar de ser raro em adultos, as neoplasias malignas de SNC em geral são um grupo heterogêneo de tumores, com diferentes prognósticos, porém com impacto importante devido à alta morbi-mortalidade. Após 2016, com a nova classificação da OMS, é imperativo considerar as informações moleculares no diagnóstico histológico e planejamento terapêutico. O tratamento multimodal e as novas tecnologias são a chave para o sucesso no tratamento. A discussão multidisciplinar é fundamental em neuro-oncologia, agregando informações das diversas especialidades envolvidas para planejamento terapêutico e reabilitação destes pacientes.

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