Choosing Wisely para oncologia no Brasil - recomendações para cuidados baseados em evidências

fabio moraes 2020 bxO radio-oncologista Fabio Ynoe Moraes (foto), professor associado no Departamento de Oncologia na Queen’s University, é primeiro autor de artigo1 publicado na Nature Medicine que descreve a força-tarefa Choosing Wisely for Oncology in Brazil, uma iniciativa para estimular o diálogo entre todos os atores envolvidos nos cuidados com o câncer, discutindo maneiras de promover cuidados em câncer de alta qualidade e acessíveis, evitando o uso de testes, procedimentos e tratamentos desnecessários.

“A força-tarefa Choosing Wisely (CW) for Oncology in Brazil é uma iniciativa planejada com base no sucesso de exercícios anteriores da Choosing Wisely for Oncology em outras regiões, cada um com o objetivo de identificar serviços de câncer de baixo valor, desnecessários ou prejudiciais que são frequentemente utilizados3–6. Criada em 2021, a CW Brazil incluiu representantes de organizações nacionais de advocacy, pacientes e membros de cada uma das principais especialidades oncológicas - oncologia clínica, cirurgia oncológica, radioterapia e cuidados paliativos, além de titulares de cargos executivos das três associações de especialidades oncológicas do país”, esclarecem os autores.

“Frequentemente, existe uma carência de iniciativas como a Choosing Wisely for Oncology no contexto da América Latina. A iniciativa atual é um movimento regional em direção à promoção de práticas baseadas em evidências e valores em oncologia que se traduzam em cuidados de saúde mais sustentáveis ​​e eficientes7,8”, acrescentam.

O Brasil é o maior país da América do Sul e tem alta incidência de câncer. As estimativas apontam 625 mil novos casos de câncer em 2020, representando um aumento de 17% em relação a 2012, quando foram aproximadamente 518 mil casos2. O aumento dos casos de câncer está aumentando a pressão sobre o sistema público de saúde, que responde pelo atendimento de cerca de 80% dos brasileiros. “Há, portanto, uma forte necessidade de apoiar a gestão do câncer baseada em evidências e valores, capacitação para serviços e um investimento no desenvolvimento de uma força de trabalho robusta para o câncer”, destaca a publicação.

Os autores argumentam que é bem reconhecido que muitas práticas médicas comuns não oferecem benefícios aos pacientes, afetam negativamente o orçamento da saúde e podem sobrecarregar médicos e profissionais da saúde. O Brasil tem desafios adicionais, com contextos regionais altamente diversos em uma população total de 213 milhões de pessoas, sistemas de saúde fragmentados entre centros de serviços de saúde acadêmicos e não acadêmicos e diversos programas de reembolso públicos e privados10.


“No geral, as barreiras que impedem o acesso a serviços de oncologia e a falta de infraestrutura para a prestação de tratamento provavelmente são fatores que contribuem para uma carga desproporcionalmente alta de câncer em países de baixa e média renda (PBMRs), onde a razão mortalidade/incidência é o dobro da observada em países de alta renda10”, afirmam os autores.

A força-tarefa identificou uma lista de práticas frequentemente utilizadas no sistema de saúde brasileiro que são consideradas de baixo valor, desnecessárias ou prejudiciais aos pacientes. Os autores também elaboraram uma lista de recomendações como referência regional para combater esses conjuntos de práticas e criar impulso para a oncologia baseada em valor e evidência em toda a América Latina.

Entre as 10 principais recomendações da Choosing Wisely for Oncology Brazil estão: 1 - não deixar de abordar fatores de estilo de vida, como cessação do tabagismo e exercícios ao longo da jornada do câncer do paciente; 2 - não realizar exames diagnósticos de triagem, como ultrassonografia, tomografia por emissão de pósitrons/tomografia computadorizada ou teste de marcadores tumorais séricos em pacientes assintomáticos ou com risco baixo a moderado; 3 - não solicitar triagem ou testes de rotina de doenças crônicas, como hormônio estimulante da tireoide, T3 e T4 para tireoide, hemoglobina A1C para diabetes ou níveis de hemoglobina para anemia simplesmente porque uma coleta de sangue é realizada; 4 - Não utilizar uma terapia direcionada a uma mutação genética específica a menos que as células tumorais do paciente tenham um biomarcador específico que preveja uma resposta eficaz à essa terapia-alvo; 5 - Não utilizar a cirurgia como tratamento inicial sem considerar o tratamento pré-cirúrgico (neoadjuvante) sistêmico e/ou radioterapia para tipos de câncer e estágio em que a estratégia seja eficaz para melhorar o controle local do câncer, qualidade de vida ou sobrevida; 6 - Não utilizar rotineiramente esquemas de fracionamento estendido (> 5 frações) para paliação de metástases ósseas não complicadas; 7 - não tratar pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas em estágio inicial inoperável (ou com múltiplas comorbidades) sem discutir a radioterapia estereotática corporal como parte do processo compartilhado de tomada de decisão; 8 - não utilizar terapia direcionada ao câncer para pacientes com tumores sólidos com as seguintes características: baixo performance status (3 ou 4), nenhum benefício de estudos prévios de intervenções baseadas em evidências, não elegíveis para um ensaio clínico e sem fortes evidências que sustentem o valor clínico de um tratamento anticancerígeno adicional. Colocar foco no alívio dos sintomas e cuidados paliativos; 9 - não tratar câncer de próstata clinicamente localizado de baixo risco onde o escore de Gleason é <7, PSA <10,0 ng ml-1 ou estágio do tumor ≤T2 sem discutir a vigilância ativa como parte do processo de tomada de decisão compartilhada; 10 - não utilizar rotineiramente terapia locorregional extensa na maioria das situações de câncer em que há doença metastática e sintomas mínimos atribuíveis ao tumor primário.

“A criação da lista brasileira de chossing wisely for oncology é o primeiro passo de um processo multifásico para combater práticas de baixo valor e potencialmente prejudiciais no Brasil e em outros países da América Latina. Os próximos passos serão realizar um estudo de pesquisa nacional para descrever a infraestrutura disponível e lacunas; barreiras para atendimento de alto valor ao paciente; concordância com as recomendações da choosing wisely na prática de rotina; e barreiras à implementação.

Também planejamos expandir a implementação de cuidados baseados em valor e promover os princípios da choosing wisely no Brasil e na América Latina”, concluem os autores.

Referências:

1 - de Moraes, F.Y., Marta, G.N., Mitera, G. et al. Choosing Wisely for oncology in Brazil: 10 recommendations to deliver evidence-based cancer care. Nat Med (2022). https://doi.org/10.1038/s41591-022-01924-x 

2 - Viani, G. A. et al. Lancet Oncol. 23, 531–539 (2022).

3 - Schnipper, L. E. et al. J. Clin. Oncol. Off. J. Am. Soc. Clin. Oncol. 31, 4362–4370 (2013).

4 - Mitera, G. et al. J. Oncol. Pract. 11, e296–303 (2015).

5 - Pramesh, C. S. et al. Lancet Oncol. 20, e218–e223 (2019).

6 - Rubagumya, F. et al. JCO Glob. Oncol. 6, GO. 20, 00255 (2020).

7 - Katz, M. et al. J. Am. Coll. Cardiol. 70, 904–906 (2017).

8 - Pramesh, C. S. et al. Nat. Med. 27, 1324–1327 (2021).

9 - Sullivan, R. et al. Nature 549, 325–328 (2017).

10 - Moraes, F. Yde et al. Int. J. Radiat. Oncol. Biol. Phys. 92,

707–712 (2015).